Acórdão nº 0330/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A ´”Administração Central do Sistema de Saúde, I.P”, interpõe, para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido nestes autos, a 26 de Janeiro de 2012.

Nesse aresto, o TCA concedeu provimento ao recurso interposto de sentença do TAF de Sintra que julgara improcedente a acção administrativa especial, instaurada pela autora “A………, Lda”, para impugnação (i) do acto de exclusão de proposta ao Concurso Público Internacional instaurada pela autora “A………, Lda” e (ii) do acto de adjudicação do concurso.

Revogando a sentença recorrida, o acórdão recorrido decidiu: - anular o acto de exclusão da proposta apresentada pela recorrente A………, Lda, bem como o ato de adjudicação impugnado, - condenar as Rés a considerar a proposta da recorrente validamente entregue , e - retomar o procedimento administrativo, avaliando a proposta apresentada pela ora recorrente e proferindo novo Relatório Final da avaliação das Propostas.

1.1. A entidade demandada, ora recorrente, apresenta alegações com as seguintes conclusões: 1ª O Recurso de Revista deve ser admitido quando, cumulativamente, (i) tenha como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, e (ii) quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou social que revista importância fundamental ou, ainda, quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. Nos presentes autos, ao ter considerado ser desproporcionado excluir uma proposta que não seja assinada (toda a proposta) com assinatura eletrónica qualificada sem convidar o concorrente a “corrigir” essa irregularidade e ao concluir ser indiferente submeter propostas com assinatura eletrónica avançada ou com assinatura eletrónica qualificada (apesar da lei e as peças concursais o exigirem) e que, por isso, tal irregularidade se degrada em formalidade não essencial, o Acórdão ora recorrido violou a lei substantiva ao violar os artigos 62º, nº 1 e 4 do CCP, 11º, nº 1 do DL nº 143-A/2008 e 27º, nº 1 da Portaria 701-G/2008, bem como os princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.

  2. Esta questão de saber se é possível convidar um concorrente a corrigir” uma irregularidade que afeta toda a proposta – que só se concebe através da apresentação de uma nova proposta – quando as propostas dos restantes concorrentes já foram abertas e analisadas (com o risco que daí pode advir de o concorrente apresentar uma proposta diferente da inicial) reveste a maior relevância jurídica, pois exige a fixação de jurisprudência sobre a essencialidade da exigência constante dos artigos 62º, nº 1 e 4 do CCP, 11º, nº1 do DL nº 143-A/2008 e 27º, nº 1 da Portaria 701-G/2008 e sobre as repercussões no procedimento, designadamente nos direitos dos demais concorrentes, no que se refere aos referidos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade.

  3. Esta questão também tem óbvia relevância social na medida em que tem uma incontroversa aplicabilidade a um universo alargado (diríamos mesmo ilimitado) de outros casos de procedimentos de contratação pública que decorrem nas plataformas eletrónicas (numa visão conservadora, afeta pelo menos os procedimentos sujeitos à Parte II do CCP que decorram nas plataformas eletrónicas que não rejeitam automaticamente propostas que não tenham assinatura eletrónica qualificada).

  4. Do confronto das definições legais resulta, desde logo, que a assinatura eletrónica qualificada e o certificado qualificado cumprem dois requisitos adicionais que os distinguem das meras assinaturas eletrónicas (mesmo que avançadas), revestindo modalidades bastante mais exigentes: i) por um lado, o seu conteúdo integra as menções previstas no artigo 29º do Decreto-Lei nº 290-D/99; ii) por outro lado, são emitidos por uma entidade certificadora que cumpre os requisitos enunciados no artigo 24º do mesmo diploma (o que foi totalmente olvidado pelo Acórdão recorrido).

  5. O artigo 11º, nº 5 do Programa do Procedimento estabelecia clara e expressamente que os concorrentes deveriam assinar as propostas eletronicamente com um certificado digital qualificado e a alínea j) do nº 1 do artigo 15º do Programa de Concurso estabelecia, também clara e expressamente, que o incumprimento dessa exigência implicava a exclusão das propostas.

  6. Uma vez que a Autora, ora Recorrente, ao contrário das demais concorrentes, apenas assinou a sua proposta com uma assinatura eletrónica avançada, facto que admite sem reservas, o Júri estava vinculado a propor e a entidade adjudicante estava vinculada a decretar a exclusão da proposta da Recorrente (MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. Cit., pp 954 e 955), não só face ao artigo 15º do Programa de Concurso, mas também por força do artigo 146º, nº 2, alíneas l) e n) in fine do CCP.

