Acórdão nº 00356/12.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: IC. … veio intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 29 de Junho de 2012, a fls. 70-78, pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória de impropriedade do meio processual suscitada pelo Requerido Ministério da Educação e Ciência na intimação para protecção de direitos liberdades e garantias que tinha deduzido, e, em consequência, ordenada a convolação em providência cautelar.
Invocou para tanto, e em síntese, que: o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar não verificados no caso concreto, em que está em causa o acesso ao ensino superior, os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos liberdades e garantias e que a tutela cautelar é suficiente para alcançar a finalidade pretendida; adiantou que a sentença é nula dado que se impunha, no mínimo, a pronúncia sobre o pedido, formulado a título subsidiário, de decretamento provisório de medida cautelar; finalmente pede que o Tribunal aprecie em substituição do tribunal recorrido o pedido de intimação, julgando-o procedente.
O Recorrido veio contra-alegar defendendo que o que está em causa é a desaplicação de uma norma legal, para o que são absolutamente incompetentes os tribunais administrativos, sendo que a Autora pretende obter, por outro meio com uma tutela mais intensa aquilo que não conseguiu noutra acção intentada em coligação e em que o Recorrido foi absolvido precisamente pela incompetência absoluta do Tribunal; adianta que está aqui em causa o princípio da separação de poderes; quanto ao mérito do recurso jurisdicional, pugnou, pela manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho a anunciar o propósito de revogar a decisão recorrida e conhecer de mérito nos termos pretendidos pela Recorrente.
Veio o Recorrido reiterar a questão da incompetência absoluta do Tribunal.
Ouvida sobre esta questão a Recorrente veio pugnar pela respectiva improcedência mantendo os seus argumentos quanto à questão de fundo.
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de improceder a questão prévia da incompetência dos tribunais administrativos; quanto ao mérito do pedido, a ser conhecido no seu entender, como anunciado, não assumiu posição.
* Cumpre decidir.
* São estas as conclusões das alegações do recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: 1ª Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo começa por incorrer em flagrante erro de julgamento quando entendeu não estarem preenchidos os pressupostos do recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias com o argumento de que o acesso ao ensino superior não constitui um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Na verdade, 2ª É o próprio aresto em recurso a reconhecer que “nos presentes autos está em causa a possibilidade de a requerente concorrer ao curso de Medicina”, pelo que é por demais evidente que em causa estava a concessão de tutela para os direitos à liberdade de aprender e ensinar e de acesso ao ensino superior, consagrados nos artigos 43º e 74º e 76º da Constituição, os quais são assumidamente reconhecidos como direitos de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias (v. neste sentido, Ac. do TCAS de 12-01-2012, proc. nº 08038/11, em www.dgsi.pt, Acº do TCA-Norte de 13-08-2007, Proc. nº 02837/06.8BEPRT, Acº de 19-07-2007, Proc. nº 02840/06.8BEPRT, e Acº de 5-07-2007, proc. nº 02834/06.3BEPRT, em www.dgsi.pt).
Acresce que, 3ª A circunstância de a requerente já ter ingressado no ensino superior e se voltar a candidatar a outro curso do ensino superior não retira a natureza de direito, liberdade e garantia ao direito de acesso ao ensino superior nem lhe confere qualquer capitis diminutio em termos de candidatura, pois não só está a exercitar um direito que por lei lhe é conferido – o de se voltar a candidatar ao ensino superior – como é a própria jurisprudência deste douto Tribunal a reconhecer que é justamente a eventualidade de ter de mudar de curso sem que haja uma decisão definitiva sobre a questão que torna premente o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (v. Ac. deste douto Tribunal de 13-08-2007, Proc. nº 01600/06.0BEVIS).
Para além disso, 4ª O aresto em recurso enferma ainda de um claro erro de julgamento ao considerar que a tutela cautelar era suficiente para acautelar o direito de acesso ao ensino superior que a requerente pretendia tutelar através da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, uma vez que estando em causa o acesso ao ensino superior e ao curso de Medicina é imperioso que as “regras do jogo” – v.g. que exames têm de ser feitos e como se calcula a média final do secundário -” sejam claras e precisas e o acesso ao ensino superior se faça com base em tais regras e não com base em regras que podem ser provisórias e estão dependentes de confirmação no processo principal, cuja conclusão, infelizmente, pode demorar muitos anos a ser alcançada.
