Acórdão nº 0757/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A……, SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 07 de Abril de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2008, no que respeita à tributação autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos sobre viaturas ligeiras de passageiros.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1.ª O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no dia 7 de Abril de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2009 2610009992, relativo ao exercício de 2008, na parte respeitante à tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, suportados até ao dia 5 de Dezembro de 2008, inclusive, … 2.ª…e, bem assim, do Despacho, proferido em 19 de Março de 2010, pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a Reclamação Graciosa n.º 3522-09/400462.0, apresentada pela ora RECORRENTE contra o mesmo acto tributário de liquidação de IRC.

  1. No âmbito da presente impugnação judicial, a RECORRENTE defende, em síntese, que o acto tributário aí impugnado foi praticado em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, pelo que deveria ser objecto de anulação, por nulidade, ou, alternativa e subsidiariamente, por anulabilidade, na parte em que consubstancia uma liquidação de IRC traduzida na aplicação, às despesas suportadas pela RECORRENTE entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, do artigo 81.°, n.º 3, do Código do IRC, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro [corresponde, com alterações, ao actual artigo 88.° do Código de IRC].

  2. Por outras palavras: a RECORRENTE sustenta, no presente processo de impugnação judicial, que a liquidação adicional de IRC impugnada, concretizando a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção conferida ao artigo 81.° do Código de IRC, implicou um acréscimo de tributação relativamente a factos tributários verificados no domínio da lei antiga, assumindo, deste modo, um carácter retroactivo proscrito pelos artigos 103.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 12.°, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributaria.

  3. Quanto ao Despacho, proferido em 19 de Março de 2010, pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a Reclamação Graciosa anteriormente apresentada contra aquele acto tributário, alegou ainda a RECORRENTE que o mesmo padece de vício determinativo da sua nulidade, na medida em que consubstanciou a aplicação indevida de normas inconstitucionais, devendo, por esse motivo, ser declarada a sua nulidade.

  4. ª Contudo, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo veio determinar a total improcedência dos pedidos oportunamente formulados pela RECORRENTE, sufragando, em síntese, que “improcede a invocada inconstitucionalidade da norma sub judicio, sendo legal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, face a este juízo de conformidade do preceito com a norma constitucional de proibição da retroactividade”.

  5. Os argumentos invocados pelo Tribunal a quo no sentido da total improcedência do pedido oportunamente formulado pela ora RECORRENTE podem, segundo se julga, ser sintetizados do seguinte modo: 8.ª... i) a hipótese de incidência recortada pelo regime das tributações autónomas, tal como vertido no artigo 81º do Código do IRC, é enformada por um facto tributário complexo e duradouro ou de formação sucessiva (por oposição à. natureza de facto de formação instantânea e de obrigação única que lhe vem imputada pela RECORRENTE);...

  6. ...ii) constituindo aquele facto tributário complexo o facto referente para a aferição da aplicação da lei fiscal no tempo, a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008 - prescrita pelo n.º 1 do artigo 5.° da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro -, da nova redacção conferida ao artigo 81º do Código de IRC, consubstanciaria, somente, uma retroactividade fraca, mínima ou de 3.° grau, admitida pelo n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa;...

  7. ...iii) em qualquer caso, e como ultima ratio, invoca ainda o Tribunal a quo que a conformidade constitucional do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, fora, já, expressamente sufragada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/2011.

  8. Contudo, não obstante o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, pretende a RECORRENTE demonstrar - o que fará detalhadamente de seguida - que a Sentença ora recorrida assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, na medida em que: 12.ª ...i) o facto tributário constitutivo das obrigações de tributação autónoma, previstas no artigo 81.° do Código do IRC, assume a natureza de um facto simples (composto por um único elemento material: a realização da despesa) e de formação instantânea (ocorre no momento da realização dessa despesa), assumindo, assim, a tributação autónoma, a natureza de imposto de obrigação única;...

  9. ...ii) a retroacção da aplicação, desde o dia 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção conferida ao artigo 81.° do Código do IRC, assume, por esse motivo, a natureza de retroactividade de 2º grau ou intermédia, expressa e inequivocamente proscrita pelo n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa;...

