Acórdão nº 0450/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A……., casada, residente na …….. nº…… – ……. – 1050 – …… Lisboa, intentou acção administrativa especial contra o Sr. Procurador Geral da República para anulação do seu despacho de 19.12.2008 que lhe aplicou a pena de demissão e para a sua reintegração nos quadros respectivos da função pública.

Por acórdão do STA de 26/1/2012 foi julgada improcedente a acção e, por consequência, absolvido o Réu do pedido.

A recorrente não se conformando com este acórdão do mesmo interpôs o presente recurso para este Tribunal Pleno terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 - Que assim deu lugar à total falta de pressupostos em matéria de facto.

2 - A qual não se mostra devidamente fundamentada.

3 - Pois o douto acórdão recorrido se limita a enunciar factos, os quais apenas declara provados.

4 - Não enunciando, sequer, um único motivo, ou sequer, uma prova que tenham levado ao convencimento a dar aqueles factos como provados.

5 - Não constando do douto acórdão, consequentemente, qualquer análise crítica das provas que, nem sequer, discrimina.

6 - E, especialmente, não explica o douto acórdão, porque foram valorados os factos enunciados em detrimento de outros, nomeadamente, os enunciados pela autora que, por referência pontual a todos os artigos do Relatório Final, que integra o acto administrativo que pela presente acção administrativa especial, impugnou os factos que lhe haviam sido imputados.

7 - Cabendo, assim, proceder no douto acórdão recorrido à respectiva apreciação crítica dos argumentos que, em relação aos factos, a autora aduziu nos pontos 172° a 574° da Petição Inicial.

8 - Debalde se procurando tal apreciação no douto acórdão recorrido.

9 - Nem apreciação crítica, nem sequer qualquer referência, tudo se passando como se toda aquela parte daquela peça processual não existisse sequer.

10 - Ora, a falta de apreciação crítica dos argumentos e provas apresentados valem como falta de fundamentação.

11 - O dever de fundamentar impõe que a decisão explique, de forma clara, por que razão se formou convencimento da versão apresentada por uma parte e não da versão apresentada pela outra. (Ac. RL, de 16/6/2004; BTE, 2ª Série, nºs 1-2-3/2006, pág.96).

12 - Pois a decisão judicial não pode constituir um acto arbitrário, mas sim a concretização abstracta da lei a cada caso, atentas as suas especificidades — o que o douto acórdão, manifestamente não fez.

13 - Efectivamente, o douto acórdão recorrido teceu as considerações sobre a conduta da autora, ora recorrente, no que tange ao seu desvalor subjectivo, como pode constatar-se da transcrição feita supra em IV e V.

14 - Porém, no que respeita ao desvalor objectivo subjacente a tais condutas, certo é que o não faz, concluindo apressadamente pela impossibilidade de subsistir a relação funcional.

15 - Por outro lado, o douto acórdão recorrido, não tendo feito uma apreciação crítica das provas, mostrando de forma clara como admitiu os factos, mais não faz do que uma simples constatação da prática do que implicitamente considera infracção.

16 - Preenchendo, assim, com aquela simples constatação, apenas um dos elementos essenciais do ilícito disciplinar, que corresponderá à ilicitude da conduta, como elemento objectivo.

17 - Todavia, tal constatação não basta para conduzir à punição já que, sem culpa que constitui o outro elemento essencial da infracção, não há facto disciplinarmente relevante, não podendo, consequentemente, haver responsabilidade disciplinar.

18 - Neste enquadramento, a culpa não se analisa na simples e fria verificação da prática da infracção, mas antes na indagação das circunstâncias pessoais do arguido que o levaram à prática do facto.

19 - O que só uma apreciação dos factos, feita através do exame crítico das provas que os justifiquem, nos termos impostos, entre outros, pelos arts. 158º e 659° do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis nos termos do artº140° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos CPTA), teria permitido realizar.

20 - E o que a simples adesão aos fundamentos alegados por qualquer das partes, sem concreta justificação, não logrou concretizar.

21 - O que teria sido, aliás, imprescindível até para apurar o grau de responsabilidade que à recorrente, enquanto arguida no Processo Disciplinar em apreço no douto acórdão recorrido, devia ser imputada.

22 - Pois que a culpa não se presume com base no conteúdo da própria infracção.

23 - Não tendo o douto acórdão, aliás também nesta matéria da culpa, tecido qualquer consideração, nem mesmo em relação às circunstâncias pessoais/ institucionais, versus conduta da ali arguida ora recorrente.

24 - Tendo, assim, o douto acórdão recorrido presumido a culpa que, afinal pela apreciação dos factos, e através do exame crítico das respectivas provas, de forma consequentemente justificada, devia ter equacionado.

