Acórdão nº 95/1994.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Em 6 de Janeiro de 1995, no Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira, AA e BB intentaram a presente acção, com processo especial, de acidente de trabalho, contra CC S.A.

e DD, …, pedindo a condenação das rés a pagar-lhes US 40.000 dólares, acrescidos de juros, à taxa legal, desde a data da morte de seu filho, EE ou, quando assim se não entendesse, desde a data da citação.

Para tanto, alegaram, em síntese, os autores que eram pais de EE que, tendo-se deslocado a Lisboa, em gozo de férias, aqui faleceu, no dia … de …de 19…, em virtude de paludismo, que contraiu quando, na Nigéria, exercia funções para a segunda ré, em execução de contrato de trabalho celebrado com esta.

Mais alegaram os autores que a segunda ré celebrou contrato de seguro com a primeira ré, por via do qual segurou EE, pelo risco de morte em consequência de acidente de trabalho, em US 40.000 dólares, a pagar ao parente mais próximo, segundo as leis do país do segurado.

Alegaram, finalmente, os autores que EE fora recrutado por DD, que se assumiu como representante da segunda ré, e que, sendo a região da Nigéria onde aquele exercia funções propícia ao mosquito transmissor de paludismo, a DD, … não procedeu à fumigação do espaço onde os trabalhadores se encontravam, o que aumentou o risco da doença contraída por EE antes do seu regresso a Portugal. E isto não obstante o mesmo tivesse tomado uma vacina e estivesse a tomar medicação profiláctica adequada a evitar a dita doença.

Ordenada a citação das rés, bem como do CRSS e do Centro Nacional de Pensões, o que veio a concretizar-se relativamente às entidades de cariz social e à ré CC, esta contestou (cfr. fls. 125 e seguintes), alegando, em resumo, que EE sofria de insuficiência cardíaca e renal, doenças que contribuíram também para o seu óbito, para além de que a doença que o mesmo contraiu não constitui um acidente de trabalho na medida em que EE esteve exposto a um risco comum e genérico a quem habite, ainda que temporariamente, na Nigéria. Daí que se, no caso, não se verificou um risco especial decorrente do trabalho ou do serviço prestado, ignorando-se quando é que o trabalhador foi mordido pelo mosquito que provoca o paludismo, não pode também afirmar-se que a doença foi contraída no local, no tempo e por causa do trabalho.

Finalmente, alegou a primeira ré que o contrato de seguro celebrado com a segunda ré exclui expressamente da sua cobertura qualquer tipo de doença.

O Centro Nacional de Pensões deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação das rés a pagar-lhe a quantia de 267.000$00, correspondente às prestações por morte proporcionadas aos autores, em virtude do falecimento de EE. Pedido de reembolso que não foi contestado.

A ré DD, ...

foi citada editalmente, visto não terem sido bem-sucedidas as diligências tendentes à sua citação pessoal, assumindo o Ministério Público a sua defesa.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e bem assim elaborada a base instrutória (cfr. fls. 273 e seguintes).

Por apenso aos presentes autos, correu a habilitação de herdeiros, deduzida em 5 de Dezembro de 2008, e no âmbito da qual foram habilitados FF e GG como herdeiros dos autores.

Prosseguindo o processo seus termos, proferiu-se despacho a julgar o tribunal de primeira instância competente em razão da nacionalidade e, considerando-se não ser a lei substantiva portuguesa aplicável no caso, providenciou-se pela junção das leis nigeriana e suíça, vigentes em 1993.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção e bem assim o pedido de reembolso formulado pelo ISS-P/ CNP totalmente improcedentes, absolveu as rés de todos os pedidos deduzidos contra as mesmas.

  1. Inconformados, FF e GG apelaram desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando improcedente o recurso, confirmou a decisão prolatada pelo Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira.

    É contra esta deliberação que os autores ora se insurgem, mediante recurso de revista, em que alinham as seguintes conclusões: «

