Acórdão nº 5097/05.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução12 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA, Lda.

, instaurou, nas Varas Cíveis de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma do processo ordinário, contra o Município de Lisboa, formulando os seguintes pedidos: a) seja anulado o contrato outorgado entre a autora (A.) e o réu (R.) Município, em 16 de Janeiro de 1981, com fundamento em erro sobre a base do negócio, ou, se assim não se entender; b) seja declarada a resolução do contrato outorgado entre a A. e o R. Município em 16 de Janeiro de 1981, com fundamento na verificação da condição resolutiva, em alteração anormal das circunstâncias ou em incumprimento imputável ao R. e, em qualquer caso: c) seja o R. condenado a restituir à A. o prédio objecto do contrato outorgado em 16 de Janeiro de 1981, ou, se a restituição não for possível, a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao seu valor actual, a liquidar em execução de sentença; d) seja ordenado, ao abrigo do art. 8.º, n.° l, do Código do Registo Predial (CRgP), o cancelamento do registo de aquisição do prédio descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, a fls. 137 v. do Livro …, a favor da CML efectuado pela inscrição n° …. 14, de 1981.02.06, bem como de todos os registos realizados posteriormente àquele, nomeadamente em prédios destacados ou desanexados do imóvel acima referido.

Invocou, em síntese, que: Por escritura outorgada em 16 de Janeiro de 1981, a fls. 24 v. a 27 do Livro de Notas n.° … do Notário Privado da Câmara Municipal de Lisboa (CML), doou ao R., Município de Lisboa, o “prédio constituído por terreno para construção com a área de onze mil cento e vinte e nove metros quadrados, sito na Rua ... e rua ..., freguesia de Benfica, desta cidade, descrito sob o número catorze mil oitocentos e trinta e cinco (...), destinado a via pública e equipamentos e a que atribuem o valor de quinhentos e cinquenta e seis mil quatrocentos e cinquenta escudos”.

O R. aceitou esta doação, de acordo “com a deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, tomada em sua reunião de vinte e sete de Agosto de 1980”.

Acontece que o R. alienou, a favor de terceiros, o prédio doado no qual se encontram a ser construídos dois edifícios para fins habitacionais, quando na escritura de doação se acordou que o fim do mesmo seria a sua afectação à instalação de via pública e equipamentos.

A A. nunca teria feito a doação se soubesse que o terreno em causa seria transmitido a particulares.

Por outro lado, o R. sabia que a A. só lhe doou o prédio em virtude das exigências que lhe foram feitas pelos próprios órgãos e serviços camarários.

A A., caso não tivesse realizado a doação, poderia construir e comercializar em seu benefício os edifícios actualmente em construção.

Citado, veio o R. contestar alegando que a escritura de doação consubstancia uma cedência ao Município de Lisboa em consequência de uma operação de loteamento e posterior licenciamento de obras de construção e não um negócio jurídico gratuito, sem qualquer contrapartida, imposto pela CML, como forma de viabilizar a construção. Alega que tal resultou de uma negociação empreendida entre as partes desde 1967 no âmbito da execução de um plano de urbanização.

Considera que, atendendo às construções realizadas pela A., todo o direito de edificabilidade se esgotou nos três prédios construídos, sendo que a A. doou a parte do terreno que nunca mais poderia vir a ser edificada, pela mesma, atendendo à edificação que o índice de construção lhe impunha.

Procedeu o R. a um loteamento municipal com vista à requalificação do ... e foi nessa sequência que foi outorgada a escritura de permuta com a empresa que edificou no prédio doado.

Conclui não existir qualquer fundamento para a anulação da doação e que não houve qualquer incumprimento da CML, pugnando pela improcedência da acção.

Procedeu-se ao saneamento dos autos, tendo-se julgado os tribunais cíveis materialmente competentes para ajuizar a causa. O R. agravou desta decisão, tendo o recurso sido julgado improcedente, confirmando aquele despacho e dirimindo aquela questão ( cf. apenso n.º 5097/05.4TVLSB-A).

Na sessão de julgamento a A. requereu a ampliação do pedido que, admitida, passou a constar da alínea c)) do petitório: “A condenação do réu a pagar à autora uma indemnização correspondente ao valor actual da parcela de terreno onde estão implantados os edifícios construídos nos lotes 2000/041 e 2000/042 (parte do loteamento municipal 2000/09), em montante não inferior a € 6.000.000,00.”.

Concluída a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão de facto, rectificada, posteriormente, e proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, declarou resolvido o contrato de doação outorgado entre a A. e o R. Município, em 16 de Janeiro de 1981; condenou o R. a pagar uma indemnização à A. no valor de € 5 745 148,44; ordenou, ao abrigo do art. 8.º, n.° l, do CRgP, o cancelamento do registo de aquisição do prédio descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ..., a fls. 137 v. do Livro …, a favor da CML efectuado pela inscrição n.° ...-Ap. 14, de 1981.02.06, bem como de todos os registos realizados posteriormente àquele, e nomeadamente em prédios destacados ou desanexados do imóvel acima referido.

