Acórdão nº 2531/05.7TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e mulher BB, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma do processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo a condenação destes a: a) pagar-lhes a quantia de 17 796,37 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados sobre a importância de 49 880,00€, desde 17/2/2005 até efectivo pagamento; b) indemnizar os autores, a título de danos patrimoniais, na quantia de 15.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento; c) indemnizar cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 15 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento; d) indemnizar os autores, nos demais danos causados, a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma: Constituíram mandatário o réu, advogado, que os representou no âmbito de processo de inventário e em acção ordinária de reivindicação na qual o autor marido foi demandado, bem como nas execuções para entrega de coisa certa e pagamento de quantia certa, com liquidação, que correram por apenso à referida acção.

Na pendência de tais acções e execuções, o réu não os informou dos actos praticados, faltou à verdade nas informações que prestou, apresentou requerimentos ao arrepio da verdade e com desconhecimento dos autores, inclusivamente com assinaturas falsificadas e, apesar de interpor recursos das decisões que lhes foram desfavoráveis, não apresentou alegações, bem sabendo que o trânsito em julgado dessas decisões implicava sérias consequências para o património dos autores.

O réu comunicou ao tribunal a renúncia do patrocínio injustificada e falsa, mas nunca deixou de ser o advogado dos autores.

O réu pediu ao autor para lhe fazer o favor de emitir um cheque de 2.000.0000$00, com a finalidade de o mostrar e provar a um amigo que ia receber esse dinheiro, garantindo ao autor que o cheque nunca seria apresentado a pagamento e acrescentando que o referido amigo tinha emprestado dinheiro ao réu para este ajudar o irmão do autor. Sucedendo, porém, que o réu procedeu ao levantamento da quantia titulada no cheque e nunca mais a devolveu ao autor.

O inventário aludido encontra-se arquivado desde 1996 apesar de o réu sempre ter dito que o mesmo estava a correr seus termos, não tendo sido promovida também qualquer diligência com vista à partilha amigável.

Houve, assim, violação dos deveres de advogado e do Estatuto da Ordem dos Advogados por parte do réu, configurando violação contratual do mandato.

Tendo sido produzidos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do comportamento do réu, defendendo que a dívida é da responsabilidade conjunta de ambos os réus.

Citados os réus, vieram contestar, alegando, também em síntese: Impugnam a matéria alegada na petição inicial, tendo o réu informado sempre os autores da tramitação dos processos judiciais. Negam a infracção de deveres deontológicos por banda do réu, bem como a apropriação da quantia de 2.000 contos. Mais sustentam que a ré jamais poderia ser responsabilizada pelo imputado comportamento delituoso do réu.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 724 a 735 consta.

Foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente.

Inconformados, vieram os autores interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

De novo, irresignados, vieram pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O mui douto Acórdão faz recair na não transcrição em acta do depoimento de parte do Réu, a fundamentação para a não alteração da decisão de facto e, apesar de reconhecer que a prova dos AA. se afigurava de extrema dificuldade, acaba por tornar essa prova ainda mais difícil, barrando por completo a abundante prova que resultou das confissões do R.

2ª - Sustentado neste entendimento, que a jurisprudência tem entendido não se alcançar sequer a sua necessidade e utilidade em virtude do depoimento gravado, acabou por desconsiderar também a restante prova, como os Documentos juntos, o Relatório Pericial - já de si bastante elucidativo e conclusivo da responsabilidade do R. e os relatos das testemunhas, etc.

3ª - Aliás, é inaceitável, porque complexizante e retardatória, a exigência legal - art.º 563° nº 1 do CPC - da redução a escrito (assentada) do depoimento de parte na sua vertente confessória, já que este é gravado, o que é suficiente para os fitos essenciais da assentada: impor a vinculação do confessante e sindicar o seu teor pelo tribunal ad quem.

4ª - De todo o modo, a não redução a escrito, imposta no nº 1 do art. 563° do CPC, da confissão obtida em depoimento de parte constitui nulidade, que tem de considerar-se sanada, caso não seja arguida, como o não foi pelo R., nos termos e prazos gerais (art. 205, nº 1 do CPC), antes pretendendo, de modo hábil, tirar proveito da sua falta, o que, estranhamente, foi acolhido pelo tribunal a quo. 0 5ª - Sem prejuízo, sempre haveria, quer se considerasse, ou não, o depoimento do réu como confessório, que atentar que «a confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal», bem como de que «o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente»", de modo que também assim não entendendo o tribunal a quo violou o disposto no art. 358° nº 4 e o estatuído no art. 361°, ambos do CC.

