Acórdão nº 289/09.0TTSTB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelLEONES DANTAS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA – EMPRESA de TRABALHO TEMPORÁRIO, SA, transitado em julgado o acórdão proferido por esta secção em 29 de Março de 2012, no recurso de revista em que aquela era recorrente, sendo recorridos BB PORTUGAL− COMPANHIA de SEGUROS, S.A., CC e DD, veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência daquele acórdão, nos termos dos artigos 763.º e 764.º do Código de Processo Civil, invocando que o mesmo se encontra em contradição com o acórdão desta 4.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2003, proferido no processo n.º 2555/2003, a que corresponde o n.º 03S2555, na Base de Dados da DGSI, referindo que aquele acórdão foi proferido sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.

Para tanto explicitou, em sede conclusiva, o seguinte: «A. Por Acórdão de 29/03/2012, decidiu esse Douto Tribunal confirmar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora a 8/11/2011, e, em consequência, responsabilizar a ora Recorrente pela reparação agravada dos danos emergentes de acidente de trabalho que vitimou trabalhador da Recorrente e cedido a empresa utilizadora.

  1. Fê-lo partindo do pressuposto de que o acidente que vitimou o sinistrado proveio da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte de terceiros e considerando que, dado o «risco de autoridade» que sobre a ora Recorrente impende, na qualidade de entidade empregadora, sobre ela deve recair, para efeitos do n.° 1 do artigo 18.° e do n.° 2 do artigo 37.°, ambos da LAT, a responsabilidade pela reparação agravada de acidente.

  2. No que respeita à questão da responsabilização agravada da ora Recorrente, enquanto ETT, pela violação de regras de segurança por parte de terceiros, esse Douto Tribunal afirmou que, face à disciplina legal que rege a relação jurídica do trabalho temporário, de acordo com a qual a empresa utilizadora exerce, por delegação, os poderes de autoridade e de direcção próprios da entidade empregadora, os actos daquela traduzem-se em actos da própria entidade empregadora, que a vinculam e responsabilizam.

  3. No seguimento do supra mencionado, esse Douto Tribunal veio ainda referir que, no âmbito da LAT, o vínculo obrigacional do qual emergem os direitos previstos na referida lei apenas se entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade empregadora ou/e a seguradora, por outro, concepção que decorre das teorias do "risco económico" ou do "risco profissional", de acordo com as quais quem beneficia da actividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo − real ou potencial − de autoridade/subordinação jurídica e económica deve também assumir a responsabilidade pela reparação dos sinistros que com ele ocorram, ainda que o acidente tenha sido causado por outros trabalhadores ou por terceiros.

  4. A decisão supra enunciada contradiz, no que respeita à questão de saber se é admissível atribuir-se a uma empresa de trabalho temporário uma responsabilidade agravada pelos danos decorrentes de acidente de trabalho que ocorreu sem culpa sua, mas sim de terceiros, o decidido no Acórdão de 93/12/2003, proferido pelo mesmo Douto Tribunal no Processo n.° 03S2555 e já transitado em julgado.

  5. Acórdão esse que se reporta a um caso em tudo idêntico ao do Douto Acórdão Recorrido e que foi proferido no âmbito da Lei n.° 2127, a qual, quanto às disposições que ao caso interessam, continha soluções em tudo idênticas às da LAT.

  6. Na verdade, o mencionado Acórdão é categórico ao afastar o entendimento de que a empresa utilizadora actua como representante da empresa de trabalho temporário, considerando-a antes como um terceiro em relação àquela, o qual, por efeito do contrato de utilização de trabalho temporário que com ela celebra, passa a assumir as responsabilidades da entidade empregadora no que se refere à execução do trabalho.

  7. Ainda de acordo com o mencionado Acórdão, a circunstância de a empresa de trabalho temporário se encontrar obrigada a garantir aos trabalhadores temporários um seguro contra acidentes de trabalho visa tão-só garantir ao trabalhador temporário a cobertura dos riscos de acidente de trabalho que possa sofrer ao serviço do utilizador, garantia essa que cobre as situações reparatórias provenientes de acidentes de trabalho que não ocorram por culpa do utilizador − e que envolvam, por isso, apenas uma responsabilidade objectiva.

    I. Finalmente, o referido Acórdão considera ainda absurdo que uma empresa de trabalho temporário, apenas porque cedeu um trabalhador a um dos empreiteiros encarregados da execução da obra, passasse a ser responsável pela avaliação de riscos e adopção de medidas de segurança e protecção desse trabalhador, concorrendo, nesse plano, com as funções que igualmente incumbiam ao empreiteiro relativamente ao pessoal do seu quadro efectivo.

  8. Salvo o devido respeito, andou mal esse Douto Tribunal ao não sufragar a tese anteriormente por si consagrada no Acórdão supra mencionado, pelas razões que se seguem.

