Acórdão nº 503/09.1TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 21 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo n.º 503/09.1TBVCD.P1 [Tribunal Judicial de Vila do Conde – 2.º Juízo Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.
B..., residente na Rua …, n.º …, …, Vila do Conde, instaurou no Tribunal Judicial de Vila do Conde acção declarativa de condenação com processo ordinário contra C… e D…, residentes no mesmo local, pedindo que estes sejam condenados a reconhecer a autora como proprietária do prédio que identifica, a entregarem à autora o aludido prédio e a pagarem à autora uma indemnização, a título de sanção pecuniária compulsória, no valor de € 100 por cada dia que passe desde a sentença até à entrega efectiva do imóvel.
Para o efeito alegou basicamente que é proprietária do prédio, o qual se encontra inscrito no registo a seu favor, tendo-o adquirido por compra e venda ou, se assim não fosse, por usucapião, uma vez que há mais de 30 anos o usa de forma pública e pacífica. Alegou ainda que os réus habitam um anexo de forma gratuita e por mera tolerância da autora, sendo que esta pretende reavê-lo.
Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pela autora e defendendo a improcedência da acção, com a alegação de que o imóvel é pertença da herança aberta por óbito do pai do réu que foi casado com a autora, e que há mais de 17 anos a autora arrendou verbalmente o anexo em discussão aos réus.
Em reconvenção, e com os mesmos fundamentos, os réus pedem que a) seja declarado que o prédio faz parte, para além da meação da autora, do acervo da herança deixada por óbito do marido da autora e pai do réu, E…; b) seja declarada anulada e sem efeito a escritura de compra e venda desse prédio celebrada pela autora; c) seja ordenado o cancelamento do registo feito com base na referida escritura; d) seja condenada a autora a reconhecer que ocupa o rés-do-chão do prédio sem título legítimo; e) seja condenada a autora a desocupar e a deixar livre e devoluto o rés-do-chão do prédio.
A autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.
Foi admitida a intervenção principal de F… e G…, que na escritura de compra e venda que os réus pretendem que seja anulada tinham a posição de vendedores, os quais não intervieram na acção.
Devidamente tramitada e instruída, a acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença em cuja parte final se afirmou ipsis verbis e exclusivamente o seguinte: “a autora carece de legitimidade activa para a presente acção, impondo-se a absolvição dos RR da instância”.
Do assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1) A autora é parte legítima, tendo legitimidade na acção; 2) Provou-se que a apelada não é a proprietária do prédio; 3) Pelo que soçobram os pedidos formulados na petição inicial pelo que a acção deve ser julgada improcedente e os R.R. absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial; 4) E deve ser julgada procedente a reconvenção, julgando-se pois procedentes, os pedidos nela formulados; 5) Pois provou-se que o prédio pertence ao casal do marido da A. e A. e por óbito do marido da A., faz parte do acervo da herança deixada por óbito do marido da A.; 6) E tendo-se provado que a A. está na detenção do prédio, a A. nem sequer alegou qualquer causa que legitime a detenção; 7) Deve ser revogado o douto despacho proferido na audiência de discussão e julgamento que não admitiu a junção aos autos do documento emanado da Repartição de Finanças de Vila do Conde, e devendo ser admitida a sua junção; 8) Deve ser rectificado o lapso de escrita ou “lapsus calami” no nº1 dos factos considerados provados na sentença (fls. 316) e na alínea B) do douto despacho de fls.118 no sentido de que essa escritura teve por objecto o terreno; 9) Dá por reproduzido os factos dados por provados na douta sentença recorrida de fls. 316 e 317 e vertidos no item VII do corpo das alegações; 10) Deve ser dado por provado o nº17º da base instrutória; 11) Em relação ao nº 18º da base instrutória, deve ser dado por provado que os vendedores na referida escritura nada venderam à apelada pela referida escritura nem da apelada receberam o preço pois que já o tinham recebido na sua totalidade do marido da