Acórdão nº 9/12.1TBARC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução04 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº. 9/12.1TBARC.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 60) Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO A autora “B….., Ldª, sociedade comercial por quotas, demandou, em 06-01-2012, no Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, “Massa Insolvente de C…., SA” (1ª ré), sociedade comercial anónima cujo objecto era a indústria de construção civil e obras públicas, e “Santa Casa da Misericórdia de ….

” (2ª ré), instituição particular de solidariedade social.

Pediu a condenação de ambas a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 273.269,78€, acrescida de juros.

Invocou, como causa de pedir, incumprimento da obrigação de pagamento do preço de obras executadas mediante contrato de subempreitada celebrado pela autora com a 1ª ré, e que a 2ª teria garantido ou assumido.

Alegou, com efeito, que a 2ª ré, como proprietária do imóvel onde está instalado o seu Hospital de Arouca e no âmbito da respectiva actividade, e a 1ª ré, empreiteira, acordaram que esta executaria para aquela as obras de remodelação daquela unidade definidas num plano e mediante certo preço. Devido à diversidade de trabalhos e especialidades envolvidas, a 1ª ré, “com conhecimento e consentimento da 2ª”, contratou com a autora a execução, por esta, dos trabalhos de electricidade, pichelaria, canalização, aquecimento e gás. Assim, no decurso de 2003 e 2004, “no âmbito da sub-empreitada”, a autora “prestou às rés, a pedido destas” serviços e “vendeu mercadorias”, conforme sete facturas juntas e entregues à 1ª ré – emitidas em nome desta e cujos trabalhos a autora “realizou todos” –, daí resultando “um débito das rés para com a requerente”. Para pagamento de parte “dos fornecimentos efectuados”, a 1ª ré aceitou várias letras, descontadas mas nunca pagas. “Relacionado com diversa facturação e despesas de carácter bancário e débito da requerida, bem como contrapartidas de pagamentos efectuados”, “deve ainda a requerida” certa quantia cujas parcelas – sem a menor especificação – constam no documento junto (fls. 46) e que “foi aceite pela requerida”, atingindo, assim, o “débito total da requerida à requerente” a quantia de 186.065,96€.

Como, a certa altura, a 1ª ré deu indícios de instabilidade económica, apresentando graves problemas de tesouraria, a autora (e outros subempreiteiros), recusaram-se a continuar a obra sem terem garantia de receber directamente da 2ª ré. Foi então que, esta, “se comprometeu a garantir o pagamento a alguns subempreiteiros, nomeadamente B......” (doc. de fls. 48). Todavia, apesar de a autora ter “realizado integralmente os seus trabalhos”, da “assumpção de responsabilidade por parte da 2ª ré” e das insistências para receber, “as rés não pagaram”.

Juntou documentos e, entre eles, um (fls. 48), emitido pela 2ª ré e dirigida à 1ª, no qual aquela lhe comunica que “…foi decidido aceitar a proposta apresentada pela C......., SA…no sentido de garantir o pagamento a alguns subempreiteiros, nomeadamente B......…” com a condição de que “seja apresentado prazo de 23 de Abril de 2004 … e que naquela data estejam integralmente realizados todos os trabalhos.” Citadas ambas, apenas a 2ª Ré “Santa Casa da Misericórdia” contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, para tal alegando que é uma instituição particular de solidariedade social e pessoa colectiva de utilidade pública, prosseguindo fins de interesse público, conforme documento junto (fls. 69); nessa qualidade lançou um concurso público para empreitada geral de remodelação do seu Hospital, em Arouca, conforme anúncio publicado no DR, obra essa aprovada e financiada no âmbito do “Programa Operacional Saúde XXI” e, subsequentemente, adjudicada à 2ª ré, com a qual foi celebrado o respectivo contrato de empreitada em 09-02-2002. Acrescentou que a empreitada foi sujeita a um “dever procedimental adjudicatório por meio de concurso de natureza pública, subordinado à disciplina do DL 59/99”, tendo, por isso, a causa de pedir “conexão directa e dependencial” com tal empreitada. Daí que, por força das disposições legais que indicou, considere evidente a competência da jurisdição administrativa para conhecer desta acção.

Acrescentou, ainda, que o regime aplicável, nomeadamente ao contrato e seus efeitos, é o do DL 59/99, de acordo com o qual caducou o direito de acção, e que nunca a autora lhe enviou as facturas nem lhe solicitou o pagamento, aliás reclamadas no processo de insolvência. O acordo entre a autora e a ré contestante visava somente trabalhos na altura ainda por executar pela 1ª ré, e que lhe pagou efectivamente. Os demais créditos da 1ª ré em relação à 2ª foram pagos por esta à empresa a quem aquela os cedeu mediante contrato de factoring.

Pediu, além do mais, a absolvição da instância.

