Acórdão nº 931/06.4TBFLG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. - RELATÓRIO Em dissensão com o julgado proferido na apelação que havia impulsado da decisão da primeira instância, que havia julgado “[a] acção parcialmente procedente, reconhecendo às Autoras a qualidade de herdeiras de AA e condenando a Ré, BB, a reconhecer que o veículo com a matrícula -0R e a quantia de € 1.550,00 (mil, quinhentos e cinquenta euros) são propriedade da herança deixada por óbito daquele AA e, em consequência, condenar a Ré a entregar aquele veículo e aquela quantia às Autoras, sendo esta acrescida de juros remuneratórios à taxa legal, calculados desde 12 de Abril de 2006 e até integral pagamento, absolvendo a Ré de tudo o mais que vem peticionado”; e “[a] reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenar as Autoras, CC e DD, a reconhecerem que a Ré é a exclusiva proprietária do veículo com a matrícula -GT e a absterem-se de qualquer acto perturbador do exercício desse direito, absolvendo as Autoras do mais que vem peticionado”, recorre, de revista, a Ré/reconvinte, BB, havendo a considerar os sequentes, I.A. – Antecedentes Processuais.

CC e DD, interpuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, 2º Juízo, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB e EE, na qual foi peticionaram: “o reconhecimento da sua qualidade sucessória e, em consequência, estes condenadas a entregarem todos os bens que compõem a herança do falecido AA, nomeadamente constantes dos nºs 8, 31, 36 e 41 da Petição Inicial; o ordenamento do cancelamento do registo de propriedade sobre o Renault Clio, com a matrícula -GT e/ou de todos os registos posteriores ao falecimento do mesmo AA, com referência aos veículos que se fazem referência nos autos; a declaração de nulidade da venda de um gerador de corrente ou, caso se prove a boa-fé do comprador, a condenação da R a restituir-lhes a quantia de 400,00 €, assim como a pagarem-lhes a quantia de 1.550,00 € levantada de conta bancária de tal falecido; ser considerada a posse dos RR ilegal e de má-fé; e condenados os RR a uma indemnização pelos prejuízos decorrente da recusa injustificada da entrega dos bens reclamados.” Alegaram, para tanto, em síntese apertada, serem herdeiras do falecido (filhas), o qual viveu cerca de nove anos em união de facto com a R, tendo esta ficado na posse de todos os bens que integravam a sua herança. Alguns dias depois da sua morte a R entregou alguns dos seus bens mas não lhes entregou vários outros (um veículo Mercedes, com a matrícula -KD, um estabelecimento comercial “A ...”, várias moedas, peças de relojoaria, anéis, fios, pulseiras, o recheio da casa de habitação, um cofre, dinheiro, documentos, registos, apólices, uma máquina fotográfica, um telemóvel, uma mira de carabina telescópica, um veículo marca Nissan, com a matrícula -OR, um veículo marca Renault, com a matrícula -GT e três outros veículos como um de marca Austin, um BMW antigo e um Renault 11 ou 9, quanto a estes, desconhecendo-se se a sua propriedade se encontra devidamente registada a favor do de cujus, ainda a quantia de 1.550,00 € de conta bancária, cujo único titular era o falecido e a soma de 400,00 € relativa à venda, efectuada pela R a terceiro de um gerador de corrente, que era também da propriedade do falecido), e o R mantém em sua posse uma moto BMW com a matrícula …II, também da propriedade do falecido, assim, considerando essas posses ilegítimas e de má-fé.

Regularmente citados, veio o R alegar, sumariamente, que se dedica ao exercício da actividade comercial de compra e venda de veículos motorizados, detinha um crédito sobre o falecido, os negócios da auto-caravana e da moto BMW foram distintos, o primeiro concretizando-se plenamente e, por isso, as AA litigam de má-fé. Em reconvenção, peticionou a condenação das AA a pagarem-lhe uma indemnização a “liquidar em execução de sentença”, mas nunca inferior a 3.000,00 €, devido à privação de disposição plena e livre daquela moto por causa de providência cautelar, assim como, por causa de tal litigância, em multa e indemnização a seu favor em montante igualmente a liquidar em execução de sentença.

Por sua banda, a R alegou, em síntese, a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade “material”, por as AA por não poderem peticionarem a nulidade de negócio contra si, e a ilegitimidade das AA.

Em sede impugnatória, afirmaram, em súmula, desconhecer certos factos, que o falecido, quando se divorciou foi viver em sua casa, desde 1998, onde está instalado o dito estabelecimento comercial, sendo ela quem o geria e explorava de forma individual e autónoma, a conta bancária citada tinha dinheiro seu e do falecido, afirmando-se sua “co-titular”. Mais frima que entregou às AA todos os bens que pertenciam ao falecido e alguns dos que são referidos no nº 8 da Petição Inicial, desconhece a sua existência, desconhecia a situação jurídica de veículos comercializados pelo falecido, sendo que era seu o veículo Renault Clio, com matrícula -GT bem como o veículo Nissan com matricula -OR, pelos motivos aduzidos nos nºs 26 a 54 da contestação. Quanto ao que se refere no nº 28 do articulado inicial, atinente com o estabelecimento comercial, os bens móveis do mesmo, mais que não fosse, foram por si adquiridos por usucapião. Adio que estes procedimentos judiciais lhe estão a causar danos patrimoniais e de natureza moral e, finalmente, que as AA litigam de má fé.

