Acórdão nº 230/08.7TBPNH.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução16 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Município de Pinhel intentou no dia 22-9-2008 ação declarativa com processo ordinário contra AA Lda. que veio a prosseguir contra a massa insolvente da AA Lda. por insolvência daquela conforme sentença de 18-9-2009 deduzindo os seguintes pedidos: - 249.398,98€ pelo preço da compra da parcela de terreno onde foi construída a unidade fabril.

- 359.134,52€ pelos juros compensatórios respeitantes àquele preço desde 1990 até 2006.

- 164.315,65€ pelos custos com as obras de terraplanagem e compactação do terreno e outros, levadas a cabo pela A. no ano de 1990.

- 229.413,40€ pelos juros compensatórios respeitantes àquele valor desde 1990 até 2006.

Total de 1.002.262,55€ a que acrescem juros de mora que sobre este capital se forem vencendo , desde a data de propositura da ação até ao seu efetivo e integral pagamento.

  1. O fundamento do pedido reside na violação pela ré da segunda parte da cláusula oitava da escritura de compra e venda de terreno celebrada entre A. e ré no dia 30-11-1990 segundo a qual a " firma AA compromete-se a não destinar as suas instalações e equipamentos para outro fim que não seja o identificado na cláusula quarta. Em caso de alienação (sob qualquer forma) das mesmas, esta fica obrigatoriamente precedida de autorização da Câmara Municipal de Pinhel".

  2. Sucede que a ré, embora cumprindo tudo aquilo a que se obrigou nas cláusulas Quarta, Quinta e primeira parte da Oitava, não cumpriu a segunda parte desta cláusula visto que, depois do encerramento das instalações em 2006, procedeu à venda ao grupo empresarial BB, SA do prédio que adquirira à A.

  3. Por isso, incorreu a ré na obrigação de pagamento, conforme resulta da cláusula nona, " do preço de aquisição do terreno pago pela A. à firma CC, acrescido dos juros e mais encargos inerentes à aquisição ou transferência da propriedade do terreno".

  4. A ação foi julgada improcedente por sentença de 1ª instância, mas foi julgada parcialmente procedente por acórdão da Relação do Porto que condenou a ré a pagar a quantia de 249.398,98€ (custo de aquisição do terreno pela A.) acrescida de juros compensatórios respeitantes ao referido preço desde 1990 até 2006 no montante de 359.34,52€ e ainda os juros desde a propositura da ação até integral pagamento.

  5. Recorre, de revista, a ré que conclui a minuta de recurso nos seguintes termos: 1- Todas as atas de reuniões da Câmara Municipal de Pinhel e da Assembleia Municipal de Pinhel que estão nos autos constituem prova documental que goza de força probatória plena com interesse para a decisão da causa por respeitarem ao assunto versado no processo (artigo 371.º do Código Civil).

    2- A decisão do acórdão recorrido de alterar a matéria de facto incluindo nos factos provados apenas o teor da ata de 20-10-2006, não incluindo o teor das outras atas, de 7-4-2006, 20-2-2006, 21-4-2006 e 2-2-2007 não se encontra fundamentada , nem de facto, nem de direito, o que determina a nulidade do acórdão recorrido (artigos 158.º, 668.º/1, alínea b) do C.P.C.).

    3- No acórdão recorrido há erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, derivado da ofensa de disposição expressa da lei que fixa a força probatória dos meios de prova que são as atas de 7-4-2006, 20-2-2006, 21-4-2006, 2-2-2007 (artigo 371.º do Código Civil).

    4- Pelo que o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve alterar a matéria de facto no sentido de incluir nos factos provados também o teor das atas de 7-4-2006, 20-2-2006, 21-4-2006, 2-2-2007, que gozam de força probatória plena e com interesse para a decisão da causa por respeitarem à questão da venda do prédio em causa nos autos feita pela recorrente (artigos 722.º,n.º2, 729.º,n.º2 do .P.C.).

    5- O acórdão recorrido assenta no pressuposto , errado, de que a resposta à matéria do item 4.º da base instrutória foi " não provado" o que não se verifica e, consequentemente, invalida a conclusão feita no mesmo acórdão de que a cláusula oitava se destinava a vigorar enquanto a recorrente fosse proprietária do terreno.