25 - Pelo que o douto acórdão recorrido não se encontra fundamentado no que respeita à culpa da arguida no processo disciplinar, ora recorrente, pois do mesmo não resulta a razão pela qual se considera dolosa a sua conduta.

26 - Assim como não resulta do douto acórdão recorrido uma relação de causa-efeito entre essa culpa e a pena aplicada, com referência aos pressupostos de aplicação da mesma, isto é, a impossibilidade de subsistência da relação funcional.

27 - Não basta a subsunção pura das condutas aos dispositivos plasmados no Estatuto Disciplinar, exigindo-se que dessa culpa resulte a necessidade daquela extinção da relação funcional devendo, assim, resultar imputada, numa relação de causa-efeito, como dito supra, que obrigatoriamente deve constar da fundamentação do douto acórdão.

28 - O que se escreveu no douto acórdão não pode, pois, constituir fundamentação suficiente que suporte a decisão nele tomada.

29 - A falta de fundamentação constitui nulidade do acórdão, nos termos do disposto no artº668° n°1, alínea b) do CPC.

30 - O dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional no nº1 do artº205° da CRP, à qual subjaz o conceito normativo ínsito que o citado artº668° do CPC realiza e que, quando interpretado em sentido que afaste aquela obrigação de fundamentação das decisões judiciais no sentido que ao longo do presente recurso se vem interpretando como adequada a concretizar aquele conceito, viola a referida norma da CRP, inconstitucionalidade que aqui desde já se argúi.

31 - Por outro lado, como supra dito, o douto acórdão recorrido não faz referência clara à forma como considera provados os factos, sendo, assim, notoriamente deficiente a decisão de facto tomada, que a recorrente reputa de obscura.

32 - E especialmente porque, como supra também dito, em nada foi tido em consideração o que, ponto por ponto, indicou na petição inicial, relativamente aos factos que integram o acto administrativo decisório e que pela presente acção, a ora recorrente impugnou.

33 - Pelo que aqui, a ora recorrente requer que, nos termos do artº721° do CPC, seja anulada a decisão de facto, devendo a mesma ser, consequentemente, renovada e tomadas todas as diligências probatórias necessárias e com vista ao apuramento da verdade material, de modo a que se venha a constituir base de facto suficientemente provada para poder sustentar a decisão jurídica do pleito.

34 - No que às questões substantivas respeita, e consequente aplicação do direito, considera, desde logo, a ora recorrente que o douto acórdão revela não ter sido entendido o que se explanou na petição inicial, relativamente à questão da competência de Sua Excelência o Conselheiro Procurador-Geral da República, para a prática do acto administrativo impugnado.

35 - Estando, por consequência, o acto administrativo ferido de usurpação de poder, dado que, efectivamente, à luz do anterior “Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local” (ED), aprovado pelo Decreto-Lei nº24/84, de 16 de Janeiro, aplicável ao Processo Disciplinar objecto da presente acção administrativa especial, o Procurador-Geral da República não tinha competência para aplicar à arguida, ora Recorrente, a pena máxima de demissão.

36 - Com efeito, nos termos do artº17° nº4, daquele ED, as penas expulsivas só podiam ser aplicadas pelos Membros de Governo que, assim, detinham, consequentemente, a exclusiva competência para aquele efeito.

37 - Competência exclusiva que assim se manteve até à entrada em vigor do novo “Estatuto Disciplinar dos Funcionários Que Exercem Funções Públicas” (ED), aprovado pela Lei nº58/2008, de 9 de Setembro, por força do qual a competência para aplicação de penas expulsivas, passou a caber aos dirigentes máximos dos Serviços.

38 - Com a entrada em vigor, ainda no domínio do ED anterior (DL. nº 24/84, de 16 de Janeiro), das alterações ao Estatuto do Ministério Público (EMP), Lei nº 60/9 8, de 27 de Agosto, ao Procurador-Geral da República vieram a ser conferidos, por norma ad hoc daquela Lei, determinados poderes, a exercer em relação aos Funcionários da Procuradoria-Geral da República, incluídos na competência de Ministro, poderes estes já antes conferidos ao Procurador-Geral, mas incluídos na competência de Director-Geral.

39 - A alteração assim operada conferiu, pois, ao Procurador Geral da República, como do artº12° nº2, alínea 1) daquele EMP se constata, o poder de “Exercer sobre os funcionários dos serviços de apoio técnico e administrativo da Procuradoria-Geral da República, e dos serviços que funcionam na dependência desta, a competência que pertence aos Ministros, salvo quanto à nomeação”.

40 - A letra do preceito assim alterado ressalva, expressamente, a “nomeação” por razões que o legislador entendeu dever salvaguardar, ou seja, não é automática a atribuição, ao Procurador-Geral da República, de todos os poderes de Ministro, passando a ter apenas, os poderes que os Ministros até aí detinham em relação aos Funcionários referidos no preceito supra transcrito.

41 - Todavia, o...

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