Acórdão nº 00382/07.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução09 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “DT … , SA”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 17.05.2011, que no âmbito da ação administrativa especial deduzida contra o “MINISTÉRIO DA SAÚDE”, igualmente identificado nos autos, julgou improcedente a pretensão nela deduzida de condenação do R. a autorizar o pedido por si formulado em 11.05.2006 no quadro do DL n.º 95/95 de instalação dum PET/CT.

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 305 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões: “… As normas do Decreto-Lei n.º 95/95 de 9 de maio e as da Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/95 de 8 de junho são materialmente inconstitucionais por conterem, sem justificação credenciável, normas restritivas do direito à livre iniciativa económica privada, em violação do disposto nos artigos 61.º n.º 1, 17.º e 18.º, n.º 2 da CRP.

… A norma do art. 18.º, n.º 2 da CRP exige que as restrições impostas por lei sejam limitadas ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos - princípio da proporcionalidade - o que no caso presente não foi de todo considerado, dado que não existe nas normas citadas qualquer justificação para os rácios adotados.

… De qualquer forma, os referidos diplomas enfermam de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nos arts. 165.º, n.º 1 alínea b), 61.º, n.º 1 e 17.º da CRP, uma vez que estando em causa direitos fundamentais dos cidadãos, o governo só poderia legislar sobre esta matéria com autorização da Assembleia da República que inexiste no presente caso.

… Mesmo que, assim não se entendesse, sempre os referidos atos normativos - Decreto-lei n.º 95/95 e RCM 61/95 - seriam inconstitucionais por clara violação do princípio da tipicidade consagrado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 112.º da CRP.

… A nossa Constituição, não permite que a lei remeta para ato normativo atípico, como é a Resolução do Conselho de Ministros a sua regulamentação.

… Tal comportamento é particularmente chocante quando está em causa a limitação de um direito fundamental sujeita a especiais condicionamentos - art. 18.º, n.º 2 da CRP.

… Por outro lado, o despacho que indeferiu o pedido da Dt. ... fez uma errada aplicação dos rácios contidos na RCM 61/95.

… Deste diploma resulta que o rácio não é definido em termos rígidos, mas como critério de referência (um aparelho por cerca de 1000 000 de habitantes) que deve ceder sempre que existam condicionantes com reflexos na coerência do planeamento dos serviços.

… Ora considerando: - que o que está em causa é a instalação de um PET/CT com um potencial de diagnóstico muito superior ao PET simples único existente em 1995; - que a população existente na ARS excede atinge 2,4 milhões de habitantes, excedendo em 400.000 os limites considerados adequados de um PET por um milhão de habitantes, uma vez que na zona da ARS só existem dois equipamentos deste tipo; - que o PET tem hoje uma procura exponencialmente superior ao que acontecia em 1995, tornando obsoleto o rácio fixado … Deverá utilizar-se a flexibilidade dos limites fixados para autorizar a instalação do equipamento requerida pela ora recorrente.

… A decisão recorrida não cumpre o «pressuposto vinculado» de ser instalado um aparelho de tomografia de emissão de positrões, por cada 1.000,000 de habitantes (rectius por «cerca» de 1.000,000 de habitantes).

… O espírito deste pressuposto é o de que o legislador considerou que, cada PET teria capacidade para assegurar, na valência respetiva, os cuidados sanitários de uma população de 1 milhão de habitantes, o que não acontece com um dos dois PETS instalados em Coimbra, principalmente afeto à investigação.

… Esta questão não é da livre apreciação da Administração, fora da competência do tribunal, mas está dentro da competência deste para apreciar da forma como a Administração cumpriu o referido «pressuposto vinculado».

… Aquele pressuposto não é cumprido pela simples verificação naturalística de que foram instalados 2 PETS numa área em que existem 2,4milhões de habitantes, exigindo-se a análise da sua efetiva capacidade, face aos termos em que foi autorizado, de preencher as necessidades dessa população.