Juntou, entre outros, os seguintes documentos: -declaração emitida pelo Instituto da Segurança Social, datada de 22-03-2011, segundo a qual a Santa Casa da Misericórdia de …. se encontra registada, a título definitivo, na Direcção-Geral da Segurança Social, desde 28-09-1987, no Livro 2 das Irmandades das Misericórdias, em conformidade com o disposto no nº 2, do artº 7, dos Estatutos das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovados pelo Decreto-Lei 119/83 e regulamentados pela Portaria 778/83, de 23 de Julho, e que, nos termos do artº 8º daqueles, tal instituição é uma “Pessoa Colectiva de Utilidade Pública”.

-anúncio, publicado na III série do DR, de 22-03-2002, seguindo o modelo nº 2, do anexo, IV ao Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março (excluindo expressamente os pontos 16, 17 e 18, titulado pela 2ª ré, em que se publicita o “concurso público para adjudicação da empreitada geral de remodelação do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ….”, do qual consta que “O concurso público é nos termos do artº 80º do Decreto Lei nº 59/99, de 2 de Março” e se definem as respectivas condições.

-ficha de aprovação de financiamento “FEDER”, do Ministério da Saúde, no âmbito do “Programa Operacional Saúde XXI”, de onde consta o valor financiado como “incentivo público” e como “financiamento FEDER”; -contrato de empreitada, datado de 09-10-2002, outorgado pela 1ª e 2ª rés, em que esta adjudica àquela a obra de remodelação do seu Hospital, conforme projecto e caderno de encargos anexos que serviram de base ao concurso público, nele estando clausulado que às partes assiste o direito de rescisão e da resolução convencional da empreitada “nos termos e condições previstas no Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março” e que, no que nele e no caderno de encargos for omisso, aplicar-se-ão “as normas estatuídas no regime jurídico de empreitadas de obras públicas aprovado pelo citado Decreto-Lei”.

-fax, de 08-04-2004, dirigido pela autora à 2ª ré, no qual aquela, aludindo a uma reunião havida, formaliza, perante esta, o pedido ali exposto no sentido de “garantir o pagamento a alguns subempreiteiros…para concluir os trabalhos o mais rapidamente possível”, no seu caso “garantia de pagamento de +/-de 103.000,00€”, e põe como condição, além do mais, concluir todos os trabalhos da subempreitada até 23-04-2004 [fax este a que terá correspondido a resposta a que se refere o documento de fls. 48, acima mencionado].

A autora replicou, defendendo que o contrato de subempreitada em causa não constitui relação jurídico-administrativa, mormente a assunção de dívida, tendo natureza particular.

No saneador (fls. 106 a 109), foi decidido julgar procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e, consequentemente, absolvidas as rés da instância.

Em fundamento do decidido, referiu-se: “No caso concreto é seguro afirmar que está em causa um contrato de empreitada de obra pública, num primeiro momento, e um outro acordo (que a própria autora não classifica) num segundo momento.

Conclui-se assim que o referido contrato configura um contrato de empreitada de obras públicas, obras mandadas executar pela SCMA, mediante um preço, com vista a garantir o regular desempenho das suas atribuições administrativas e a satisfação de necessidades de interesse geral, na sequência de anúncio e de um concurso público que se baseou num Programa de Concurso e num Caderno de Encargos.

Ora, o contrato de empreitada é um contrato administrativo, entendendo-se como tal o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa, nos termos do artº 178º, nºs 1 e 2/a) do CPA.

O direito que a autora pretende fazer valer através da acção proposta reporta-se à execução deste contrato administrativo típico, fundando-se em normas de direito administrativo.

Temos portanto que o litígio suscitado emerge de uma relação jurídica administrativa, pelo que o seu conhecimento compete aos tribunais da jurisdição administrativa.

De resto, basta que um qualquer aspecto substantivo relevante do contrato esteja sujeito a um regime específico, de direito público, para que o mesmo se considere administrativo e integrado na jurisdição administrativa.

Paralelamente, sublinhe-se que a autora configura a sua demanda como um pedido de pagamento de obras que efectuou, no âmbito do vencimento do concurso.

A competência dos tribunais administrativos encontra-se expressamente regulada no artº 4º, nº1, e) e f), do ETAF.

Finalmente, refira-se que, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 04.12.2008, “sendo o contrato de subempreitada, ainda que celebrado entre entidades privadas, referente a obra pública (…) o conhecimento das questões, relativas à execução dos mesmos, nomeadamente direito de retenção do seu artº 267º, compete à jurisdição administrativa”.

Inconformada, a autora apelou para este tribunal, formulando as seguintes “conclusões”: “a) - Não podem os AA. conformar-se com a sentença, proferida pelo Julgador a quo que viola o preceituado nos artigos: 784º e 484º e 485º do CPC; 488º e 489...

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