Acórdão nº 15/12.6YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2013
Magistrado Responsável | PIRES DA GRAÇA |
Data da Resolução | 21 de Março de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça * Nos autos de processo disciplinar com o n.º 333/2010, do Conselho Superior da Magistratura, a Exma Juíza de Direito AA, auxiliar no Círculo Judicial de ..., veio, nos termos dos artigos 168. a 172.°, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (E.M.J.), 59.°, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (E.D.T.Q.E.F.P.), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, e dos artigos 50.º a 65.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.), interpor RECURSO CONTENCIOSO DA DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO do Conselho Superior da Magistratura (CSM,) DE 10 DE JANEIRO de 2011, que a condenou por violação do dever de correcção, nos termos dos art.º 82.º , 87.º e 92.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), 3.º/2 al. h) e 10 e art.º 16.º al. a) da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, ex vi do disposto nos art.º 32.º e 131.º do mesmo estatuto, na pena de 20 (vinte) dias de multa, pretendendo que seja anulada a decisão impugnada e, ordenado o arquivamento dos autos Alega a Recorrente os seguintes fundamentos, que se sintetizam: I- Questões Prévias A arguida limita-se a deixar claro que não pode concordar com o raciocínio expendido na decisão impugnada, no que tange à falta de garantia de autenticidade dos autos resultante da rasura das fls. 78 e 79 dos mesmos e da notificação de peças processuais por autuar.
Nenhum relevo probatório pode ser atribuído à "diligência instrutória" ordenada pelo instrutor inicialmente nomeado, porque conforme resulta dos autos, no momento em que foi ordenada tal diligência, já havia sido apresentado o incidente de recusa.
Trata-se, por isso, de um acto nulo que era insusceptível de fundar a convicção do Órgão de Tutela quanto à integridade dos autos.
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DO TEOR DO REQUERIMENTO SUBSCRITO PELA ARGUIDA EM 9 DE JUNHO DE 2010.
II.I. DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO DA DECISÃO PUNITIVA.
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Da omissão de factos relevantes para a decisão.
A decisão impugnada não se pronuncia sobre factos alegados pela arguida e que são essenciais para a apreciação jurídica da conduta consubstanciada no requerimento de 9 de Junho de 2010. Factos esses que são essenciais para contextualizar o requerimento datado de 9 de Junho de 2010.
b) Da omissão, em sede de factos provados, do título de imputação subjectiva da conduta censurada.
A decisão impugnada, na parte relativa aos factos provados, nada refere quanto à imputação subjectiva da conduta. Não contendo quaisquer factos atinentes aos elementos intelectual e volitivo do dolo ou da negligência, em qualquer das suas modalidades. Apenas na fundamentação de direito surge a menção.
Não se compreendendo a razão porque nada se diz a esse respeito nos factos provados ou não provados e, consequentemente, na motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Também o que se diz na fundamentação de direito, a propósito de o participante ter mais de 30 anos de carreira e de ter sentido mágoa perante o requerimento de 9 de Junho de 2010, não tem qualquer suporte na matéria de facto provada.
II.II. DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO DA DECISÃO PUNITIVA
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Da irrelevância disciplinar da conduta por ausência de violação do dever de correcção.
Entende, a arguida que o uso das expressões - conforme se retira do ponto 21 dos Factos Provados e da fundamentação de Direito, consubstanciadas na parte que concerne ao requerimento datado de 9 de Junho de 2010 - não pode configurar qualquer infracção disciplinar, v. g., por violação do dever de correcção.
A formulação de juízos de valor sobre um comportamento (manifestado em palavras, actos ou omissões), sem se referir à pessoa, consubstancia uma crítica objectiva.
Ora, as expressões contidas no requerimento de 9 de Junho de 2010 reportam-se à actuação do participante e ao consequente atraso na inspecção da arguida, não visando a sua pessoa.
Num Estado de Direito Democrático, as críticas ao funcionamento das instituições públicas e à actuação dos seus órgãos ou agentes têm que ser toleradas. E devem ser sempre bem-vindas, pois que constituem um contributo à melhoria de procedimentos e dos serviços que prestam aos destinatários e ao cidadão em geral.
Aliás, cumpre notar que dos próprios autos resulta patente que as expressões contidas no requerimento de 9 de Junho de 2010 não foram interpretadas como dirigidas pessoalmente ao participante e, por isso, como violadoras do dever de correcção.
Basta atentar a que, na sequência da sua recepção, o Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura se limitou a proferir o despacho referido no ponto 22 dos Factos Provados, onde se lê que "Com conhecimento à Exma Juíza subscritora do ofício de fls. 555 a 558, solicite os bons ofícios do Exmo Inspector Desembargador BB no sentido de, o mais brevemente possível, encetar o início da inspecção aos serviços da Exma Juíza".
