Acórdão nº 027/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão daquele TCAS, de 27.10.11, que, negando provimento ao recurso principal, que interpôs, e concedendo provimento ao recurso subordinado, interposto pelo recorrido A……, decidiu rectificar a sentença recorrida quanto à matéria de facto e absolver da instância esse mesmo recorrido, réu na acção administrativa especial, com processo urgente, proposta pelo ora recorrente, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, nos termos dos arts 11 e 15, da Lei 27/96, de 1.8, para perda de mandato daquele recorrido, Presidente da Câmara Municipal de ….

Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: 1. O artigo 150.º do CPTA admite o recurso de revista quando: a) A questão a apreciar possa ser considerada de «importância fundamental», em atenção à sua «relevância jurídica ou social», ou b) Seja claramente necessário para uma «melhor aplicação do direito».

2. Numa interpretação jurídica sem precedentes na nossa jurisprudência (contrária ao entendimento sufragado pelo STA no acórdão de 12/1/1995 - Processo n.º 036434), o acórdão recorrido inviabiliza a possibilidade de o Ministério Público exercer, no prazo que a lei lhe confere, a acção pública cujos fundamentos e tramitação está estabelecida na Lei n.º 27/96.

3. Pela «revolução» que tal entendimento pode vir a criar no que concerne ao exercício da acção pública por parte do Ministério Público, deixando tal processo, em termos práticos, de ser um «processo urgente», entendemos que não pode esse Venerando Tribunal deixar de receber a presente Revista na medida em que as questões jurídicas que estão aqui em causa – para além de contrariarem jurisprudência anterior desse STA, terem implicações relevantes em termos comunitários e se revestirem de particular sensibilidade social – são fundamentais para uma melhor aplicação do Direito.

4. Apesar de o MP se ter oposto à admissibilidade do recurso subordinado, o acórdão recorrido, de forma telegráfica e não fundamentada juridicamente, limitou-se a referir que «nada obsta ao conhecimento dos recursos» (fls. 26 do acórdão).

5. O Acórdão do TCA que admitiu o recurso subordinado (sem considerar e ponderar as razoes jurídicas suscitadas pelo Ministério Público) – ao limitar-se, sem apresentação dos fundamentos jurídicos, a referir que «nada obsta ao conhecimento dos recursos» – é nulo por falta de fundamentação de direito (cf. artigos 659.°, 668.° n.º 1 alínea b) e 716.° n.º 1 do CPC).

6. Para além de o demandado não ter legitimidade para interpor o recurso subordinado não pode, em sede de recurso subordinado, suscitar uma excepção dilatória que não consta da contestação (cf. art. 489.° do CPC), a qual, por isso mesmo, não foi objecto de decisão.

7. Os recursos destinam-se a impugnar decisões e não a criar decisões sobre matéria nova e, por isso, os tribunais superiores só podem conhecer das questões que foram objecto da decisão recorrida, e não de questões novas pela primeira vez suscitadas no tribunal ad quem. Por isso, o TCA não deveria ter admitido o recurso subordinado na parte em que se pretendeu suscitar excepção dilatória não apresentada na contestação nem apreciada na sentença.

8. O acórdão do TCA considera que a acção administrativa especial a instaurar apresenta-se como um «mecanismo antecedente ou prévio ao litígio próprio deste processo urgente», não podendo a acção ser instaurada sem que, antes e como seu pressuposto necessário, haja uma sentença transitada que declare a nulidade dos actos administrativos imputados ao demandado.

9. Este entendimento, para além de violar várias disposições da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, faz uma interpretação própria de várias disposições legais que, com o devido respeito, não tem em conta o espirito do sistema nem as razões de celeridade que estiveram na base do regime estabelecido para a "tutela administrativa" e na atribuição a estes processos de um carácter urgente.

10. Contraria, igualmente, o entendimento do STA (Acórdão de 12/1/1995 – Processo n.º 036434) quando afirma, de forma cristalina, que o reconhecimento da gravidade dos factos determinantes da perda de mandato..." pela entidade tutelar funciona como pressuposto processual, sendo uma condição de procedibilidade específica destas acçöes").

11. A natureza urgente deste tipo de processo não se compadece com a necessidade de se aguardar pelo decurso de uma acção administrativa especial, sob pena de ser subvertida a «integridade e lógica de um sistema jurídico» pensado para responder, de forma célere, a determinadas condutas que, para o legislador, são fundamento bastante para afastar os autarcas de cargos para os quais foram eleitos pelos cidadãos.