apelada em 11/4/1977; 12) Resulta da restante matéria de facto dada por provada na sentença recorrida, que a apelada, sabia que o imóvel objecto da escritura de fls. 15 era bem comum do casal da apelada e marido e por óbito deste passou a integrar o acervo da herança simulando com os vendedores a compra e venda para a apelada ficar, através da escritura em causa, a proprietária exclusiva do terreno, sabendo que ao celebrar tal escritura, punha em causa os direitos do R. e dos irmãos na herança aberta por óbito do pai; 13) Faz prova plena do recebimento do preço pago pelo marido da apelada, o documento de fls. 264 junto na audiência de discussão e julgamento, que não foi impugnado a sua autenticidade e das declarações nele contidas, nele tendo os promitentes-vendedores declarado ter recebido do marido da apelada a totalidade do preço em 11/4/1977; 14) Provaram-se os pressupostos da aquisição por usucapião pelo marido da apelada, e apelada, do prédio identificado no nº1 (fls. 316) dos factos dados como provados na sentença recorrida; 15) Por morte do marido da A. o prédio passou a fazer parte do acervo da herança aberta por óbito do marido da apelada; 16) Deve ser declarada nula a escritura de fls. 15 e a compra e venda nela realizada; 17) A escritura de fls. 15 corporiza uma venda de coisa alheia, feita de má fé pela apelada e é simuladamente feita para a apelada figurar como a proprietária exclusiva do prédio; 18) Com a aquisição por usucapião pelo marido da A juntamente com a A. da propriedade do prédio, os anteriores proprietários deixam de o ser, pelo que ao venderem pela escritura de fls. 15 o prédio de que já não são proprietários praticam uma venda nula, pois na data da escritura o prédio faz parte do acervo da herança deixada por óbito do marido da A; 19) E deve ser ordenado o cancelamento do registo feito com base na escritura de fls. 15; 20) Ficou provado na parte final do nº9 dos factos dados por provados na sentença de fls. 316 que a apelada está na detenção do prédio reivindicado pela reconvenção sem sequer alegar a causa que legitime a detenção pela apelada; 21) Devem pois proceder também os pedidos formulados nas alíneas d) e e) da reconvenção; 22) A douta sentença recorrida violou os artigos 26; 288 nº3; 524 nº2 “in fine”, do C.P.C. e artigos 240-1, 286, 892 primeira parte, 1311, do C.C.; 23) Deve a douta sentença recorrida ser revogada, e deve a acção ser julgada improcedente e deve ser julgada procedente e provada a reconvenção, com todas as consequências legais.
A recorrida não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver: As alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Se é possível apresentar com o recurso da sentença, recurso de um despacho proferido no decurso da audiência de não admissão de um documento.
ii) Se a autora carece de legitimidade processual para formular os pedidos de reconhecimento de que o imóvel reivindicado lhe pertence e que este lhe seja restituído.
iii) Se a autora adquiriu legitimamente o direito de propriedade exclusiva do imóvel reivindicado.
iv) Se não constando da sentença qualquer apreciação, fundamentação ou decisão relativa aos pedidos reconvencionais, a sentença é nula ou é antes inexistente no tocante à reconvenção.
v) Qual a consequência do vício da sentença inexistente e se o regime do artigo 715.º do Código de Processo Civil é aplicável mesmo nessa situação.
III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1– Encontra-se inscrito a favor da autora na matriz predial urbana sob o artigo 517 da freguesia … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 297, o prédio urbano, para habitação, composto de casa de R/C e andar, com a área de 115 m2, anexos com 110 m2 e quintal com 575 m2, sito no …, Rua …, a confrontar do norte com caminho público, do sul e nascente com F… e do poente com H….
2– Por escritura pública celebrada a 28/12/1998, no 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, F… e mulher G…, declararam vender à autora e esta declarou comprar-lhes o prédio referido em 1º).
3– Os réus há anos que habitam o anexo da casa referida em 1º).
4– Para acesso ao anexo os réus usam uma entrada independente por...
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