    1. Os aqui Recorrentes pedem a condenação das Recorridas a pagarem-lhes a indemnização de US 40.000,00 fixada por óbito de seu irmão EE e, bem assim, juros de mora desde a data da morte deste ou, se assim se não entender, da citação; b) E invocam como causa de pedir o disposto no ponto 14.1 do contrato de trabalho celebrado ente o de cujus e a aqui Recorrida DD, SA; c) Contrato esse que, como está evidente nos autos, corresponde a um contrato de mera adesão e que apenas se encontra assinado pela DD, SA, tendo-se dado como provado que foi aceite em Portugal pelo de cujus; d) De acordo com o que dispõe o artigo 232° do Código Civil, tendo a proposta contratual da DD, SA, [sido] aceite em Portugal, foi o contrato celebrado em Portugal; e) Pelo que, de acordo com o artigo 42 °, n° 2, do Código Civil, é a lei portuguesa a aplicável; f) Ao assim não entender, violou o acórdão recorrido os artigos 232.° e 42.°, n.°2, do Código Civil; g) Ficou provado que o irmão dos aqui Recorrentes [que], faleceu no dia 12 de Fevereiro de 1993 (alínea a), em consequência de paludismo (alínea b), exercera as funções de ... para a Recorrida DD, ... ..., no campo petrolífero de ..., na Nigéria, mediante contrato de trabalho com a mesma celebrado em 20 de Junho de 1992, o que fez desde então até à data do seu óbito (alínea g), que em 19 de Janeiro de 1993 viajou de ... para Portugal (alínea n) e que, quando embarcou para Portugal era portador da doença (paludismo) contraída na Nigéria e que apenas se veio a revelar quando já se encontrava em Portugal (alínea o); h) A situação está incursa no disposto na Base V, n.°1, da Lei n.°2127, de 3 de Agosto de 1967, vigente aquando dos factos; i) E, também, na Base XXV, n.°1, da mesma lei, que determinava que as doenças profissionais eram as que taxativamente constavam de lista que, à data dos factos, constava do Decreto Regulamentar n.°12/80, de 8 de Maio, resultando do ponto 55.1 consta ser doença profissional "doença devida a agente animado" todas as formas clínicas causadas por agentes biológicos causadores de doenças tropicais sendo susceptíveis da mesma os trabalhadores que permanecessem a título profissional em países tropicais, o que inclui o paludismo ou malária; j) A Base XLIII, n° 1, referia que as entidades patronais eram obrigadas a transferir a responsabilidade "pela reparação prevista na presente lei" para entidades legalmente autorizadas a realizar esse seguro; k) E o n° 3 prescrevia, expressamente, ser nula "qualquer cláusula da apólice que exclua o risco de silicose ou outra doença profissional" (sublinhado nosso), a não ser que o risco estivesse coberto pela Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais.

    2. Preceito, aliás, em consonância com o que decorre da Base XL, n° 1, que prescreve a nulidade "…da convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas nesta lei e com eles incompatível" e com o n° 2 da mesma base que determina nulidade dos “actos ou contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos nesta lei”.

    3. Ao aplicar a norma constante do ponto 12.2 do contrato celebrado entre as Recorridas, que excluía a reparação de doenças de qualquer espécie e, por consequência, doenças profissionais, violou o acórdão recorrido as Bases XLIII, n.°1 e 3 da lei n° 2127; n) Estipulação que, ainda que se entendesse ser a lei do País das Recorridas, a Suíça, a aplicável, por permitir excluir da reparação doenças profissionais, como a malária, viola o disposto no atrigo 22° do Código Civil, dado as normas constantes das Bases I, V, n°1, XXV, n° 1, XL, n° 1 e XLIII, n.ºs 1 e 3, da Lei n.°2127, de 3 de Agosto de 1965 serem de ordem pública; o) Pelo que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 22.° do Código Civil, por referência às normas constantes das Bases I, V, n.°1, XXV, n.°1, XL, n.°1 e XLIII, n.ºs 1 e 3, da Lei n.°2127, de 3 de Agosto de 1965».

    Concluem pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se como peticionado em primeira instância.

    A ré seguradora, CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, em consequência, pela manutenção da decisão sob impugnação.

    Por seu turno, o Ministério Público, em representação da ré DD, …, contra-alegou, sustentando que a decisão recorrida fez uma justa, criteriosa e adequada aplicação do regime e da lei, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada, integralmente, a mesma decisão.

  2. No caso em apreciação, as questões colocadas pelos recorrentes consistem em saber: - Se a lei substantiva portuguesa em vigor aquando da ocorrência dos factos (a Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 - a LAT - , que prevê o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais) é aplicável no caso concreto [conclusões d) a f) da alegação de recurso], por via do disposto no artigo 42º, número 2 do Código Civil; - Se é de qualificar como doença profissional (ou, ao invés, como acidente) o evento que esteve na origem da morte do trabalhador EE [conclusões g) a m)]; - A entender-se que a lei da nacionalidade das rés é a lei aplicável e, em resultado disso, haver lugar à exclusão de reparação por doenças profissionais, se tal implica violação da cláusula de reserva de ordem pública internacional do Estado português (artigo 22º do Código Civil), emergente da não aplicação da lei portuguesa [conclusões n) a o)].

    Corridos os “vistos”, cumpre decidir.

    1. Dos Fundamentos II.1- De Facto 1.1- A matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido é a que se passa a transcrever: « a) EE faleceu no dia 12 de Fevereiro de 1993 (al. A) da matéria de facto assente).

    1. O sinistrado faleceu no Hospital de …, em Lisboa, em consequência de “paludismo” (al. B) da matéria de facto assente).

    2. Na data referida em a), a Ré DD … havia...

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