Acórdão nº 0803/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | PIRES ESTEVES |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A……, Magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora Adjunta, a exercer funções na Comarca de …, residente na ……, …., 5050-… Peso da Régua, intentou contra o Conselho Superior do Ministério Público (doravante, CSMP) a presente acção administrativa especial de impugnação da deliberação do CSMP de 8/4/2011 que indeferiu a reclamação da deliberação da Secção Disciplinar do mesmo CSMP de 25/1/2011 e confirmou a aplicação de uma sanção de inactividade pelo período de 12 meses, por estar inquinada com vários vícios.
Contestou o réu CSMP, defendendo que, por não se verificar nenhum dos vícios invocados, deve a acção ser julgada improcedente.
No saneador o tribunal foi julgado competente, as partes legítimas e que os autos continham todos os elementos para decisão.
Notificada a autora para apresentar alegações escritas, nos termos do artº91º nº4 do CPTA, a mesma não as apresentou.
Nas suas alegações o réu formula as seguintes conclusões: 1ª – Pretende a autora a anulação da deliberação punitiva, à qual vêm imputados os vícios de: a)-violação do princípio da proporcionalidade, porque a pena escolhida e a sua medida concreta se mostram excessivas (arts. 15º a 28º, inclusive, da PI); b)-violação de lei, designadamente, do artigo 9º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (doravante, ED), aprovado pela Lei nº58/2008, de 9/9 (arts. 29º a 45º, inclusive, da PI); c)-prescrição do (direito de instaurar) procedimento disciplinar, por ter decorrido o prazo fixado no artigo 6º nº2 do ED, quando foi determinada a instauração do procedimento disciplinar (arts. 46º a 102º, inclusive, da PI).
2ª-A materialidade recolhida no âmbito do processo disciplinar (e do inquérito que o precedeu) consubstancia a violação dos deveres profissionais de obediência, zelo, prossecução do interesse público e lealdade.
3ª-A violação de tais deveres integra infracções disciplinares graves, previstas no artigo 3º nº2, alíneas a), e), f) e g) nºs 7 e 8 do ED, aplicável “ex vi” arts. 108º e 206º, ambos do Estatuto do Ministério Público (EMP, doravante), aprovado pela Lei nº47/86, de 15/10, na redacção introduzida pela Lei nº60/98, de 27/8.
4ª-A sanção aplicada e a sua medida concreta correspondem, no caso, à gravidade dos factos assentes – abundantemente evidenciada na deliberação punitiva – e das infracções que eles integram e que o EMP, não o CSMP, no seu artigo 183º manda punir com pena de «inactividade», que se doseou no seu limite mínimo, nos termos do artigo 170º nº3 do mesmo estatuto.
5ª-O acto punitivo respeitou o critério de censura de condutas idênticas, para cumprir e assegurar um poder disciplinar justo e equitativo.
6ª-A medida concreta encontrada mostra-se adequada e justa. Por isso, improcederá o vício de violação do princípio de proporcionalidade. De resto, 7ª-A escolha das penas e da sua concreta medida inscrevem-se no exercício de uma actividade discricionária, o que permite que no desempenho dessa tarefa o CSMP actue com significativa liberdade, de modo a avaliar os elementos ao seu alcance que não tenham valoração fixada na lei, de acordo com o seu critério. Por isso, 8ª-A decisão punitiva só é sindicável em caso de existência de erro manifesto ou grosseiro, o que não ocorre na situação em presença.
9ª-A este propósito, a doutrina recente e unânime do Supremo Tribunal Administrativo é a vertida no Acórdão do Pleno de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo nº916/09, segundo a qual o ED aprovado pela Lei nº58/2008, de 9 de Setembro, apenas é aplicável subsidiariamente aos Magistrados do Ministério Público, não tendo sido revogado o regime de aplicação de penas previsto no seu Estatuto, designadamente no que respeita ao elenco das penas neste previstas, que sobrevive, sem interferência da alteração introduzida no elenco daquele.
10ª-O novo ED não é aplicável directamente aos trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial - artigo 1º, nº3, al.d) - entre os quais se contam os Magistrados do Ministério Público.
11ª-“Essa não aplicação directa tem, aliás, plena correspondência com o artigo 216º do EMMP, dispondo sobre a aplicação meramente subsidiária do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, hoje o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº58/2008” – sic: Acórdão do Pleno do STA acima referido.
12ª-A Senhora Magistrada autora defende que o direito de instaurar o procedimento disciplinar relativamente aos factos que praticou está prescrito, quer por ter decorrido o prazo de um ano, previsto no nº1 do artº6º do ED, sobre a prática de alguns factos, quer por ter decorrido o prazo de 30 dias previsto no nº2 da mesma norma, sobre o conhecimento de todos os factos com relevância disciplinar, pela sua hierarquia mediata.
13ª-A Senhora Magistrada autora confunde factos com infracções, sendo a estas e não àqueles que é verificável a prescrição do procedimento disciplinar ou do direito de o instaurar: cfr. artigo 6º, nºs 1 e 2, do ED. Depois, 14ª-O momento relevante para a determinação do termo inicial do prazo de prescrição é o do conhecimento da falta, não dos factos. Acresce que 15ª-Só releva para efeitos de contagem dos prazos de prescrição, o conhecimento da infracção pela entidade com competência para instaurar procedimento disciplinar.
