Acórdão nº 06058/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução19 de Março de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

IA..., com os sinais constantes dos autos, impugnou judicialmente liquidação oficiosa de IVA, n.º 2009/90002787, datada de 18.11.2009, emitida pela Alfândega de Faro.

Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, sentença que julgou a impugnação improcedente, pelo impugnante, foi interposto (1) recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra sumulada desta forma: « 1. Ao decidir pela responsabilidade do Recorrente no pagamento do imposto incorreu o Tribunal a quo em errónea interpretação do número 3 do artigo 202.º do Código Aduaneiro Comunitário; 2. Não obstante o Recorrente não detenha contrato de trabalho com a sociedade “C... Limited”, desempenhava as funções de capitão da embarcação por mera imposição da sociedade proprietária da embarcação (a sociedade B..., SRL) e que integra o mesmo grupo económico que a B...Portugal - Técnica de Montagem, Lda., com quem, o Recorrente celebrou um contrato de trabalho; 3. O Recorrente obedecia às instruções da sociedade C... Limited no que se refere aos destinos da mesma, facto que, de resto, foi confirmado pela prova testemunhal produzida nos autos e ignorado pelo Tribunal a quo.

  1. Não podia, por isso, o Recorrente, mero assalariado, ser considerado, seja a que título for, legítimo detentor da embarcação e eventual responsável por uma (alegada) dívida tributária resultante de uma (alegada) introdução irregular no mercado.

  2. Tal responsabilidade, a existir, recaia sobre a sociedade “C... Limited” na qualidade de entidade que dispunha, efectivamente, do poder de direcção sobre os destinos da embarcação e que deu ordens ao Recorrente e restante tripulação para se dirigirem a Portugal.

  3. A eventual responsabilidade do Recorrente ou da restante tripulação apenas poderiam efectivar-se nos termos do segundo travessão do n.º 3 do artigo 202.º do CAC na qualidade de pessoas que participaram nessa introdução.

  4. Porém, e conforme resulta da citada norma legal, a imputação da dívida dependia da prova de que os referidos membros da tripulação tinham, ou deviam ter conhecimento de que se tratava de uma introdução irregular, prova essa que, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, cabia à DGAIEC, que não a produziu.

  5. A Sentença sub-judice fez errónea interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 313.º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário.

  6. Como resulta provado dos autos, o ponto de partida desta viagem até Vilamoura foi o porto de Palermo, Itália e, portanto, de Território Aduaneiro da Comunidade Europeia.

  7. Decorre do exposto que a referida embarcação goza da presunção de estatuto comunitário prevista no n.º 1 do artigo 313.º das DACAC e, por consequência, cabia à DGAIEC provar o contrário, o que não fez.

  8. Ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, a passagem por águas internacionais não integrantes do Território Aduaneiro Comunitário não implica a perda do estatuto comunitário - a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 29/03/2005, proferido no âmbito do processo n.º 00087/04 (Eugénio Sequeira) - in www.dgsi.pt.

  9. A Sentença em crise violou, ainda, os artigos 77.º e 74.º da Lei Geral Tributária.

  10. Com efeito, e no que se refere à determinação do quantum do Imposto, a liquidação em apreço padece de manifesta falta de fundamentação porquanto, relativamente ao “Cálculo do valor aduaneiro a servir de base”, limita-se a DGAIEC a referir: “Valor actual estimado da embarcação, considerando o valor da factura apresentada (factura n.º 66 emitida em 30/06/2004, por D...” e a pouca depreciação.

    Direitos aduaneiros: taxa de 0% (aplicáveis à posição pautal 8903911000) IVA: (10.000.000 €) x 20% = 2.000.000 € Valor total a liquidar: 2.000.000 €” 14. No âmbito do Direito Aduaneiro, o valor aduaneiro de uma mercadoria obedece a critérios bem definidos e previstos nos artigos 29.º a 31.º do CAC como, de resto, resulta do “Manual do Valor Aduaneiro” publicado pela Direcção Geral das Alfândegas, e disponível para consulta em: http://www.dgaiec.min-financas.pt/NR/rdonlyres/F71120CF-2195-4F30-8D48-97F4E678B3B6/0/Valor_Aduaneiro_Intranet_2005.pdf, pág. 5.

  11. Porém, e analisando o cálculo efectuado pela DGAIEC na justificação do acto tributário em apreço limita-se, aquela, a mencionar a factura n.º 66 emitida pela “D...” e a referir o valor de €.10.000.000,00 (dez milhões de Euros), não referindo, em momento algum, qual o método utilizado, e quais os elementos considerados nesse cálculo.

  12. Não tendo concluído pela falta de fundamentação, incorreu o Tribunal a quo em errónea interpretação do artigo 77.º da LGT como, numa interpretação a inconstitucional do referido preceito por violador do artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

  13. Adicionalmente, e ao considerar que era ao Recorrente que cabia provar a o excesso da quantificação da matéria tributável, incorreu a Sentença recorrida em violação do artigo 74.º da LGT.

