Acórdão nº 08B1827 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: O Ministério Público, em representação da menor AA, veio intentar acção de investigação de paternidade contra BB, pedindo que a dita menor seja reconhecida como filha do réu e que se ordene o necessário averbamento, no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao registo de nascimento da mesma.

Alegando, para tanto, e em suma: No dia 5 de Março de 2004 nasceu a menor AA, que apenas foi registada como filha de CC.

Mas a menor é também filha do réu, com quem a mãe se relacionou sexualmente, de cópula completa, de Junho a fins de Agosto de 2003.

Não existem quaisquer relações de parentesco que obstem à constituição da pretendida relação de filiação, tendo sido viável a acção proposta.

Citado o réu, veio o mesmo contestar, dizendo, apenas, não serem verdadeiros os factos a ele imputados na p. i.

Foi elaborado o despacho saneador, tendo sido fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Requerido pela autora a realização de exames hematológicos ao réu, à mãe da menor e a esta, e, uma vez notificado o aquele para tal efeito, veio a declarar que se recusa a deixar efectuar a necessária colheita - fls 43.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 87 e 88 consta.

Foi proferida a sentença que julgou que a menor AA é também filha do réu.

Inconformado, veio o mesmo, sem êxito, interpor recurso de apelação.

De novo irresignado, pediu o réu a presente revista, tendo, na sua alegação, formulado, as seguintes conclusões: 1. A decisão de direito estriba-se em deficiente interpretação de alguns factos dados como provados, seja em termos do seu enquadramento sistemático, seja em termos de análise critica do conjunto da prova e, por outro lado, não teve em conta factos notórios e de conhecimento objectivo.

2. Do cotejo de toda a produção de prova, a resposta aos quesitos 2° e 3° da Base Instrutória, respectivamente vertidos sob os nºs 3 e 4 da Douta Sentença recorrida, deve ser modificada por erro de julgamento, no sentido de, em ambos os casos, ser julgada como não provada; 3. A resposta dada a estes quesitos ancorou-se fundamentalmente nas declarações da mãe da menor, CC; 4. Por força das declarações da mãe da menor, decisivas e relevantes na apreciação e valoração da prova por ser esta que com o recorrente manteve um relacionamento íntimo e privado, deve também ser modificada a resposta ao quesito 2° da Base Instrutória, no sentido de ser julgado como não provado, pois que, perguntava-se nesse quesito e tal constituía alegação do Autor se "entre 10 de Julho e 07 de Novembro de 2003, a mãe da menor e o recorrente mantiveram relações sexuais de cópula completa, regular e assiduamente" e, tal matéria não resultou provada; 5. Dando o tribunal, apenas, como provado, que esse relacionamento sexual foi esporádico e, apenas ocorrido entre Junho e Setembro de 2003, resposta distinta daquilo que é perguntado na Base Instrutória, o que sempre imporia resposta negativa; 6. Também, a resposta ao quesito 3° da Base Instrutória, deverá ser modificada, no sentido de a matéria nele vertida ser julgada como não provada, sempre tendo em conta, as declarações da mãe da menor, a confrontação das mesmas com a prova documental, e as consequências que dessa prova se extraem no âmbito da ciência médica; 7. Dado como assente e, resultando de todo o processo clínico da menor e da mãe existente no Hospital da Senhora da Oliveira em Guimarães que, a menor nasceu neste Hospital no dia 4 de Março de 2004, com 3 quilos e cento e quarenta gramas e com 39 semanas. E, estando, também, assente e constando dos arquivos digitais da sala de partos daquele Hospital, que a última menstruação da mãe da menor, ocorreu em 29 de Maio de 2003; 8. Da confrontação destes dados clínicos com as declarações da mãe da menor, com a matéria alegada na P.1. e com a matéria vertida no n° 2 da Base Instrutória, resulta objectivamente, que esta mentiu deliberadamente em Tribunal, ao imputar a paternidade da sua filha ao recorrente; 9. Atento o facto de a menor ter nascido com 39 semanas, nunca a mãe desta poderia ter engravidado entre fins de Maio e início de Junho; 10. Isto porque, para haver concepção é necessário que a mulher esteja no período ovulatório, o qual ocorre 14 dias a partir da data da menstruação; 11. Tendo como certa a data de 29 de Maio como a da última menstruação, não é possível, do ponto de vista da ciência médica que, em finais de Maio ou mesmo em princípios de Junho, a mãe da menor estivesse em período ovulatório.

12. Visto que esse período (fins de Maio/início de Junho) seria o do período menstrual e, não é possível existir ovulação nesse período (a ovulação nunca terá ocorrido antes de 12 de Junho); 13. E, sempre atento o alegado na P.1. e vertido no n° 2 da Base Instrutória, a menor também não poderia ter nascido fruto de relações sexuais mantidas a partir de 10 de Julho, visto que nasceu com 39 semanas; 14. De uma análise cuidadosa da produção da prova, sobretudo assente nas declarações da mãe da menor, resulta que o recorrente logrou ilidir a presunção de paternidade, resultante do estatuído nos artigos 516º e 519º, nº 2, ambos do CPC, por força da não realização dos competentes exames hematológicos e, ainda, do artigo 1871º, nº 1, alínea e), do C.C.; 15. O Autor não logrou demonstrar com grau de segurança exigível, quando teve início a relação sexual, se a partir de 10 de Julho, como alega, se a partir de fins de Maio, como resulta do depoimento da mãe da menor em sede de Julgamento; facto que, por si só gera dúvidas sérias quanto à imputação de paternidade; 16. Sendo certo que, não logrou o Autor provar a matéria que alegou, como se extrai das próprias respostas aos quesitos 1 ° e 2º da Base Instrutória.

17. Verificando-se a existência de dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, aqui recorrente, necessariamente, tem de se considerar ilidida a presunção, nos termos do n° 2 do artigo 1871º do C.C. e, consequentemente, julgar-se improcedente, por não provada, a presente acção; 18. Sem conceder e, se dúvidas o tribunal tivesse sobre os factos atrás expostos e, que algumas e sérias reservas suscitam quanto à imputação de paternidade, por força da não realização dos competentes exames hematológicos, sempre deveria, oficiosamente, socorrer-se, ordenando a junção aos autos do processo clínico da menor e de sua mãe, e com base dos elementos dele constantes ampliar o objecto da Base Instrutória, tendo em conta, designadamente, o número de semanas de gestação, a data da última menstruação, o período de ovulação, e a confrontação de todos estes elementos, seja com o alegado na P.I. e vertido na Base Instrutória, seja com as declarações posteriores da mãe da menor, prestadas em Audiência de Discussão e Julgamento; 19. Inexiste, assim, matéria fáctica suficiente, para atribuir, sem mais, a paternidade da menor AA ao recorrente, o que determina a improcedência da presente acção, ou, se assim não se entender...

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