Termina deduzindo pedido reconvencional, para as AA sejam condenadas a reconhecerem: “que é única dona e exclusiva possuidora e legitima proprietária do dito estabelecimento comercial, constituído e integrado pelos bens que designou no nº 30 da contestação, abstendo-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício; o mesmo acontecendo com o recheio da sua casa de habitação, adquirido por via derivada (dois guarda fatos, mesa de cabeceira, cómoda e cama); com os veículos automóveis com as matrículas -OR (Nissan Navarra), desde 05.03.202, e -GT (Renault Clio), desde Dezembro de 2005, adquiridos por via derivada, no primeiro caso declarando-se ainda a caducidade do respectivo registo; com um telemóvel (Vitamina Sharp, 703); ser legítima contitular da conta nº …; bem como, a pagarem-lhe uma indemnização nunca inferior a 5.000,00 € por litigância de má fé e uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela restrição do direito de propriedade em consequência do decretamento da providência cautelar apensa; igualmente, a título subsidiário; que contribuiu com o montante de 15.000,00 € na aquisição no citado veículo de matricula -OR e a restituírem-lhe esse valor; que foram depositados na aludida conta 2.000,00 € pelo que restituírem-lhe esse valor, em ambos os casos, nomeadamente pelo mecanismo do enriquecimento sem causa; e ser a única e exclusiva possuidora e dona, quer por aquisição derivada quer por aquisição originária, assente na usucapião, de todos os bens móveis que compõem o aludido estabelecimento comercial referidos no citado nº 30.” Foi apresentada réplica relativamente a ambas as contestações, onde se respondeu à citada nulidade de ineptidão de petição inicial, à excepção de ilegitimidade e às reconvenções, requereu-se a ampliação da causa de pedir quanto à aceitação da herança, ao alegado no nº 5 da contestação e ao pedido de cancelamento de registo de propriedade de veículos, a título subsidiário, no que respeita designadamente à natureza da posse do falecido sobre os bens que se invocaram como dele, e, igualmente subsidiariamente, do pedido. No mais, mantendo a sua posição inicial, referiram também que a coabitação entre o falecido e a R foi iniciada em princípios de 1997 e, desde 24.05.2000, toda a facturação do estabelecimento era apresentada nos Serviços de Finanças em nome do falecido e, não obstante isso, todos os actos necessários à sua abertura foram requeridos pelo mesmo. Aceitaram e aceitam a herança do falecido, e dessume pedindo a qualificação da Ré como litigante de má fé, bem como o R, e que aquela age em abuso de direito.

A ampliação do pedido consistia em os RR serem condenados a reconhecerem que o falecido era o único dono e legítimo proprietário dos bens identificados nos nºs 8, 31, 36 e 42 da Petição Inicial, quer por via derivada quer por via originária assente na usucapião, e para a hipótese de alguns bens cuja restituição se peticiona não serem encontrados, serem condenados também numa indemnização por equivalente, a ser determinado em execução de sentença, assim como serem condenados como litigantes de má fé e considerar-se a R ter agido em abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio.

Os RR treplicaram, ambos persistindo nas suas posições que já haviam assumido nos articulados precedentes.

A fls. 382 a 385, vieram as AA requerer intervenção principal provocada de FF e GG, o que foi indeferido a fls. 443.

Foi proferido despacho saneador (fls. 444 a 460) onde foram admitidas as reconvenções, se rejeitou a ampliação do pedido e da causa de pedir formulados pelas AA, se julgou não haver ineptidão da Petição Inicial e não serem as partes ilegítimas, tendo-se fixado também os factos assentes e a Base Instrutória.

Apensos a estes autos, está a providência cautelar de arrolamento interposta pelas AA contra a R de que resultou o seu provimento (A, fls. 109 a 119) e o Recurso de Agravo, interposto pela R deste, que não obteve provimento (B). Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, altura em que AA e o R transigiram e foi proferida decisão sobre a matéria de facto, não se constatando qualquer reclamação (fls. 606 a 608, 679/680 e 684 a 697).

Foi prolatada sentença, na qual se julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo-se às AA a qualidade de herdeiras do citado falecido e condenando-se a R a reconhecer que o veículo com a matrícula -OR e a quantia de 1.550,00 € são propriedade da herança deixada por óbito daquele e, em consequência, condenando-se ainda a mesma a entregar...

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