  7. Além de estar expressamente prevista no Programa de Concurso, que tem natureza regulamentar, a exigência da aposição da assinatura eletrónica qualificada também decorre da lei (cf. Artigo 62º do CCP, artigos 8º, nº 1 e 11º, nº 1 do DL nº 143-A2008 e artigos 18º, nº 4 e 27º, nº 1 da Portaria 701-G/2008).

  8. Ao contrário do que o Acórdão recorrido decidiu, a exigência da aposição da assinatura eletrónica com um certificado eletrónico qualificado não se pode ter como formalidade degradada em não essencial porquanto a teoria da degradação de formalidades em formalidades não essenciais só é aplicável se estivermos no domínio da discricionariedade da Administração Pública (cf. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVERA, ob. cit., pp. 954 e 955), o que não é o caso (aliás, nem sequer estamos perante um ato administrativo, mas sim perante um ato de uma empresa privada não admitido por um ato administrativo) e, de qualquer modo, esta exigência era essencial e foi exigida clara e expressamente, bem como a cominação da exclusão caso não fosse cumprida.

  9. Uma vez que o ato de exclusão da proposta da A……… era um ato estritamente vinculado, o Acórdão recorrido não podia ter considerado o mesmo desproporcionado (cfr. Acórdão do STA de 25/01/2006, Processo nº 0111/03).

  10. O Acórdão do TCA Norte de 22.10.2010 (Processo nº 00323/10), invocado pelo Acórdão recorrido, decidiu sobre uma questão que não é comparável, porquanto nesse caso a proposta tinha sido submetida com a assinatura eletrónica qualificada e a irregularidade referia-se apenas a um documento que não continha quaisquer atributos da proposta, pelo que a correspondente correcção não implicava o convite a apresentar uma proposta nova na sua totalidade em fase posterior à abertura das demais propostas, ao contrário do que acontece no caso sub judice.

  11. Independentemente da entidade a quem compete gerir a plataforma, a emissão do recibo de aceitação não significa, obviamente, que a proposta tenha sido validamente apresentada e, muito menos, que não possa ser excluída do Concurso Público.

  12. Uma plataforma só deve recusar a recepção de uma proposta quando ocorram deficiências informáticas das propostas e não quando ocorram deficiências de cariz jurídico das mesmas, caso em que “a proposta é recebida na plataforma e só depois, já no sei da fase da sua análise e avaliação, é que pode haver lugar à respectiva exclusão, ditada, sob proposta do júri (nos termos daqueles referidos preceitos do CCP, mais o seu art. 148º/4), pelo órgão adjudicante” (MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., pp 912).

  13. Após a receção das propostas, a emissão de recibos de receção pela plataforma eletrónica é automática (cf. MÁRIO ESTEVES E OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., pág. 690) e destina-se apenas a permitir que os concorrentes comprovem que apresentaram proposta em cada procedimento, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 138º, nº 3 do CCP (reclamação dos concorrentes em caso de não inclusão da sua proposta na lista publicitada no dia imediatamente a seguir ao termo do prazo para a apresentação das propostas).

  14. A emissão do recibo pela plataforma eletrónica não implica qualquer juízo sobre a regularidade da apresentação das propostas, juízo esse que não é efetuado pela plataforma eletrónica, mas sim pelo Júri do Procedimento (cf. artigo 69º, nº 1 b) do CCP).

  15. O nº 6 do artigo 19º e o Anexo V à Portaria 701-G/2008 dispõem claramente que a elaboração automática da lista de concorrentes que apresentaram as propostas é independente “da eventual existência de motivos de exclusão das propostas” porque, segundo o nº 7 daquele artigo, “ [a] exclusão de propostas é da estrita competência do órgão competente para a decisão de contratar” (sem destaques no original).

  16. Uma vez que o envio automático do recibo de receção pela plataforma eletrónica e a lista de concorrentes que apresentaram proposta, referida nos artigos 11º, nº 5 e 23º, nº 3, da Portaria nº 701-G/2008, não têm qualquer efeito validante dos vícios jurídicos das propostas e uma vez que ao Júri só cabe analisar a admissibilidade das propostas quando for de elaborar o Relatório Preliminar, pelo que a exclusão da proposta da A……… no Relatório Preliminar não constituiu qualquer venire contra factum proprium do Júri nem uma violação do princípio da confiança.

NESTES TERMOS O presente Recurso de Revista deve ser admitido e julgado procedente, com as legais consequências.

1.2. A autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo: A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, dando provimento ao Recurso apresentado pela A………, Ldª, ora Recorrida, revogou a Sentença proferida pelo TAF de Sintra, anulou o acto de exclusão da Proposta apresentada pela A………, Lda, bem como o acto de adjudicação impugnado e condenou as partes passivas a “considerar a Proposta da recorrente validamente entregue e retomar o procedimento...

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