Na verdade, 5ª Estando em causa a efectivação do direito de acesso ao ensino superior, a nossa mais autorizada jurisprudência tem sucessivamente concluído que o recurso à tutela cautelar não assegura em tempo útil o exercício daquele direito fundamental, pelo que é notório que o aresto em recurso nem sequer teve em consideração a jurisprudência deste douto Tribunal (v., entre outros, os Acs. do TCA-Norte de 13-08-2007, Proc. nº 01600/06.0BEVIS, e de 12-03-2009, Proc. nº 02236/08.7BEPRT, em www.dgsi.pt).
Aliás, 6ª- A tutela cautelar é caracterizada pela instrumentalidade e provisoriedade, pelo que seguramente não garante o exercício em tempo útil do direito de acesso ao ensino superior, justamente por o tempo útil de exercício de tal direito ser no momento em que se efectiva a candidatura e não dois, três, quatro ou cinco anos depois, como sucederá se a questão em análise nos presentes autos for decidida através de uma providência cautelar e tiver que aguardar o desfecho da acção principal.
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Ora, na situação sub judice está em causa efectivar uma candidatura ao ensino superior e ao curso de Medicina, para a qual é de todo relevante determinar como se efectua a avaliação e como se calcula a média de acesso a tal curso, pelo que a tutela de tal direito reclama que se decida de imediato tal questão, de forma a que “as regras do jogo” sejam claras e precisas e o acesso ao ensino superior se faça com base em tais regras e não com base em regras que podem ser provisórias e estão dependentes de confirmação no processo principal cuja conclusão, infelizmente, pode demorar muitos anos a ser alcançada.
Por fim, 8ª Mesmo que por hipótese se entendesse que em causa não estava um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias ou que o recurso à tutela cautelar era suficiente para assegurar o exercício do direito de acesso ao ensino superior em tempo útil, sempre o aresto e recurso enfermava da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC – não decidindo uma questão que lhe competia decidir, uma vez que não se pronunciou sobre o decretamento provisório da medida cautelar que lhe fora requerida a título subsidiário - ou, pelo menos, incorria em notório erro de julgamento - uma vez que, no mínimo, impunha-se o decretamento provisório da tutela cautelar, uma vez que se procedera a uma alteração das “regras do jogo” a poucos dias de se efectivar o direito de acesso ao ensino superior.
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Não obstante o Tribunal a quo não ter conhecido do mérito da intimação, tem este douto Tribunal o poder de conhecer e decidir o objecto da causa ex vi do artº 149º do CPTA, devendo julgar a presente intimação procedente por as alterações introduzidas pelo DL nº 42/2012, a meio do ano lectivo e a escassos meses de se realizar o acesso ao ensino superior, serem inconstitucionais por violação do princípio da confiança e da igualdade, no segmento em que não criam um regime transitório e são aplicáveis aos alunos que já haviam iniciado o percurso académico ao abrigo do regime anterior (neste sentido, veja-se a propósito de situações similares o. Acº do STA de 13/7/2011, Proc. nº 345/11, in CJA nº 89, pág. 76., o Acº do TCA Sul de 23/11/2011, Proc. nº 8139/11, in CJA, nº 91, pág. 86, e o acº do TCA-Norte de 13-08-2007, Proc. nº 01600/06.0BEVIS, em www.dgsi.pt).
* I - Matéria de excepção e questões prévias.
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Questão nova suscitada nas alegações pelo Réu; processo anterior.
O Réu, nas suas alegações a fls. 119 e seguintes sob a epígrafe “questão prévia” vem suscitar matéria susceptível de obstar ao conhecimento de mérito, designadamente, que a Autora já deduziu outra acção (processos n.º 922/12.6 BEPRT) com um pedido de suspensão da eficácia relativamente ao mesmo objecto, as normas aqui em causa, acção essa que, como outras, teve como resultado a absolvição do Réu da instância, por incompetência absoluta do tribunal.
Sobre esta matéria cabe referir o seguinte: Vem-se entendendo, de modo uniforme, que em sede de recurso jurisdicional apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso – neste sentido ver a título de exemplo os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254709.7 BEMDL, e de 08-07-2012, no processo 00215/98 – Porto.
Quanto às questões de conhecimento oficioso dispõe o artigo 87.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: 1 - Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva:
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Conhecer obrigatoriamente, ouvido o autor no prazo de 10 dias, de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo; (…) 2 - As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as...
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