… Como resulta dos respetivos Estatutos e Regulamento Interno (Docs. n.º 1 e 2) o PET instalado no ICNAS da Universidade de Coimbra destina-se no essencial à investigação, embora possa também «prestar serviços especializados de saúde, no domínio das aplicações biomédicas das radiações».

… Quer isto dizer que, nunca por nunca, o PET do ICNAS poderá cobrir as necessidades de um outro PET totalmente dedicado a fins assistenciais.

… Sendo assim, só por mera ficção jurídica se pode considerar que os 2 PETS existentes na ARS de Coimbra podem preencher o pressuposto da cobertura de mais de 2,000,000 de habitantes.

… Ao decidir em contrário a sentença recorrida viola o disposto do art. 1.º da RCM 61/95.

… Por outro lado, os rácios estabelecidos pelo legislador pretendem estabelecer uma articulação entre o Estado e a iniciativa privada.

… A decisão de indeferir o pedido da recorrente não respeita igualmente este princípio porque, no caso da área geográfica da ARS do Centro, ficam as entidades privadas totalmente excluídas da utilização deste meio de diagnóstico.

… Nos termos da alínea b), do n.º 3 do artigo 64.º da CRP, para assegurar o direito à proteção da saúde incumbe prioritariamente ao Estado «Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde».

… À luz dos princípios expressos nos n.ºs 1 e 4 da Base I e d) da Base XXIV da Lei de Bases da Saúde e designadamente do princípio da articulação - que só pode significar coexistência - entre entidades públicas e privadas, não pode deixa de se entender que prevista «coerência do planeamento nos serviços» sai prejudicada com o monopólio, por entidades públicas, de equipamentos médicos como o PET CT.

… Assim, sempre seria de considerar que a coerência do planeamento dos serviços, ao pressupor a convivência entre entidades públicas e privadas deveria sempre determinar o deferimento da pretensão da DT. ..., ao abrigo do disposto no n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/95.

… Consequentemente, a decisão de indeferimento do pedido da DT. …, representa uma séria lesão do interesse público, do interesse dos utentes, e dos igualmente legítimos interesses da DT. … e viola o disposto nos artigos 17.º, 18.º, 61.º e 165.º da CRP, bem como o n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/95, contrariamente ao que foi considerado na douta sentença recorrida.

… Nestes termos e no mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e condenar-se o recorrido à prática do ato de deferimento do pedido da A. para instalação de um PET/CT em Coimbra, conforme é pedido na petição inicial …”.

O ente público R., ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 345 e segs.

) nas quais conclui pela manutenção do julgado sem, todavia, haver terminado com qualquer quadro conclusivo.

A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer parecer (cfr. fls. 367 e segs.

).

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

    As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a pretensão condenatória formulada incorreu em erro de julgamento por infração ao disposto nos arts. 17.º, 18.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, 64.º, n.º 3, al. b), 112.º, n.ºs 5 e 6 e 165.º, n.º 1, al. b) todos da CRP [inconstitucionalidades materiais e orgânica de vários dos normativos do DL n.º 95/95, de 09.09], 02.º e 03.º do DL n.º 95/95, 01.º e 02.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/95, de 08.06, bem como dos n.ºs 1 e 4 da Base I e d) da Base XXIV da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24.08) [cfr. alegações e conclusões de recurso supra reproduzidas].

  2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Resulta da decisão judicial recorrida como assente com interesse para a decisão da causa a seguinte factualidade: I) A A. remeteu, com data de 11.05.2006, ofício à entidade demandada, solicitando “… de acordo com o Decreto-Lei n.º 95/95, de 9 de maio formalizar o pedido de instalação de um equipamento de Tomografia de Emissão de Positrões com sistema de atenuação por TAC (PET/CT) marca SI. …, modelo BI. …, num espaço imediatamente contíguo às nossas atuais instalações …” (fls. 91); II) A A. foi ouvida, para efeitos do artigo 100.º do CPA, sobre projeto de decisão de indeferimento da sua pretensão (fls. 93-95 que aqui se dão como inteiramente reproduzidas); III) A A...

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