Decisões Sumárias nº 162/13 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Março de 2013
Magistrado Responsável | Cons. Maria José Rangel de Mesquita |
Data da Resolução | 20 de Março de 2013 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
DECISÃO SUMÁRIA Nº 162/2013
Processo n.º 139/2013
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Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
I Relatório
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Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Odemira, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da sentença proferida pelo referido Tribunal em 25 de outubro de 2012 (cfr. fls. 367 e ss.).
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A sentença recorrida determinou a absolvição da arguida com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 97.º do Código de Notariado, nos termos seguintes (cfr. fls. 367-368):
Assim, independentemente da produção de prova, concordando o Tribunal com o douto entendimento da inconstitucionalidade do artigo 97º do Código do Notariado, sempre a arguida seria absolvida (conforme, também, o decidido pelo Tribunal de relação de Lisboa, mencionado no ponto 4, de fls. 32044 do supra referido Acórdão do Tribunal Constitucional).
Por todo o acima exposto, dirimindo desde já, esta questão prévia, evitando a prática de atos desnecessários, determina-se a absolvição da arguida pelo facto de vir acusada pelo artigo 97º, do Código do Notariado que considero ser inconstitucional, devendo, consequentemente, os presentes autos serem arquivados. ( )
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O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cfr. fls. 392):
A Magistrada do Ministério Público vem, ao abrigo do disposto nos arts. 70º, al. a), 72°, n°1 a) e 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, interpor Recurso obrigatório para o Venerando Tribunal Constitucional, da douta sentença proferida nos autos.
O recurso é restrito à matéria da inconstitucionalidade, porquanto na sentença recorrida se recusou a aplicação do art.° 97° do Código do Notariado, com fundamento na sua inconstitucionalidade material (violação do princípio da legalidade penal), por violação dos arts. 29°, n°1 da Constituição da República Portuguesa.
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O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho do Tribunal recorrido de 29/01/2013 (cfr. fls. 396).
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
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A questão de inconstitucionalidade material que constitui objeto dos presentes autos, relativa ao artigo 97.º do Código do Notariado foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 379/2012 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Este Acórdão, da 2.ª Secção deste Tribunal, citado pela sentença recorrida (cfr. fls. 367-368), decidiu «Julgar inconstitucional a norma do artigo 97.º do Código do Notariado, por violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa», com a seguinte fundamentação:
5. O artigo 97.º do Código do Notariado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho), reza assim:
Artigo 97.º
(Advertência)
Os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura.
( ).
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A norma incriminadora impugnada, no que diz respeito à descrição do tipo objetivo e subjetivo do crime em causa não difere, no essencial, do que constava do equivalente artigo 107.º da versão originária do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47619, de 31 de março de 1967. Esta norma dispunha como segue:
Artigo 107.º
(Advertência aos outorgantes)
Os outorgantes serão sempre advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsidade, se, dolosamente e em prejuízo de terceiro, tiverem prestado ou confirmado declarações falsas, devendo a advertência constar da própria escritura
.
Com as alterações introduzidas no Código de Notariado pelo Decreto-Lei n.º 67/90, de 1 de março, este tipo legal de crime passou a constar do artigo 106.º do referido Código, com a seguinte redação:
Artigo 106.º
(Advertência aos outorgantes)
Os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura
.
Esta redação foi transposta integralmente para o artigo 97.º do Código do Notariado em vigor, que dá corpo à norma cuja aplicação foi recusada pelo acórdão recorrido, por inconstitucionalidade decorrente de alegada violação do princípio da legalidade penal consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição.
O Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, que aprovou o atual Código de Notariado, foi emitido no uso de competência própria do Governo (prevista hoje, após a 4.ª revisão constitucional, no artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da CRP), e não ao abrigo de lei de autorização.
Ora, é exigência primária do princípio da legalidade penal que a incriminação e a pena constem de lei formal ou de decreto-lei autorizado, atendendo ao disposto no artigo 29,º, n.º1, da CRP e também à integração na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos.
Em face destes dados, a conformidade constitucional da norma do artigo 97.º do Código do Notariado só permanecerá intocada se puder ser sustentado o caráter não inovador dessa norma, em confronto com as suas versões anteriores. Na verdade, tendo a primeira formulação da norma incriminatória surgido na versão originária do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47619, de 31 de março de 1967 logo, um diploma anterior à Constituição de 1976 o vício de constitucionalidade orgânica estará afastado, desde que possa ser convincentemente alegada uma linha de continuidade na evolução legislativa posterior, uma correspondência...
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