Acórdão nº 403/08.2TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução24 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher, BB, intentaram acção, com processo comum ordinário, contra CC e mulher, DD, pedindo que: a) seja declarado e lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio que identificam (constituído pelo lote de terreno nº. 00 do Loteamento do 0000000 , em Fafe); b) seja declarado que a parcela de terreno que descrevem nos itens 16º. e 17º. faz parte integrante daquele seu prédio; c) os Réus sejam condenados a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio e a parcela de terreno supra mencionados; d) os Réus sejam condenados a desocuparem a referida parcela, entregando-lha devoluta de pessoas e coisas; e) os Réus sejam condenados na reconstrução do muro de divisão entre ambos os prédios e na respectiva linha divisória; f) os Réus sejam condenados a pagarem-lhes a importância de € 20.000, para os ressarcir dos danos não patrimoniais que sofreram; e, finalmente, g) os Réus sejam condenados a pagarem-lhes a importância que vier a ser liquidada em execução de sentença, para os ressarcir dos danos que descrevem nos itens 28º. a 32º., do seu articulado de petição.

Fundamentam estes pedidos alegando, em síntese, que adquiriram o lote de terreno com o nº.00 do Loteamento do 0000000 , o qual confronta, dos lados sul e norte, com o lote nº. 00, adquirido pelos Réus.

Estes, ao procederem à delimitação do seu prédio, construíram um muro em área de terreno já pertencente ao prédio deles, Autores, do qual passaram, desde então, a ocupar 38 m2.

Ora, esta situação trouxe-lhes sofrimento e tristeza e ainda preocupação, vivendo angustiados e na dúvida de terem de destruir parcialmente a casa que construíram naquele seu lote de terreno, por não estarem salvaguardadas as distâncias ao prédio dos Réus.

Os Réus contestaram, afirmando terem erigido o muro em cima da linha divisória que lhes foi marcada, no local, pela promotora e vendedora do loteamento, negando, por isso, que tenham invadido o lote de terreno dos Autores.

De resto, alegam, por ter havido erro na execução do loteamento, o seu prédio ficou com menor área do que aquela que compraram.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento, na sequência do qual foi proferida sentença que, julgando o tribunal incompetente em razão da matéria, visto a pretensão dos Autores se estribar em direitos e interesses fundados em normas de direito administrativo, absolveu os Réus da instância.

Inconformados, estes apelaram, tendo a Relação julgado procedente o recurso, alterando a matéria de facto, no que concerne à resposta ao artigo primeiro da base instrutória, da qual se eliminou a asserção introdutória que dela constava, e julgando o Tribunal Judicial de Fafe o competente, em razão da matéria, para apreciar e decidir os pedidos formulados pelos Apelantes.

O acórdão recorrido começou por abordar a questão suscitada a propósito da alteração introduzida através da resposta dada ao art. 1º da base instrutória, fazendo-o nos seguintes termos: A primeira questão a decidir é, pois, a da pretendida alteração da resposta dada ao artigo 1º., da base instrutória.

Questionava-se neste artigo se “Os réus ao procederem à delimitação do prédio descrito em I), do lado que confronta com o prédio descrito em A), lado norte, ocuparam uma parcela de terreno deste último, com a área de 38 m2 ?”.

O Tribunal a quo julgou provado que “devido à ripagem para norte do arruamento do loteamento, ao procederem à delimitação do prédio descrito em I), do lado poente, com que confronta com o prédio descrito em A), os Réus ocuparam uma parcela de terreno deste último, com a área de aproximadamente 20 m2”. Os Apelantes insurgem-se contra esta resposta por o facto constante da primeira frase não ter sido alegado pelas partes. É inegável que as respostas aos artigos da base instrutória podem ser totalmente positivas, totalmente negativas, restritivas ou explicativas. Através destas últimas, como refere Abrantes Geraldes, “o tribunal pode concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa” (in “Temas da Reforma do Processo Civi”, 4ª. edição, II volume, pág. 223).

Há, porém, um limite – elas não podem ir além da facticidade articulada, atento o princípio do dispositivo que enforma o nosso processo civil (cfr., por todos, os Acs. do S.T.J. de 30/11/2010, Procº. 581/1999.P1.S1, Consº. Alves Velho, e de 28/06/2011, Procº. 416/07.1TBFVN.C1.S1, Consº. Sebastião Póvoas).

Com efeito, no que se refere à articulação da matéria de facto, o demandante está obrigado a alegar os factos jurídicos principais que integram a causa de pedir fundante do pedido e o demandado está obrigado a alegar os factos jurídicos em que baseia as excepções.

Resulta do disposto nos artos. 664º.; 264º.; e 514º., do C.P.Civil, que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, dos factos notórios, e bem assim dos factos instrumentais (que são os factos indiciários dos factos essenciais), como lho faculta a parte final do nº. 2 do referido artº. 264º. (cfr. José Lebre de Freitas et al., in “Código de Processo Civil Anotado” I, 2ª. edição, pág. 507 e Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I, 2ª. edição revista e ampliada, págs. 62 a 67, com texto integral em www.dgsi.pt). Sem embargo, podem ainda ser considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas, ou das excepções deduzidas, desde que tais factos sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e da discussão da causa, sendo condição essencial que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório - cfr. nº. 3 ainda do artº. 264º..

Trata-se de uma inovação introduzida pela reforma de 1996 com o intuito de privilegiar as decisões de mérito. No thema que ora nos ocupa, a asserção introdutória “devido à ripagem para norte do arruamento do loteamento” traduz um facto novo, que não foi alegado pelas partes nem foi introduzido na discussão da causa, ao abrigo do disposto no artº. 264º., nº. 3, do C.P.Civil.

Afigurando-se-nos pretender ser explicativa da acção dos Réus que sequentemente, se descreve (invasão e ocupação de uma faixa de terreno do lote dos Autores), posto que tal explicação não foi alegada pelos Réus (a quem aproveitaria) nem pelos Autores, nem foi introduzida no acervo factual aquando da discussão da matéria de facto, não poderá ser considerada (cfr., neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 11/03/1992, in B.M.J. nº. 415 (Abril de 1992), pág. 529). Sendo, pois, excessiva, ao abrigo do disposto no nº. 4, do artº. 646º., do C.P.Civil, aqui aplicado por analogia, tem-se aquela asserção por não escrita.

A resposta ao artigo 1º. da base instrutória fica, pois, com esta redacção: “Ao procederem à delimitação do prédio descrito em I) do lado poente, com que confronta com o prédio descrito em A), os Réus ocuparam uma parcela de terreno deste último com a área de aproximadamente 20 m2”. 2. De seguida, consequencialmente a tal decisão, teve a Relação por fixada a seguinte matéria de facto 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n°000000000000, inscrito na matriz predial, sob o artigo 4679, da freguesia de Fafe (Rua...................) - Fafe pela inscrição G..., em nome de AA c.c. BB, um: "lote de terreno, com o n°00, do Loteamento do .........., da cidade de Fafe [alínea A dos factos assentes].

  1. O prédio descrito em 1) foi adquirido por AA c.c. BB a "Imobiliária ........., Ld'", por escritura pública denominada de "compra e venda" lavrada a fls. 81 a 82, do Livro ..... do Cartório Notarial de Fafe, em 26 de Julho de 1999, tendo esta última declarado vender e o primeiro declarou comprar [alínea B) e doc. nº 1, junto a fls. 7 e segs., cujo teor se dá por reproduzido].

  2. Os Autores construíram no lote identificado em 1) uma casa de habitação de cave, rés-do-chão e primeiro andar [alínea C)].

  3. Os Autores, por si e antepassados, há mais de 15 e 20 anos usam o prédio descrito em 1), habitando a casa, dando-a de arrendamento e recebendo as respectivas rendas, cultivando o terreno com milho, feijão, erva e vinha, enquanto rústico, e depois de transformado em urbano, plantando hortaliças, semeando relva e plantando arbustos, colhendo os respectivos...

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