12. O Ministério Público, para além de ter que instaurar a acção de perda de mandato no prazo de 20 dias «após o conhecimento dos respectivos fundamentos» (art. 11.º n.º 3 da Lei 27/96), só pode instaurar esta acção quando os factos que a fundamentam (violação culposa de instrumentos de ordenamento do território) não tenham sido praticados há mais de 5 anos sobre a data em que a mesma é instaurada (cf. artigo 11.º n.º 4).

13. A ser adoptada a tese do Acórdão (que em parte alguma da lei fala ou tem subjacente, de forma ténue, a necessidade de impugnar os actos administrativos praticados) ficaria comprometida, de forma absoluta, a possibilidade de serem instauradas estas acções na medida em que, face a redacção deste preceito, a acção administrativa especial – onde o autarca não é parte – não se traduz em facto atendível para a interrupção ou suspensão do prazo de caducidade do direito de acção.

14. Os actos administrativos praticados e que são fundamento da perda de mandato podem nem ser impugnáveis ou, sendo-o, podem ter caducado com o decurso do tempo ou por inércia do interessado ou terem, igualmente, caducado por qualquer razão alheia a quem os praticou. O facto de os actos praticados terem caducado (v.g. por razões alheias ao demandado) não deixa de configurar uma conduta censurável e tal facto não deixa de qualificar a conduta como violadora dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis ao caso.

15. Por isso, deve o presente acórdão ser revogado determinando-se – face à matéria de facto apurada e alterada pelo TCA – a perda do mandato do demandado, em conformidade com os fundamentos constantes da PI.

Assim se decidindo se fará Justiça O recorrido A…….. apresentou contra-alegação, a fls. 1132, ss., dos autos, na qual formulou as seguintes conclusões: a) O acórdão recorrido não merece qualquer reparo, já que se mostra exemplarmente fundamentado, sendo falsa a alegação que do mesmo decorre uma qualquer revolução do regime da acção para a declaração de perda de mandato prevista na Lei n.º 27196.

b) As conclusões do Digno Representante do MP assentam num vício original, que consiste em pretender reconhecer àquela última acção natureza impugnatória, que ela naturalmente não, nem pode ter.

c) A declaração da nulidade de determinado acto não constitui objecto da acção para declaração de perda mandato, mas antes da acção impugnatória (a AAE) prevista no CPTA.

d) A acção para declaração de perda de mandato, por via do processo previsto no art. 15° da Lei n.º 27/96, encontra-se reservada a prova de que a nulidade apurada foi praticada com culpa grave do eleito local.

e) Só assim se compreende que a acção do art. 15º tenha natureza urgente e que lhe esteja destinado um regime processual simplificado que se afasta em muito do regime da acção prevista no art. 46° do CPTA.

f) Seria flagrante a ilegalidade e manifesta a inconstitucionalidade, caso se permitisse que uma acção urgente - com a limitação de prova e de contraditório decorrente do regime processual previsto no art. 15° da Lei n.º 27/96 - fosse admitida a substituir-se a acção administrativa especial prevista no art.° 46° do CPTA, g) E caso se admitisse que esta acção, sem implicar qualquer pronúncia acerca da legalidade dos actos em causa - cujo objecto, como é sabido, estará reservado a uma acção administrativa própria - como apta a aplicar a um eleito local a sanção legal perda de mandato.

h) Como o acórdão recorrido exemplarmente refere: "O núcleo da AAE impugnatória normal do CPTA é, quando esteja em causa o art.° 68° do RJUE, aferir da violação (culposa ou não) de instrumentos de ordenamento do território (num aspecto objectivo), ao passo que o núcleo do processo especial e urgente da Lei n.º 27/96 é, quando esteja em causa o art. 68° do RJUE, aferir da culpabilidade do autor concreto daquela violação de instrumentos de ordenamento do território (num aspecto subjectivo), resultando em causas de pedir parcialmente diferentes, em pedidos diferentes e, assim em objectos processuais e réus distintos.

i) Por isso, nenhum reparo merece a conclusão de que: "Não pode, portanto, haver este tipo de processo referido nos artigos 11° e 15° da Lei n.º 27/96, sem antes haver a invalidação do acto decisório em causa numa AAE onde o Tribunal declare que certo facto da autoria do réu foi ilegal, com trânsito em julgado, o que deve ser invocado neste processo especial urgente.

Trata-se de um requisito de admissibilidade da instância, ou seja de um pressuposto processual especifico deste processo urgente, cuja não ocorrência constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do pedido e implica a absolvição da instância." j) Trata-se de evidentemente de uma excepção dilatória inominada, do conhecimento oficioso do Tribunal, nos termos do disposto no art. 495° do CPC.

k) Assim, independentemente de a questão desta excepção ter ou não sido carreada para a discussão dos autos por via do recurso subordinado interposto, que foi regularmente admitido e decidido, sempre o...

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