6ª - Determina o art. 712° do CPC que a Relação reaprecie as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações e das contra-alegações. Logo por aqui se vê que o legislador pretendeu que a Relação formule a sua própria convicção, seja ela coincidente ou não com a que prevaleceu na 1ª instância. A Relação não pode esquecer que neste caso é um Tribunal de substituição, e não de mera cassação.

7ª - No presente caso conclui-se que não foi feita adequada aplicação do art. 712° da lei adjectiva, tendo havido uma apreciação da questão manifestamente insuficiente e um mau uso dos poderes conferidos pelo art. 712°, nº 2 do CPC, o que impõe o uso dos poderes conferidos pelo nº 3 do art. 729.° do CPC, argumentando-se que a ampliação da matéria de facto aí prevista passa não só pela averiguação de factos que não foram apurados, embora alegados, mas também pela reapreciação de factos que terão sido deficientemente aquilatados.

8ª - É evidente o mau uso pelo tribunal a quo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712° do CPC., pois, mesmo que se abstraísse da prova testemunhal, já de si bastante reveladora e relevante para a alteração dos quesitos cuja resposta se impugnou, o certo é que os factos admitidos por acordo, a prova pericial, a prova documental - inclusive, os documentos falsificados e os minutados pelo R., mesmo após a sua comunicação de renúncia e da notificação de que esta havia operado os seus efeitos, e, não bastasse, o próprio depoimento de parte do R./confissão, as respostas aos quesitos 27.°, 29.°, 31.° in fine, 34.°, e 36.° com relação à resposta dada aos quesitos 38.° a 41.°, porque deficientes, (restritivas e omissivas), deviam e devem ser alteradas.

9ª - Assim não tendo entendido nem procedido, o tribunal a quo fez mau uso e errada aplicação do disposto no art. 712.° n.º 2 e 3 do CPC, aqui violados, sobrecarregando, até aos limites do insuportável, o encargo que recai obre os AA., inclusive na justificação formal que dá para a não alteração ao quesito 36, comportamento que pode ser sindicado por este Tribunal ao abrigo do disposto no art. 722.°, 729.° e 730.° do CPC.

10ª- Neste contexto, sobre o cheque de 2.000.000$00, e não obstante ter sido alegado pelo AA. abundante factualidade a esse respeito, a formulação da base instrutória (apesar do lapso ao não fazer referência expressa à deficiente resposta ao quesito 39, pois que aludiu à relação do quesito 36 com os "quesitos 38 e 41", querendo e devendo dizer 38 a 41), permitia/obrigava a Relação a uma ponderação mais cuidada e a outra resposta que não aquela que, incompreensivelmente, foi dada e que, a não ser alterado desde logo por este venerando Tribunal, ao abrigo do art. 729° e 730°, se necessário, com a devida vénia, se impõe que ordene que se supra.

11ª- Não pode deixar de se dizer que arrepia a argumentação do tribunal a quo (pag. 4), quando aborda a impugnação da resposta ao quesito 29 - sobre a falsa renúncia do R. ao mandato - de que "a perícia não é, obviamente, incontornável, visto que a utilização do mesmo tipo de letra e formato de texto não prova, inequivocamente, que a procuração tenha sido minutada no escritório do réu, cujo depoimento, pela razão atrás dita, não pode ser considerado ", pois, a perícia revelou ainda, além do mais, haver, nos textos comparados, sobre posição das mesmas palavras - facto que, além de reconhecido pelo Réu, por si só, e recorrendo às regras da experiência, completamente omitidas na apreciação da factualidade em causa, é muito elucidativo da razão dos AA.

12ª- Ademais, é inaceitável que tendo ficado provada a falsificação de assinaturas dos AA., (matéria assente em 39 e 43), em documento relevantes, nem mesmo nesse aspecto, o Tribunal a quo tirasse consequências ou sequer se pronunciasse, limitando-se a dizer que os AA. não provaram o incumprimento do R.

13ª- Quando se confia o mandato forense ao Advogado parte-se do princípio que a defesa do direito fica cometida a profissionais dignos, capazes, independentes e idóneos, com uma preparação técnica e rigorosa formação deontológica, que conhecem a legislação e seguem, escrupulosamente...

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