Ou seja: não só não se vislumbrou naquele requerimento qualquer fundamento para o desencadear de um procedimento disciplinar contra a ora arguida, como até se reconheceu a urgência no início da sua inspecção.
Também resulta de fls. 26 dos autos que, por ofício datado de 17 de Junho de 2010, o participante foi notificado do despacho proferido e do expediente apresentado pela arguida.
Ora, na sequência dessa notificação, o participante também não esboçou qualquer reacção no sentido de ser atribuída relevância disciplinar às expressões empregues pela arguida.
Nada providenciando, também, quanto ao início da inspecção de mérito à arguida.
Só em 14 de Setembro de 2010 o participante remete ao CSM o oficio de fls. 32 a 35, no qual pede a sua escusa para a realização da inspecção de mérito à arguida, não fazendo qualquer alusão ao teor do requerimento datado de 9 de Junho de 2010.
Atitude que mal se compreenderia caso o participante tivesse entendido que o aludido requerimento configurava uma violação do dever de correcção.
b) Da exclusão da ilicitude da conduta, por via do exercício de um direito.
Acaso as expressões contidas no requerimento de 9 de Junho de 2010 fossem de considerar disciplinarmente relevantes, sempre se teria que concluir pela exclusão da ilicitude de conduta da arguida, à luz do disposto no art.º 21.° aI. e), do E.D.T.Q.E.F.P., aprovado pela Lei n. ° 58/2008, de 9 de Setembro.
O direito fundamental à liberdade de expressão, mormente enquanto liberdade de crítica, tem que funcionar como um limite ao dever de correcção imposto pelo art.º 3.º, nºs 2, aI. h), e 10, do E.D.T.Q.E.F.P., aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.
c) Do carácter justificado da crítica objectiva em virtude da violação do princípio da boa fé por parte da administração.
Estabelece o art.º 266.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que "Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé".
No caso dos autos, como já acima se referiu, o participante, em Novembro de 2009, assegurou à arguida que a sua inspecção de mérito se concretizaria a tempo de ser considerada no movimento judicial ordinário de 2010, necessariamente antes de Junho.
A arguida, como refere no requerimento de 9 de Junho de 2010, confiou que a sua inspecção de mérito estaria concluída a tempo de ser considerada no movimento judicial ordinário de 2010, o que é demonstrado pela circunstância de, entre Novembro de 2009 e Março de 2010, não ter efectuado qualquer diligência para que tivesse início a sua inspecção de mérito.
Tal situação de confiança era justificada: quer por a arguida se encontrar incluída no plano de inspecções; quer em consideração das funções que o participante exerce.
Foi por isso que a arguida aceitou que o início da sua inspecção fosse protelado por seis meses, não diligenciando junto do Sr. Inspector Judicial ou do Conselho Superior da Magistratura por que a mesma fosse realizada mais cedo.
Situação de confiança que é imputável ao participante, pois que se fundou naquilo que o próprio transmitiu à arguida.
Sendo certo que, apesar do requerido pela arguida em 9 de Junho de 2010 e do despacho proferido pelo Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura referido no ponto 22 dos Factos Provados, o participante não iniciou a inspecção de mérito da arguida até à data em que apresentou o seu pedido de escusa.
Tal actuação viola, como é manifesto, o princípio da boa fé, na vertente da tutela da confiança.
Não se podendo admitir que a decisão recorrida considere que "não cumpre avaliar" da razão da arguida a respeito do atraso na realização da sua inspecção – cfr., pág. 28, último parágrafo.
Pelo contrário, era isso mesmo que cumpria avaliar, a fim de concluir se as expressões vertidas no requerimento de 9 de Junho de 2010 mais não são do que uma justa e objectiva crítica à actuação do participante.
d) Da prescrição do procedimento disciplinar. Ainda que se entenda que as expressões contidas no requerimento datado de 6 de Junho de 2010 configuram infracção disciplinar e que a sua ilicitude não está afastada pelo exercício de um direito - o que não se concede - sempre se impõe considerar prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar relativamente a essa factualidade.
Dispõe o art.º 6.°, n.º 2, do E.D.T.Q.E.F.P., aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro que "Prescreve - o direito de instaurar procedimento disciplinar - igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias".
Ora, o requerimento em causa deu entrada no Conselho Superior da Magistratura em 9 de Junho de 2010.
Nessa sequência, o Exmo. Vice-Presidente tomou do mesmo conhecimento e despachou no sentido referido no ponto 22 dos Factos Provados.
A instauração do presente procedimento disciplinar foi deliberada na sessão do Conselho Permanente do...
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