16ª-No caso da Magistrada do Ministério Público, só o Procurador-Geral da República e o CSMP têm competência (simultânea) para determinar a instauração de inquéritos e de processos disciplinares, nos termos dos arts. 12º nº2, al.f), 15º nº1 e 27º, alíneas a) e g), todos do EMP. Por isso, 17ª-Não é aplicável aos procedimentos disciplinares de Magistrados do Ministério Público a norma do artigo 6º do ED. Na verdade, 18ª-O artigo 1º nº3 do ED exceptua da sua aplicação os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial, como acontece com o Ministério Público, sendo certo que a aplicação subsidiária prevista no artigo 216º do EMP ocorre em tudo o que não for contrário a este Estatuto. E, 19ª-A norma do artigo 6º do ED, que tem de ser conjugada com o seu artigo 29º nº1 (segundo a qual é competente para instaurar procedimento disciplinar contra os respectivos subordinados qualquer superior hierárquico, ainda que não seja competente para punir), conflitua com o regime de competência para esse efeito, consagrado no Estatuto (especial) do Ministério Público.
20ª-Posto então que o “dies a quo” dos prazos de prescrição do procedimento disciplinar e do direito de o instaurar é o do conhecimento da falta – não dos factos – pelo PGR ou pelo CSMP.
21ª-Quer se defenda a prática de 9 infracções - cfr. artigos 31º a 71 da contestação - quer se entenda que a Senhora Magistrada autora praticou uma infracção continuada - cfr. - artigos 72 a 77 da contestação – não prescreveu o procedimento disciplinar, nem o direito de o instaurar.
Vêm os autos à conferência após os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Resultam dos autos, e com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1-A…… é Magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora Adjunta, a exercer funções no Tribunal Judicial da comarca de …… .
2-Por despacho do Sr. Vice-Procurador-Geral da República de 4/5/2010 foi ordenado que se procedesse a inquérito Pré-disciplinar nº15/2010-RMP I, tendo por objecto a averiguação do apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, decorrente da existência de atrasos processuais verificados na organização do Inquérito nº163/07.4... (fls. 62 a 64 do I volume do PI).
3-Por acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de 31/5/2010 foi ordenada a abertura de um inquérito, nos termos do artº211º nº1 do EMP, com vista “a averiguar as razões que determinaram os referidos atrasos e eventual responsabilidade disciplinar da Magistrada pelo sucedido” (fls.101 do Apenso A).
4-Em 22/11/2010 contra a Sra. Procuradora-Adjunta foi deduzida a seguinte acusação (fls. 401 e ss. do PA-2º Vol.): 1º A Lic. A…… é magistrada do Ministério Público desde 16/9/94, exercendo funções como Procuradora-Adjunta desde 1/6/1996.
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Após breves passagens pelas comarcas de …… (estagiária), ……, ……, …… e ……, encontra-se ininterruptamente ao serviço da comarca de .., desde ……. .
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Anteriormente, exerceu funções como substituta do Procurador-Adjunto nas comarcas de …, desde ……. até ……; - ……, desde …… até ……; - ……, desde ….. até ……; - ……, entre …… e …… (cf. fls. 77 e 78).
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Possui como classificações de serviço as notações de “Bom”, atribuída pelo Conselho Superior do Ministério Público, em 05.06.02, pelo seu desempenho como Procuradora-Adjunta na comarca de …… e de “Suficiente”, em 21.01.08, pelo seu desempenho na mesma condição e na mesma comarca.
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Actualmente, a Lic. A……., para além do serviço de turno semanal (urgente, expediente e de atendimento ao público), assegura a representação do Ministério Público (MP) junto do 2° Juízo do Tribunal Judicial de …… e a direcção de 50%, por distribuição aleatória do sistema “Habilus” dos processos próprios do MP (inquéritos, processos administrativos, averiguações oficiosas de paternidade, processos especiais [DL. nº272/01, de 13.10] e inquéritos tutelares educativos).
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Em 15.02.07 foi autuado o inquérito NUIPC 163/07.4……, com o objecto de proceder à investigação de factos denunciados em 14.02.07 por “B……, Lda.”, com sede em ……, Tarouca, susceptíveis de integrar a prática de crimes de abuso de confiança agravado p.p. pelo art. 205° n°1 e 4, al. b) e n°5, do Código Penal, dos quais era suspeito C…… (fls. 13 e segs., do Apenso B), o qual foi distribuído à Lic. A……. que, desde então, passou a assumir em exclusividade a sua condução.
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Numa primeira abordagem, sob despacho inicial da Sr.ª Procuradora-Adjunta, estrategicamente concentrado e exaustivo em termos de diligências (interrogatório de arguida; 6 testemunhas; 12 cartas precatórias) o processo evoluiu sem irregularidades até 11.07.07, sendo as diligências cumpridas na totalidade.
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Todavia...
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