Acórdão nº 08S1688 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução01 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 6 de Fevereiro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., pedindo que, declarada a existência de um contrato de trabalho entre as partes e a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada: (a) a pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal devidos desde 23 de Janeiro de 1995 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais contados desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, devendo, para tanto, considerar-se a quantia líquida de € 2.633,65 como sendo o valor da sua retribuição mensal; (b) a reintegrá-lo ou a pagar-lhe, caso assim venha a optar, € 21.069,20, a título de indemnização por antiguidade, calculada nos termos do disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; (c) a pagar-lhe, caso opte pela reintegração, a título de sanção pecuniária compulsória, € 200, por cada dia de atraso no seu cumprimento; (d) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 1 de Janeiro de 2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros legais contados desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, devendo, para tanto, considerar-se a quantia líquida de € 2.633,65 como o valor da sua retribuição mensal; (e) a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 25.000; (f) a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que venha a ser tributado em sede de IRS.

Em síntese, alegou que, em 23 de Janeiro de 1995, celebrou um contrato de trabalho com a ré, que esta denominou «contrato de prestação de serviços», para desempenhar as funções de projectista das obras que a ré procedia na rede do Metropolitano de Lisboa, sob a autoridade e direcção da ré, mediante a remuneração de € 14,96, por cada hora de trabalho, sendo que, por carta de 22 de Novembro de 2002, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato celebrado, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2002, o que se traduziria num despedimento ilícito.

A ré contestou, impugnando os factos alegados pelo autor e sustentando que o acordo escrito celebrado é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, o qual podia ser livremente revogado pelas partes, mediante aviso prévio mínimo de 30 dias, não havendo lugar a qualquer indemnização, e mais aduziu que o autor exercia funções com plena autonomia na organização concreta das tarefas e dos meios necessários para alcançar o resultado acordado, sem categoria profissional ou integração na estrutura organizativa e hierárquica, e que as suas remunerações eram variáveis, de acordo com o número de horas prestadas, «nada recebendo se não prestasse serviço», não sendo a sua presença ou serviço por ela fiscalizados.

Após o julgamento, foi proferida sentença, posteriormente rectificada a fls. 2447, que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu o seguinte: «I - Reconhecer a existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho) desde 25/1/1995; II - Declarar a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem existir justa causa que o funde, com as seguintes consequências legais: a) Condenação da Ré na reintegração do Autor, com a antiguidade contada desde 25/1/1995 e a categoria correspondente às funções pelo mesmo exercidas à data do despedimento; b) Condenação da Ré no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 100,00, por cada dia de atraso na reintegração do Autor; c) Condenação da Ré no pagamento de todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, cifrando-se as vencidas até 31/8/2006 no montante global de Euros 148.376,71, nelas se inserindo os salários, bem como as remunerações das férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal; III - Condenar a Ré a pagar ao Autor as remunerações das férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 65.908,009 [sic]; IV - Condenar a Ré no pagamento ao Autor do montante de Euros 10.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré; V - Condenar a Ré a regularizar junto da Segurança Social a situação do Autor, com a inscrição deste nessa entidade, com efeitos a partir de 25/1/1999, bem como a efectuar todos os descontos devidos, nessa medida, à Segurança Social; VI - Condenar a Ré a esclarecer e regularizar junto do Fisco a situação do Autor, no que toca ao Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e a suportar todos os juros de mora e outras despesas e encargos que para ele advenham dessa regularização, que não sejam o imposto que eventualmente ainda seja devido; VII - Condenar, finalmente, a Ré a pagar ao Autor os juros de mora sobre cada uma das prestações laborais que lhe são devidas e que se mostram referenciadas nos Pontos anteriores (II, c), III e IV), nos termos dos artigos 406.º, 559.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil e Portarias n.os 263/99 de 12/04 e 291/2003 de 8/04, sendo os mesmos devidos desde a data do vencimento de cada um dos mencionados créditos, com excepção da indemnização por danos morais, que só são calculados a partir da data da citação da Ré.

Relativamente aos montantes referenciados no Ponto II, alínea c), importa proceder à dedução de todas as eventuais importâncias que o Autor tenha auferido ou recebido entre 6/01/2003 e a data do trânsito em julgado da presente sentença e que ainda venham a ser apuradas, nos termos e para os efeitos do número 2, alínea b), do artigo 13.º do DL n.º 64--A/89 de 27/02, sendo certo que tal dedução só poderá considerar os montantes que o demandante recebeu naquele exacto período, ainda que anteriormente já percebesse rendimentos de trabalho e essa dedução tem como limite o montante global das prestações em que a entidade empregadora for [sic] condenada nesta acção e com relação [à]quele mesmo e preciso período temporal.» 2.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, arguindo nulidades da sentença (excesso de pronúncia e condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido), tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido o seguinte: « Julgar procedente a nulidade de condenação em objecto diverso do pedido na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a retribuição das férias do período de 23.01.95 a 31.12.2002, pelo que se revoga a sentença nessa parte e em consequência se altera o ponto III do dispositivo, nos seguintes termos: "III - Condenar a R. a pagar ao A. subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 43.699,25." Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença no demais, embora se rectifique os erros de escrita contidos nos pontos I e II al.

  1. do dispositivo relativamente à data do início da relação laboral e a partir da qual se deve contar a antiguidade do A., que, conforme o ponto A) da matéria de facto, é 23/1/95 e não 25/1/95.

    Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.» É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões: «1. Em cumprimento do disposto no art. 77.º do CPT, a ora Recorrente arguiu a nulidade por excesso de pronúncia, no que se refere à fixação do valor mensal da retribuição do Autor, no requerimento de interposição de recurso que apresentou em momento oportuno; 2. Porém, sem prescindir, caso se entenda que a decisão "sub judice" não padece de nulidade por excesso de pronúncia, vem a Recorrente invocar, a título subsidiário, o erro de julgamento do tribunal "a quo" no que respeita à decisão relativa ao valor da retribuição mensal do autor; 3. Efectivamente, entende a Recorrente que o Autor não alegou os factos mínimos que permitiriam ao tribunal "a quo" apurar a sua retribuição mensal; 4. De resto, em virtude dessa falta de alegação, essa questão não foi levada à base instrutória, pelo que a ora Recorrente não pôde apresentar contraprova; 5. Por outro lado, o art. 659.º, n.º 3, do CPC tem de ser interpretado sistematicamente; 6. Com efeito, de acordo com o preceituado no art. 264.º do CPC, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos arts. 514.º e 665.º do mesmo Código e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão da causa; 7. Por isso, os factos essenciais (periodicidade do pagamento da retribuição e número de horas trabalhadas em cada um daqueles períodos e, em conclusão, o valor da retribuição mensal) em causa nesta sede, não tendo sido correcta e tempestivamente alegados pelo Autor, não poderiam ter sido tomados em consideração na fundamentação da sentença por via daquele art. 659.º, n.º 3, por recurso a documentos juntos aos autos; 8. Ora, o Tribunal de l.ª Instância, ao conhecer de questões, no sentido referido, que não foram alegadas pelas partes, violou o comando contido no art. 660.º, n.º 2, do CPC; 9. Tendo sido, pelas razões expostas, responsável pela nulidade da sentença proferida, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al.

    d), do CPC; 10. Todavia, caso se entenda que não se está perante uma situação de nulidade da sentença, o que apenas se admite, sem prescindir, por zelo de raciocínio, então, ter-se-á de considerar que o Tribunal de l.ª Instância cometeu um erro de julgamento; 11. Com efeito, nessa hipótese, o Tribunal de l.ª Instância terá até cometido dois erros de julgamento: um quando...

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