Acórdão nº 332/10.0GBDL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão proferida na Comarca do Alentejo Litoral que o condenou na pena de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, absolvendo-o relativamente à forma qualificada desse crime p. e p. pelo artigo 132º, n.ºs 1 e 2, alíneas e) e j), pela qual vinha pronunciado; As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1ª O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude "acima da média". "Média" é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média; é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

  1. In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. Apenas uma das duas facadas teve caráter letal. A vítima chegou sem vida ao hospital. Com certeza, foi grande o seu sofrimento. Mas não houve especiais requintes de malvadez que visassem prolongar o sofrimento do infeliz falecido, antes de lhe causar a perda da vida.

  2. Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

  3. A sentença recorrida viola a alínea a) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal também porque avaliou o modo de execução pela seguinte circunstância: a faca "funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante'.

  4. Tal não resulta dos factos provados, maxime do artigo 17, onde se alude um corte oblíquo e uma ferida cortante, sendo que as lacerações mencionadas no artigo 16 são cortes ou rasgões.

  5. Em todo o caso, uma eventual (mas não provada) utilização como instrumento simultaneamente cortante, perfurante ou contundente não importa para considerar que o modo de execução assume determinadas caraterísticas que permitam fixar a pena.

  6. O relatório social (artigo 370° do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, estão em causa os artigos 30 a 44 dos factos provados. O demais constante do relatório social não releva.

  7. O tribunal determinou a medida concreta da pena considerando que o o arguido manteve um "relacionamento afetivo desestruturado”.

  8. Tal não se retira dos factos provados, nos quais apenas figura: verificou-se uma "rutura por Iniciativa do arguido'; arguido e companheira optaram "alegadamente, cada um por manter uma vida sexual e afectiva autónoma" (sendo equívoca a inclusão de uma alegação nos factos provados); houve um episódio de conflito e violência mas desconhece-se quem é que foi o conflituoso e violento: o arguido, a companheira ou os dois; e ocorreu uma rutura definitiva, tendo a guarda do menor sido entregue ao arguido).

  9. Assim, o tribunal violou o disposto na alínea d) do n° 2 do artigo 71° do CP.

  10. Não se ignora que o arguido foi condenado pela prática de maus tratos e violência doméstica exercida precisamente sobre a mãe do seu filho. Mas tal releva para considerar os seus antecedentes criminais. Estas condenações não podem ser duplamente valoradas para considerar que o arguido manteve um "relacionamento afetivo desestruturado e simultaneamente levar em conta que não é primário.

  11. O tribunal fixou a pena tendo em consideração a "extrema conflitualidade e violência' que marcou o tal relacionamento afetivo, assim desrespeitando o que estabelece a alínea d) do n° 2 do artigo 71° do CP.

  12. Nada disso se pode retirar da matéria de facto dada como provada. De resto, não se esclarece quem foi o responsável por tal "extrema conflitualidade e violência": o arguido, a companheira ou os dois. Quanto às condenações por maus tratos e violência doméstica, valem os considerandos já aduzidos a propósito da inviabilidade de valorar duplamente as mesmas.

  13. A pena aplicada ao arguido foi determinada tendo em consideração que ele "em julgamento denotou também postura provocatória e rebelde". Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, conforme estipula a alínea e) do n° 2 do artigo 71° do CP.

  14. O tribunal procedeu a alguma concretização: "interrompendo várias vezes e de forma indevida a audiência, não obstante as sucessivas advertências que lhe foram sendo efetuadas".

  15. Nada disto figura nos factos provados. Ao determinar concretamente a pena com base na "postura provocatória e rebelde" adotada pelo arguido no julgamento, o tribunal desrespeitou a alínea e) do n° 2 do artigo 71° do CP.

  16. Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal.

  17. O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

  18. A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

  19. A moldura penal abstraía é de 8 a 16 anos de prisão.

  20. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40° do Código Penal.