    6- O objetivo ou finalidade das " condições pré-negociais" mencionadas na escritura pública de compra e venda feita pelo recorrido à recorrente foi garantir que no prédio vendido esta instalasse uma fábrica de calçado, a mantivesse em laboração e não destinasse o prédio a outro fim, durante 15 anos.

    7- As partes fixaram livremente o conteúdo do contrato, em função do referido objetivo ou finalidade, fixando o referido prazo de 15 anos, aceite pelo recorrido, o que significa que este considerou que o seu investimento resultaria suficientemente compensado mediante a laboração da unidade fabril durante 15 anos.

    8- Do confronto da cláusula nona com as cláusulas quarta, quinta e oitava resulta que os compromissos obrigacionais assumidos pela recorrente tinham o tempo limite dos 15 anos, pois enquanto o direito à indemnização previsto nas cláusulas quarta e oitava devia manter-se durante 15 anos, no caso da cláusula quinta, haveria uma redução do montante de indemnização em função do número de anos de laboração da fábrica.

    9- A cláusula oitava constitui um todo que tem de ser lido e interpretado como tal e o disposto na segunda parte desta cláusula quanto à alienação ser precedida de autorização teve que ver unicamente com a obrigação da recorrente de não destinar as instalações a outro fim e de permitir ao recorrido, por via de autorização, fiscalizar o cumprimento de tal obrigação da recorrida durante o período de 15 anos em que esta esteve vinculada ao cumprimento das condições pré-negociais.

    10- Findo o prazo dos 15 anos durante os quais a recorrente cumpriu integralmente as suas obrigações contratuais, estas extinguiram-se.

    11- Em face do teor das cláusulas pré-negociais que integram a escritura de compra e venda, numa perspetiva de atuação ética e do agir de boa fé, tendo em conta padrões de objetividade, retidão e proteção dos interesses que o negócio visou regular e salvaguardar, para uma pessoa medianamente sagaz, informada, sensível e prudente o sentido com que deve valer a cláusula negocial em causa é o de que esta tinha uma vigência de 15 anos.

    12- Este sentido tem correspondência no documento porquanto o conjunto das cláusulas pré-negociais que integram o contrato fundam-se no interesse que o recorrido quis garantir e salvaguardar de que a fábrica de calçado devia laborar, durante 15 anos , sendo nessa base o pressuposto temporal de 15 anos que a escritura pública de compra e venda de 30-11-1990 foi celebrada (artigos 236.º e 238.º do Código Civil).

    13- O entendimento do acórdão recorrido de que a cláusula oitava seria vinculativa e válida para além dos 15 anos ao abrigo do princípio da liberdade contratual não tem fundamento legal, porque este princípio não é absoluto e a faculdade de celebrar contratos e de fixar livremente o respetivo conteúdo deve exercer-se "dentro dos limites da lei" ( artigo 405.º,n.º1 do Código Civil).

    14- Decorrido o período de 15 anos e cumprido o objetivo referido na conclusão 6 não existe interesse sério e atendível do recorrido, digno de proteção legal, que justifique a validade do disposto na segunda parte da cláusula oitava de que a alienação das instalações da recorrente ficasse sujeita a autorização do recorrido, constituindo uma restrição sem limitação temporal, sem qualquer tipo de justificação merecedora de tutela legal, e limitativa da esfera jurídica e económica da recorrente em termos insuportáveis, impedindo-se de vender as suas instalações quando a sua situação económico-financeira exigia que as vendesse, como ficou provado (artigo 398.º,n.º2 do Código Civil).

    15- A estipulação de restrições de natureza obrigacional ao direito de propriedade tem sempre de corresponder a interesses sérios e atendíveis das partes, tem de ser temporalmente limitado, não pode limitar em termos insuportáveis a esfera jurídica e económica do titular do direito de propriedade, o que decorre dos princípios constitucionais da proporcionalidade ou da proibição do excesso e da defesa dos direitos patrimoniais...

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