Acórdão nº 08S837 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução29 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo tribunal de Justiça: 1. Relatório Os presentes autos referem-se a um acidente de trabalho de que foi vítima AA, natural da Hungria, no dia 27.10.2000, quando exercia a actividade de bailarina no EE Strip Club, traduzindo-se o acidente no facto de ter caído quando dançava.

Na fase conciliatória dos autos, o perito médico do tribunal considerou que a sinistrada tinha ficado, em consequência das lesões sofridas no acidente, com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e com uma incapacidade permanente de 75% para as restantes profissões, a partir de 24.4.2002.

Foram realizadas duas tentativas de conciliação, intervindo, na primeira, a sinistrada e a seguradora (BB - Portugal, Companhia de Seguros, S. A.) e, na segunda, a sinistrada e a CC- Agência de Modelos Unipessoal, L.da, esta na qualidade de entidade empregadora.

Nessas tentativas de conciliação, a seguradora e a entidade empregadora reconheceram a natureza laboral do acidente e aceitaram o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões e a incapacidade atribuída pelo perito médico, e a seguradora aceitou pagar à sinistrada não só a pensão anual e vitalícia de € 2.895,88, com efeitos a partir de 25.4.2002, referente ao salário anual de 63.800$00 x 14, declarado pela entidade empregadora para efeitos do contrato de seguro que com ela tinha celebrado, mas também o subsídio de elevada incapacidade, no montante de € 3.818,80, e as prestações em espécie referidas no auto de exame médico, sem prejuízo de, em relação a estas, fazer responder a entidade patronal na proporção respectiva.

Apesar disso, o acordo não foi obtido, por duas ordens de razões: a sinistrada não aceitou o resultado do exame médico, por entender que necessitava da ajuda constante de uma terceira pessoa, e não aceitou que a sua retribuição correspondesse apenas ao montante declarado pela entidade empregadora à seguradora; a entidade empregadora não aceitou a retribuição que a sinistrada declarou auferir (entre os 300.000$00 e os 500.000$00 mensais), alegando que a retribuição efectivamente por ela recebida era a que tinha sido declarada à seguradora, apesar de no contrato de trabalho junto aos autos constar que o salário diário da sinistrada era de 4.000$00, acrescido de outras prestações (table dance e comissão nas bebidas), dado que, nos termos do referido contrato, a sinistrada pagava à Agência uma comissão que correspondia a uma parte do referido salário diário, sendo que as outras prestações não eram pagas pela "CC", mas sim directamente pelo Clube onde ela trabalhava.

Dada a falta de acordo, o processo avançou para a fase contenciosa, com a apresentação da respectiva petição inicial, demandando a autora, na segunda petição, apresentada a convite do M.mo Juiz, a Companhia de Seguros BB e a CC- Agência de Modelos, Unipessoal, L.da (na primeira petição a autora também tinha demandado o FAT).

Apenas a ré "CC" contestou, alegando, em resumo, o seguinte: - não tem conhecimentos médicos para poder contrariar a versão da A. de que ficou paraplégica da cintura para baixo; no entanto, pela leitura do relatório médico do Hospital Militar Central ...... de 00 de Janeiro de 2002, junto aos autos, verifica-se que ela apenas ficou com paraplegia incompleta; - o vencimento da autora era realmente composto de uma parte fixa e de uma parte variável, mas apenas a parte fixa constante do contrato de trabalho era da responsabilidade da ré; - os valores relativos às table dance e às comissões sobre bebidas eram pagas diariamente à autora pelo Clube onde se encontrava a prestar serviço, que no caso era o EE Strip Club pertencente à sociedade BB, L.da, desconhecendo a ré esses valores, sobre os quais não recebia qualquer comissão; - a ré tinha um contrato com o Clube onde a autora trabalhava, nos termos do qual recebia uma comissão de 20% sobre o valor fixo facturado que era de 5.000$00 por cada dia, dos quais resultava para a ré uma comissão de 1.000$00 e dos restantes 4.000$00 eram deduzidos mais 20%, o que resultava no pagamento de 64.000$00 mensal à autora da responsabilidade da ré; - foi este o valor fixo que a ré se obrigou a pagar à A. e que servia de base ao seguro de acidentes de trabalho.

Proferido o despacho saneador, seleccionados os factos admitidos por acordo e elaborada a base instrutória, foi aberto o apenso para fixação da incapacidade, no qual veio a ser proferido despacho que considerou a sinistrada totalmente incapaz para o seu trabalho habitual e com uma IPP de 75% para as restantes actividades.

No decurso da audiência de discussão e julgamento, a ré seguradora requereu (fls. 450) que, face ao que tinha sido dito durante a mesma, fossem aditados três quesitos à base instrutória, com o objectivo de esclarecer qual era realmente a entidade empregadora da sinistrada, a "CC" ou a "EE Strip Club", cujo teor seria o seguinte: 40.º - Para quem trabalhava a A., aquando do acidente de que se ocupam os autos? 41.º - Qual a entidade que pagava à A. a parte variável da sua retribuição? 43.º - Qual o valor da referida parte variável? O M.mo Juiz indeferiu o requerido e a seguradora interpôs recurso de agravo do respectivo despacho.