  21. O arguido só compareceu naquele local, para ir buscar o filho (artigo 8 dos factos provados). Nada faria prever que o fosse buscar naquele dia (artigo 7). O arguido envolveu-se em confronto físico com a vítima (artigo 14), depois de esta ter vindo à rua, após o arguido ter chamado por ele e dito que lhe partia a carrinha (artigo 12).

  22. O arguido contribuiu significativamente se encontrar com a vítima. Contudo, tal encontro não constituiu a finalidade da deslocação ao sítio. Havendo o arguido chamado pela vítima, com a ameaça de lhe partir a carrinha, não resultou demonstrado que pretendesse um confronto físico com o infeliz falecido.

  23. O arguido atingiu a vítima com duas facadas, sendo apenas uma apta a causar a morte.

  24. A medida da culpa do arguido impõe que a pena não seja superior a 12 anos de prisão. Ou seja, a aplicação do artigo 40° do Código Penal estabelece um limite máximo de 12 anos.

  25. As exigências de prevenção geral não justificam que o limite mínimo ultrapasse o que é estabelecido pela moldura abstraía: 8 anos de prisão.

  26. Em Portugal, o aumento da criminalidade violenta manifestou-se pelo crescimento do número de roubos. As necessidades de prevenção geral não se fazem sentir com particular acuidade. Os assassinatos não ocorrem com tanta frequência que permitam qualificar tal fenómeno como um verdadeiro flagelo, que importa estancar pela aplicação de penas mais severas, como sucede com os roubos, o tráfico de estupefacientes, os abusos sexuais, a corrupção, que se tendem a banalizar.

  27. Os antecedentes criminais do arguido tornam intensas as necessidades de prevenção especial.

  28. Não se pode genericamente afirmar, como se faz na sentença, que o arguido apresenta "características efe impulsividade e dificuldade de autocontrolo, com facilidade de adoção de condutas violentas". Não é sempre assim.

  29. Quando praticou os crimes, manifestou realmente impulsividade. Teve dificuldade em se autocontrolar. Facilmente adotou condutas violentas. Mas tal ocorreu num quadro em que, de um modo ou de outro, havia uma interação com a sua ex-companheira, mãe de seu filho.

  30. Pelas razões já expostas, no que respeita às circunstâncias que não integram o tipo e que depõem a favor ou contra o arguido, há que afastar as seguintes, que constam da sentença em crise: grau de ilicitude acima da média; modo de execução: a faca "funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante*; relacionamento afetivo desestruturado; extrema conflitualidade e violência" que marcou esse relacionamento afetivo; e postura provocatória e rebelde na audiência de julgamento.

  31. Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no n° 2 do artigo 71° do CP.

  32. O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

  33. O modo de execução não depõe contra o arguido. Tudo decorreu no âmbito de um confronto físico com a infeliz vítima.

  34. A intensidade do dolo situa-se no seu mais elevado patamar, conforme se afirma na douta sentença recorrida.

  35. Relativamente aos motivos, estão obviamente em conexão com o confronto físico entre arguido e vítima.

  36. Das condições pessoais do arguido, retiram-se as várias ilações constantes da douta sentença: capacidade de trabalho, experiências de emigração, diversas atividades profissionais, dedicação e empenho quanto ao filho, referenciação como pessoa extrovertida e com facilidade em socializar, 38ª A medida da culpa não permite que a pena ultrapasse os 12 anos de prisão.

  37. As necessidades de prevenção geral não tornam lícito elevar o limite mínimo resultante da moldura abstrata do tipo: 8 anos.

  38. As intensas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

  39. Os artigos 40°, 71° e 131° do Código Penal implicam uma condenação a pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

  40. Condenando o arguido a 12 anos e 6 meses de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nesses preceitos legais.

Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida, sendo o arguido condenado a pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

Nos termos do n° 5 do artigo 411° do CPP, o recorrente requer a realização de audiência, tendo em vista debater os pontos enunciados acima com as epígrafes: - Grau de ilicitude acima da média - Apuramento do grau de ilicitude - Modo de execução - Relatório social - Relacionamento afetivo desestruturado - Extrema...

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