  9. O artigo 11.° da RLAT, em vigor ao tempo do acidente, estabelece a regra geral de responsabilidade objectiva da entidade empregadora, a qual consagra a regra ubi comoda, ibi incomoda, que imputa à entidade empregadora, beneficiária da actividade do trabalhador, o risco das vicissitudes que este possa sofrer ao seu serviço.

    L. Neste contexto, o n.° 1 do artigo 37.° da LAT, tal como o n.° 1 da Base XLIII da Lei n-° 2127, instituiu para as entidades empregadoras a obrigatoriedade legal da transferência da responsabilidade pelo risco de acidentes de trabalho para entidades legalmente autorizadas, M. Sendo que o artigo 5.° da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, exclui do contrato de seguro os acidentes exceptuados pela legislação aplicável, os quais, à data do acidente, se encontravam dispostos nos artigos 18.°, n.° 1, e 37.°, n.° 2, da LAT (e, à data do acidente sub judice no Acórdão de 03/12/2003, nas Bases XVII, n.°s 1 e 2, e XLIII, n.° 4, da Lei n.° 2127) e que correspondem a situações de responsabilidade subjectiva − resultantes de actuação culposa ou de inobservância de regras de segurança − da entidade empregadora.

  10. Trata-se de situações em que, pelo facto de os acidentes não decorrerem dos riscos normais inerentes à actividade da empregadora, mas de um comportamento censurável da sua parte (actuação culposa ou inobservância de regras de segurança), o legislador entendeu devolver-lhe a responsabilidade pela reparação que havia sido transferida para a seguradora.

  11. Todavia, esta alteração das regras quanto à responsabilidade infortunística, pela sua gravidade e consequências, só pode ser admitida em situações excepcionais, não podendo extrapolar o estritamente previsto na lei.

  12. Pelo que a responsabilidade por uma reparação agravada só pode recair sobre a entidade empregadora (ETT ou não) nas situações em que essa entidade empregadora ou um seu representante (i) ajam culposamente ou (ii) não observem as regras de segurança, higiene e saúde no trabalho que sobre eles impendem, Q. Ficando necessariamente afastada a hipótese de, no domínio da LAT, bem como da Lei n.° 2127, sobre a entidade empregadora recair a responsabilidade pela inobservância de regras de segurança no trabalho por parte de quaisquer terceiros.

  13. Hipótese que seria absurda, injusta e ilegal, que mais não é que a transformação da mencionada responsabilidade objectiva/pelo risco numa responsabilidade agravada por actuação de terceiro, sem qualquer base legal.

  14. E que não se compreende, até porque o facto de se afastar a hipótese de fazer recair sobre a entidade empregadora a responsabilidade pela inobservância de regras de segurança no trabalho por parte de quaisquer terceiros não implica qualquer desprotecção do sinistrado ou dos seus familiares.

  15. Note-se aliás que, em caso de acidente simultaneamente de trabalho e de viação, tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência que a entidade empregadora é apenas responsável pela reparação infortunística, isto é, pelo risco.

  16. Sendo de perguntar qual a razão pela qual, estando em causa uma ETT, esta é onerada com uma responsabilidade agravada − resultante de acidente causado por terceiros − que não recai sobre outras entidades empregadoras − que, como se viu, não respondem de forma agravada por actos de terceiros, como os acima mencionados.

    V. Andou bem, portanto, esse Douto Tribunal quando, no seu Acórdão de 03/12/2003 decidiu no sentido de isentar a ETT da responsabilidade pelo acidente de trabalho provocado por culpa de terceiro.

  17. Quanto à equiparação da empresa utilizadora a representante da ETT para efeitos do artigo 18.° da LAT, tal como da Base XVII da Lei n.° 2127, trata-se de uma interpretação que extrapola o regime legal consagrado no RJTT, no qual não se vislumbra nenhuma atribuição de poderes de representação, tal como definida pelo artigo 258.° do CC, da ETT à empresa utilizadora.

    X. E nem sequer a representação imprópria, nomeadamente no âmbito de uma situação de comissão, nos termos do artigo 500.° do CC, é aceite, já que, na relação triangular que se estabelece no contrato de trabalho temporário, a ETT, não tendo qualquer conhecimento concreto ou técnico nem, consequentemente, qualquer possibilidade de controlo sobre o que se passa em obra, pelo que não dá nem pode dar quaisquer indicações à empresa utilizadora a esse respeito.

  18. Devendo portanto o conceito de representante ser entendido apenas como integrando a pessoa física que faz parte dos órgãos de direcção da entidade empregadora e enquanto age em seu nome, ou que, de algum modo, actue em representação porque detém mandato específico para tanto, ou porque age sob as suas ordens directas detendo uma posição superior na escala hierárquica da empresa.

  19. Importa também referir que uma interpretação que permitisse fazer recair sobre uma ETT, enquanto entidade...

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