Findo o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença, condenando: a) as rés a pagar à autora uma pensão anual e vitalícia, no valor de € 21.685,66, a partir de 25.4.2002, sendo 13,4% - € 2.895,89 - da responsabilidade da seguradora e 86,6% - € 18.789,77 - da responsabilidade da ré entidade patronal ("CC"), a actualizar anualmente de acordo com as legais percentagens; b) a ré seguradora a pagar à autora um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, pago de uma só vez, no montante de € 3.818,80; c) a ré seguradora a pagar à autora a prestação suplementar mensal prevista no art.º 19.º da LAT, a partir da data da alta, equivalente ao valor do salário mínimo dos trabalhadores do serviço doméstico; d) as rés a pagar à autora os juros de mora, a contar das datas de vencimento das prestações.

Da sentença recorreram a ré seguradora e a sinistrada.

A seguradora, por entender que a sentença era nula (por ter sido condenada a pagar à sinistrada o subsídio de elevada incapacidade, sem esta tivesse formulado qualquer pedido nesse sentido - certamente pelo facto de, logo na tentativa de conciliação, a seguradora ter aceitado o seu pagamento e de o mesmo já ter sido pago em 17.7.2002 -, e por ter sido condenada a pagar à sinistrada a prestação suplementar, sem qualquer suporte factual para tal) e por entender que o contrato de seguro não era válido, uma vez que a sua segurada, a "CC", não era a entidade empregadora da sinistrada, mas sim a sociedade que explorava o "EE Strip Club".

A sinistrada, por entender que a sentença lhe devia ter reconhecido o direito vitalício a assistência médica e medicamentosa.

Conhecendo dos recursos, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu: i) negar provimento ao recurso de agravo; ii) não tomar conhecimento das nulidades da sentença arguidas pela ré seguradora, por tal arguição não ter sido feita no requerimento de interposição do recurso, e julgar improcedente a apelação da ré quanto ao mais; iii) julgar procedente a apelação da sinistrada e condenar a seguradora a prestar-lhe a assistência médica e farmacêutica.

Mantendo o seu inconformismo, a ré "BB" interpôs recurso de revista, arguindo, no respectivo requerimento, a nulidade do acórdão da Relação, "por defeito de pronúncia designadamente ao não tomar conhecimento da suscita[da] nulidade em torno da questão do subsídio por elevada incapacidade", e concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1.ª - É inteiramente verdade que, em sede de tentativa de conciliação, a aqui Recorrente assumiu a responsabilidade pela reparação do acidente, condicionando-a à retribuição de Esc. 63.800$00 x 14 meses.

  1. - Fê-lo, porém, perante os factos que até então conhecia e que lhe terão sido transmitidos pela CC.

  2. - Ao tomar conhecimento, em plena audiência de julgamento, de factos até então silenciados pela sinistrada e pela CC e que consubstanciavam a inexistência de qualquer vínculo jurídico-laboral entre as mesmas, e, 4.ª - Por outro lado, indiciando os mesmos factos que a sinistrada estava ao serviço e sob as ordens, direcção " fiscalização do EE Strip Club, 5.ª - Requereu, por esse facto, o aditamento de 3 quesitos à B.I. em vista a saber: Quesito 40.º: Para quem trabalhava a A., aquando do acidente de que se ocupam os autos? Quesito 41.º: Qual a entidade que pagava a parte variável da sua retribuição? Quesito 42.º: Qual o valor da referida parte variável? 6.ª - A pretensão foi denegada pela 1.ª instância. Da respectiva decisão coube recurso de agravo.

  3. - Apreciando-o, a Relação acolheu, no essencial, a tese da 1.ª instância sustentando que aquela matéria estava subtraída à discussão, quer porque o contrato de trabalho integrava matéria de especificação, quer porque a pretensão da Recorrente extravasava as únicas questões que terão desencadeado a passagem à fase contenciosa.

  4. - Mas a verdade é que a Recorrente desconhecia aqueles factos, e quem deles tinha conhecimento silenciou-os (entenda-se a sinistrada e a CC).

  5. - A matéria que se pretendia aditar e foi recusada não o foi por ser irrelevante como dispõe a lei - ver art.º 72.º, n.º 1, do Cód. de Processo do Trabalho.

  6. - E com ela visava-se o apuramento de factos aptos ao enquadramento no art.º 2.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e simultaneamente, 11.ª - Aferir da validade do contrato de seguro, nomeadamente ante a manifesta falta de interesse da CCem outorgá-lo - ver artigos 15.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, e 428° parágrafo 1.º do Cód. Comercial.

  7. - Assim, mostram-se violados os artigos 72.º, n.º l, do Cód. de Processo do Trabalho, art.º 2.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, art.º 428.º do Cód. Comercial e art.º 663.º, n.º 2, do Cód. de Processo Civil.

  8. - Não obstante ficou a saber-se que a CCapenas fazia a gestão da...

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