  10. ª...iii) o juízo de conformidade constitucional da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, vertido no Acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, assentou no pressuposto de que a tributação autónoma em sede de IRC assume natureza periódica ou duradoura, pressuposto este que - tomado por certo pelo Tribunal Constitucional, não foi sequer questionado naquela decisão - não se verifica, como não se deixará de demonstrar mais detidamente.

  11. Começa a RECORRENTE por notar, a este propósito, que as obrigações de imposto constituem-se, consabidamente, com a verificação de um facto, denominado de facto tributário, estruturalmente composto por dois elementos: o elemento objectivo e o elemento subjectivo.

  12. Por seu turno, e no que aqui interessa destacar, o elemento objectivo do facto tributário corresponde ao objecto de incidência do imposto, ou seja, à hipótese definida nas normas de incidência real ou objectiva do respectivo tributo, decompondo-se, para efeitos de análise, em dois sub-elementos ou características: a material e a temporal.

  13. A vertente material do facto tributário confunde-se, assim, com a factualidade típica objecto da previsão ou da hipótese parametrizada pelas normas tributárias de incidência real, decorrendo da sua observação, concomitantemente, a qualificação do facto gerador do imposto como simples ou com plexo.

  14. Neste sentido, “São simples os factos constituídos por um único elemento material (v.g., a realização de um certo negócio jurídico); são complexos os integrados por uma multiplicidade de elementos materiais unidos de tal modo que formam uma unidade objectiva (v.g., a percepção do rendimento cujas componentes se produzem de forma progressiva e sucessiva no tempo)” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, p. 26).

  15. Finalmente, os factos tributários são ainda repartidos em função do seu tempo de formação, distinguindo-se, neste domínio, os factos instantâneos (ou de formação instantânea) e os duradouros (ou de formação sucessiva).

  16. Assim, “Há factos que são instantâneos, verificando-se num lapso muito delimitado de tempo (v.g., uma compra) enquanto que há outros que são duradouros na medida em que se prolongam no tempo de uma forma continuada e ininterrupta (v.g., a percepção de um rendimento), de tal modo que a lei tem necessidade de fraccionar esses factos em períodos de tempo (períodos de tributação) para fazer corresponder a cada um deles uma obrigação tributária distinta” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, p. 27).

  17. Será esta composição do elemento temporal do facto tributário que, por seu turno, ditará a natureza periódica ou de obrigação única de determinado tributo.

  18. Com efeito, “os pressupostos da tributação não têm todos a mesma natureza: umas vezes, são situações estáveis, situações que se prolongam no tempo, como a propriedade dum prédio rústico ou urbano ou o exercício duma actividade industrial ou comercial; outras vezes, são factos ou factos isolados, actos ou factos que, embora possam repetir-se, não têm continuidade entre si, sendo considerados para efeitos fiscais una tantum - é o que sucede com a aquisição de bens, com a importação ou transacção de determinadas mercadorias, com a passagem de um recibo, etc.. No primeiro caso, há que referir o imposto a um determinado período (em regra um ano), renovando-se a obrigação fiscal, enquanto a situação se mantiver, de cada vez que surge um novo período: temos os impostos periódicos, os impostos que presumivelmente se renovarão periodicamente; no segundo caso, o imposto reporta-se a cada acto ou facto isoladamente: temos os impostos de obrigação única” (cf. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1972, p. 37).

  19. Posto o anterior, e no sentido de infirmar as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo - demonstrando-se, consequentemente, a necessidade de revogação da Sentença ora recorrida -, restará à RECORRENTE proceder ao confronto da indicada estrutura do facto tributário com o regime que transcorre do antigo n.º 3 do artigo 81.° do Código do IRC, procurando, desse modo, identificar a sua concreta natureza.

  20. O artigo 81º do Código do IRC estabelecia, em paralelo com o regime geral de tributação em sede de IRC (o da tributação pelo lucro tributável), uma...

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