Não se resignando com esta decisão, dela recorreram a A. e o R., para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão proferido em 31-01-2012, decidido: “… julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo Réu, revogando-se a sentença recorrida na parte em que declarou resolvido o contrato de doação outorgado entre a A. e o R. Município em 16 de Janeiro de 1981 e ordenou, ao abrigo do art. 8.º, n.° 1, do Cod. Reg. Predial, o cancelamento do registo de aquisição do prédio descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ..., a fls. 137 v. do Livro ..., a favor da CML efectuado pela inscrição n.° ...-Ap. 14, de 1981.02.06, bem como de todos os registos realizados posteriormente àquele, e nomeadamente em prédios destacados ou desanexados do imóvel acima referido; alterando-se a parte sobrante nos seguintes termos: condenar o Réu Município de Lisboa a pagar à A. AA, Lda. a quantia, a liquidar, que resultar da diferença entre o valor (actual) do terreno doado se lhe tivesse sido dado o destino constante da escritura de doação e o valor (actual) que o mesmo terreno passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio a ser efectivamente dado; julgar improcedente a apelação apresentada pela A., confirmando-se a decisão recorrida nesse tocante (sic).

Uma vez mais inconformado com esta decisão, veio o R. Município de Lisboa recorrer de revista para este Supremo Tribunal, apontando no final das alegações as conclusões seguintes: 1. Na década de 70, a ora Recorrida requereu na Câmara Municipal de Lisboa, o licenciamento da construção de três edifícios para o seu prédio sito na Rua ...; 2. Nessa construção esgotou totalmente o direito de edificabilidade que detinha para a totalidade da parcela (Vide Facto provado em 50); 3. Todos os custos com as infraestruturas necessárias à atribuição daquele direito de edificabilidade – arruamentos, esgotos, jardins – foram integralmente suportados pelo ora Recorrente (Vide Facto provado em 30); 4. Em contrapartida, a Recorrida propôs-se ceder ao Recorrente e, a título de compensação (em espécie), o prédio com a área de 11.129m2 para vias e equipamentos; 5. Efectivamente, resulta do Facto Assente em 4) que “Nas reuniões ocorridas antes da aprovação e licenciamento da construção dos referidos edifícios entre os representantes da A., com membros da CML, os representantes da A. foram informados de que esta teria de efectuar «a cedência do terreno envolvente dos lotes» a construir no ..., terreno esse destinado a utilidade pública e acessos secundários”; 6. Tendo presente o circunstancialismo acima descrito, ou seja, o de que como contrapartida para conseguir o licenciamento da construção dos três edifícios na Rua ..., esgotando nos mesmos toda a edificabilidade possível – desígnio esse que foi alcançado – a ora Recorrida teria de efectuar a cedência do terreno sobrante dos lotes, a escritura de doação celebrada mais não consubstanciou do que uma cedência como contrapartida do direito de edificabilidade concretizado no licenciamento dos três edifícios objecto do loteamento por aquela construídos na Rua ... e a título de compensação pelas infra-estruturas urbanísticas realizadas pelo Recorrente; 7. Com efeito, a cedência obrigatória de parcelas de terreno encontrava-se expressamente prevista no artigo 19.°, n.° 2 do DL n.° 289/73; 8. Além do mais, que a obtenção do licenciamento dos três prédios sitos na Rua ... era a contrapartida da doação, é algo que o próprio Acórdão sob censura abertamente afirma e consagra; 9. Na verdade, tal conclusão resulta da resposta dada à matéria constante dos quesitos 27.° e 29.° (Facto Assente sob o n.° 49), que é do seguinte teor “Provado que, a escritura de doação consubstancia uma cedência ao réu, em consequência do pedido de licenciamento referido em C) e solicitado pela Autora, com vista à construção de 3 edifícios na Rua ...)”; 10. Ainda assim, o Acórdão em crise considera o contrato dos autos como um contrato de direito privado, de natureza civilista; 11. Por conseguinte, é esta a primeira censura que, a nosso ver, se aplica integralmente ao Acórdão sob recurso: não há negócio jurídico a que se possa aplicar o regime civilista, mas uma cedência de terreno, regulada pelo direito urbanístico no quadro circunstancial acima exposto; 12. A escritura de doação consubstanciou, assim, uma cedência ao Município em contrapartida pelo licenciamento dos três edifícios da Recorrida, pelo que o Acórdão recorrido não poderia ter decidido como decidiu, pela qualificação do contrato dos autos como um contrato de doação em que esteve em causa uma liberalidade pura, tendo assim violado, por errada interpretação, o disposto no n.° 1 do...

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