  14. Sem prescindir, é manifesto que o quantum do imposto apurado pela DGAIEC é claramente erróneo bem como o julgamento efectuado pelo Mm.º Juiz nesta matéria.

  15. Sobre esta matéria, considerou o Tribunal recorrido, “que a Administração Fiscal considerou que a desvalorização era reduzida e quantificou-a em 920.622,80 Euros” num raciocínio que se encontra claramente viciado por comparar realidades diferentes.

  16. O que o Tribunal recorrido deveria ter comparado eram as bases tributáveis: na factura de compra 9.100.519,00 Euros e, na liquidação oficiosa, 10.000.000,00 Euros, de onde resulta evidente que a DGAIEC considerou que a embarcação valorizou ao invés de desvalorizar desvalorização que, como o próprio Tribunal a quo admite, resulta das regras de experiência comum - cfr. pág. 38, §. 2.º da Sentença (fls. 534).

  17. O raciocínio efectuado pelo Tribunal Recorrido nesta matéria implica que, no apuramento da matéria tributável, se considere IVA sobre IVA o que constitui uma violação do artigo 78.º, alínea a) da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006 e do artigo 16.º n.º 5, alínea a) do Código do IVA.

  18. A Sentença recorrida incorreu, ainda, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa 23. Conforme resulta da leitura da documentação junta pela Alfândega de Faro aos autos manifestou aquela entidade muitas dúvidas quanto à existência, in casu de fraude - veja-se a este respeito o teor do Ponto C - 1, fls. 000104 (66) onde se refere “(…) presume-se à priori que a documentação apresentada é legitima e encontra-se devidamente contabilizada nas diversas entidades intervenientes”. E no Ponto C - 7, fls. 000105 (65) “(…) tudo apontará para que a embarcação em apreço tenha estatuto comunitário, dados os indícios da sua regular introdução no consumo”.

  19. Referindo-se, adicionalmente, no Ponto C - 8 que “(…) poderá…aprofundar-se a questão em causa, através de Pedido de Assistência Mútuo às autoridades Italianas competentes, no sentido de ser controlada a autenticidade dos documentos apresentados a titulo de factura de compra e venda”.

  20. Conforme referido pelas testemunhas E...e Mrs. F..., na audiência contraditória, a solicitação ao capitão do documento exigível no caso de transporte de mercadorias não era possível de satisfazer por não ser emitida pelas autoridades Italianas.

  21. Face ao exposto, impunha-se à DGAIEC, como, de resto, solicitou o Recorrente, requerer informações às autoridades aduaneiras Italianas, seja a título informal, seja ao abrigo da Convenção Relativa à assistência mútua e cooperação entre autoridades aduaneiras (Convenção de Nápoles II) publicada no Jornal Oficial C 24 de 23/01/1998, o que, aliás, é recomendado pela própria Comissão Europeia no Manual de Trânsito - documento da Comissão com a referência TAXUD/801/2004 - PT e disponível, a título de exemplo em http://www.dgaiec.min-financas.pt/pt/legislacao_aduaneira/manuais_doclib/ onde se refere que em caso de dúvida, as autoridades competentes podem solicitar informações ao abrigo da assistência mútua.

  22. Não o tendo feito, colocaram as Autoridades Fiscais Aduaneiras o Recorrente numa situação de absoluta impossibilidade de prova: exige um documento que as Autoridades Aduaneiras italianas dizem desnecessário e, por outro lado, recusam-se a esclarecer a situação através dos mecanismos de assistência mútua disponíveis para o efeito, situação que coloca o Recorrente numa situação de absoluta impossibilidade de prova que se afigura, quer inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, quer contrária aos mais elementares princípios que regem o Direito Comunitário.

  23. Sem prejuízo do exposto e estando em causa, nos presentes autos, a interpretação de diversas disposições do CAC e das DACAC, caso se manifestem dúvidas quanto às mesmas, deverão suspender-se os presentes autos e, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado de Lisboa, colocadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia as questões suscitadas no Capítulo III das presentes alegações.

    V. DO PEDIDO Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de V. Exa, deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogar-se a Sentença recorrida, substituindo-se por outra que considere a Impugnação Judicial totalmente procedente por provada e anulando-se, em consequência, a liquidação adicional de IVA sub judice, Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! » *Não se regista a existência de contra-alegação.

    *A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que o recurso não deve merecer provimento.

    * Colhidos os vistos legais, compete conhecer.

    ******* IIMostra-se consignado, na sentença: « 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1 - Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, julgo assente a seguinte factualidade:

    A) A embarcação “Helena”, foi construída em 2004, em Itália, pela sociedade “G...S.p.A.”, cfr. fls. 144 e 322.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT