Acórdão nº 402/08.4TBOFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na 3.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório J…, residente no lugar de …, casado segundo o regime da separação de bens com M…, veio intentar a presente acção contra: 1 – A…, divorciado, e 2 – S… e marido, P…, todos igualmente residentes no referido lugar de ...

Pedindo: A) Deverá ser reconhecido ao Autor o direito de haver para si o prédio supra identificado no art. 3º desta pelo preço que o primeiro Réu e a segunda Ré S… acordaram e que consta da escritura de compra e venda junta, o qual é de € 20.000,00; B) Deverá ser fixado em € 21.370,65 o valor devido a título de depósito e que o Autor já efectuou, nos termos do disposto no art. 1.410º, nº 1, parte final, aplicável por força do disposto no art. 1.380º, nº 4, ambos do C. Civil, referente ao valor do preço constante da referida escritura e das despesas com tal acto; C) Deverá ser declarado por resolvido, por culpa do primeiro Réu, o contrato promessa de compra e venda firmado entre o mesmo e o Autor em 20-03-2002, supra referido no art. 21º desta.

D) Deverá o primeiro Réu ser consequentemente condenado a restituir ao Autor a quantia de € 19.952,00 que este havia dado ao primeiro Réu, acrescida dos legais juros moratórios, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; E) Deverá o primeiro Réu ser condenado a pagar ao Autor a quantia de € 1.444,80 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, acrescida dos legais juros moratórios, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tal alega, em resumo: … Regularmente citados os 2ºs RR vieram contestar a presente acção e deduzir reconvenção, pedindo a condenação do Reconvindo a pagar aos reconvintes, além do valor mencionado no artigo 19º da p.i, mais a quantia de €755,40.

Invoca a excepção de ilegitimidade activa do A., alegando que o mesmo é casado no regime de comunhão geral de bens e que o prédio de que o A. se arroga é bem comum do casal.

Além disso, impugna a matéria alegada, mencionando que o prédio identificado no artigo 3º da p.i é apto para construção, já constituído há vários anos por um pavilhão agrícola.

Alegam, ainda, a posse do prédio em causa há vários anos, inicialmente como comodatários e depois como arrendatários rurais, destinado à exploração pecuária.

O imóvel adquirido é uma componente de um prédio urbano.

Os 2ºs RR depois da compra do prédio em causa nos autos já tiveram despesas com o mesmo no montante de € 755,40.

Igualmente o 1º R. contestou a presente acção, pedindo, ainda, a condenação dos AA como litigantes de má fé.

Impugnam a matéria alegada, mencionando que o prédio em causa nunca foi utilizado para qualquer tipo de cultura.

Invoca, ainda, um arrendamento celebrado com o 2º R.

Nega a existência de qualquer contrato com o A., invocando a falsidade de todos os dizeres do documento junto como doc. 8 com a p.i.

Deduz, ainda, a intervenção principal provocada de todos os proprietários confinantes.

O A. veio apresentar réplica, onde responde às excepções e mantém a posição da p.i.

A mulher do A. veio com o incidente da intervenção espontânea.

Os 2ºs RR opuseram-se ao mesmo.

Por despacho judicial, proferido na 1.º instância, foi indeferido o pedido de intervenção principal deduzido pelo 1º R e admitido o incidente da intervenção principal espontânea de Maria ...

A Sra. Juiz, do Círculo Judicial de Viseu proferiu a seguinte decisão: “Julgar a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolver os RR de todos os pedidos contra eles formulados.

Em face de tal não se conhece do pedido reconvencional.

Absolver o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

  1. O Objecto da instância de recurso Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º, do Código do Processo Civil, o objecto do recurso - os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso - acha-se delimitado pelas alegações do autor, J…, que assim conclui: … Os réus apresentaram contra-alegações que concluem assim: … 3. Do Direito As questões a decidir são as seguintes: I. Ao Tribunal da 1.º instância estava vedado consignar nos pontos 24 - O prédio referido em 2) é apto para construção - e 26 - O prédio aludido em 2) encontra-se localizado dentro do aglomerado urbano do lugar da … - que o prédio vendido é apto para construção e se encontra num aglomerado urbano? II. Ao pronunciar-se sobre matéria que não era da sua competência, o Tribunal cometeu a nulidade prevista e sancionada nos artigos 201º e ss. do Código do Processo Civil, que deve ser declarada, com as consequências legais.

    III.O Tribunal ao declarar no facto 25 que o prédio nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura, deve interpretar-se esta afirmação no sentido de que neles não são feitos amanhos culturais periódicos? IV. A não se entender assim e se tal facto for julgado relevante para a decisão, deverá reconhecer-se que está em manifesta contradição com o que resulta dos pontos 10, 11, 12 e 14, onde se diz que os prédios são destinados a cultura silvícola, há vários anos e com povoação de eucaliptos e de pinheiros adultos? V. Deverá ser reconhecido ao Autor o direito de haver para si o rústico, denominado “Tapado de …”, composto de terreno inculto, a pinhal, sito nos limites do referido lugar de …? Começamos, assim, o conhecimento da instância recursiva.

    O Tribunal da 1.ª instância consignou nos pontos 24 e 26 que o prédio vendido é apto para construção e se encontra num aglomerado urbano.

    Diz o apelante que, para a hipótese de considerarem ter relevo para a decisão, deverá declarar-se que tais afirmações são de natureza meramente conclusiva, pelo que violam o disposto nos artigos 653º n.º 2 e 659º nº 2 ambos do Código do Processo Civil – será o diploma a mencionar sem menção de origem -.

    Será assim? Respondemos, desde logo, que não.

    Começaremos por dizer que o ora apelante não reclamou contra a inclusão da Base instrutória quando estes Pontos foram formulados e nem tão pouco o fez quando lhes foi dada resposta, só agora questionando este e a respectiva formulação.

    Fá-lo porém e salvo o devido respeito, extremando desde logo à partida, a posição tradicional acerca da dicotomia questão de facto/questão de direito, hoje ultrapassada e que nunca foi aliás levada às máximas consequências no que toca à matéria conclusiva.

    O próprio ordenamento jurídico sempre deu conta da dificuldade na destrinça por vezes dos factos da conclusão, atenta a ligação incindível que apresentam - Dificuldade de que já Alberto dos Reis, embora dentro da doutrina tradicional, fala no seu “Código de Processo Civil Anotado" III, pags. 205 ss -.

    É verdade que na selecção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto - art.º 511.º nº 1 -.

    A instrução terá por objecto apenas factos - art.º 513.º - e, de acordo com o disposto no art.º 646.º n.º 4, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.

    Esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, - neste sentido, consultar Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, citado, pág. 637 e 638, maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem -.

    Nesta matéria haverá que ter presente, como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270 -, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.” Assim, poderão ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido na causa, sem que haja disputa entre as partes acerca deles.

    A orientação que aponta para a incindibilidade em certos casos do facto/conclusão, saiu aliás reforçada pelo enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas "ciências da linguagem" e em particular pela investigação e progresso no domínio da "hermenêutica" que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito.

    São precisamente os casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam.

    Orientada por estes princípios, tem vindo a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT