Acórdão nº 0576/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2012
Magistrado Responsável | ADÉRITO SANTOS |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
A…… e B……, por si e em representação de sua filha menor C……, todos melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo do Circulo do Porto, contra o Hospital S. João de Deus-Vila Nova de Famalicão, hoje Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, acção de indemnização para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do Réu (R.) no pagamento da quantia global de Esc. 80.000.000$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, que sofreram, durante e após o parto daquela menor, ocorrido naquele estabelecimento hospitalar.
Por sentença proferida a fls. 1371, e seguintes, dos autos, foi a acção julgada parcialmente procedente e, por consequência, condenado «o Réu (R.) Hospital S. João de Deus-Vila Nova de Famalicão, hoje Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, a pagar aos Autores (AA) A…… e B……, por si e na qualidade de herdeiros habilitados de sua filha menor C……, a quantia global de € 147.957,72, acrescida de juros à taxa legal de 7% desde 16.10.2001 até 30.4.2003 e desde esta última data apontada à taxa legal de 4% até integral pagamento, sendo o R.
Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE condenado, ainda, a pagar aos mesmos AA as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, quanto às despesas em medicamentos, consultas, leite especial, sondas, seringas e, ainda, em relação aos gastos com visitas durante o internamento da A. mulher».
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o R. Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, tendo os Autores (AA.), por seu turno, interposto «recurso subordinado» restricto a matéria dos montantes indemnizatórios fixados na sentença.
O R. Centro Hospitalar apresentou alegação (fls. 1423, ss.), com as seguintes conclusões: 1 - Compulsados os autos, é manifesto que não há qualquer responsabilidade do recorrente pelos actos e danos em causa nos autos, face à inexistência de nexo de causalidade entre qualquer eventual acção ou omissão do recorrente relativamente à produção dos danos cujo ressarcimento é peticionado.
2 - A este propósito, importa ter em atenção os seguintes quesitos de que, no essencial, dependia a decisão da presente demanda: • Quesito 6 (cuja prova competia aos AA.): tendo mesmo a A. esposa assinado, para o efeito, o termo de responsabilidade que lhe foi solicitado e inserto a fls 15 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido? PROVADO apenas que a A. esposa assinou o termo de responsabilidade que lhe foi solicitado e inserto a fls 15 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido • Quesito 29 (cuja prova competia aos AA.): dos registos clínicos não se relata minimamente que alterações determinaram que fosse chamado o médico, porque e para que foi chamado o pediatra para assistir porque se prosseguiu o parto com fórceps quando se havia ajustado que seria a cesariana o mais adequado e quais as intervenções dos Drs. D…… e E…… no parto? NÃO PROVADO • Quesito 30 (cuja prova competia aos AA.): nas circunstâncias em que se desenvolvia o parto e quando devia ter sido feita uma cesariana a A. foi sujeita a um parto normal completamente desaconselhado naquelas condições? NÃO PROVADO • Quesito 31 (cuja prova competia aos AA.): e é assim que o parto se toma de tal modo difícil que foi necessário usar o fórceps, assim como foi necessário proceder a incisões na vulva e nos músculos do períneo para facilitar o parto? Provado que foi aplicado fórceps e que foram aplicados cortes (incisões na vulva e no períneo) • Quesito 32 (cuja prova competia aos AA.): o que foi feito em vão, já que, entretanto, com a demora, com a inépcia provocada pelo nervosismo e falta de convicção na acção por parte dos intervenientes nas tarefas de parto, o bebé acabou por sofrer asfixia perinatal grave? NÃO PROVADO • Quesito 34 (cuja prova competia aos AA.): por efeito da conduta desenvolvida pelos Drs. D…… e E…… nos serviços do Hospital de Vila Nova de Famalicão, a C…… acabou por sofrer, na altura do trabalho, uma asfixia perinatal grave com todas as lesões que lhe determinaram a incapacidade permanente absoluta de que padece no momento e padecerá vida fora? Provado apenas que a C…… sofreu asfixia perinatal grave com todas as lesões que lhe determinaram a incapacidade permanente absoluta de que padeceu durante toda a vida • Quesito 42 (cuja prova competia aos AA.): a A. viu-se, nas circunstâncias em que decorreu o trabalho de parto, a sofrer várias e graves hemorragias e teve de ser submetida a intervenções cirúrgicas urgentes, como correcção de laceração e episioctomia, revisão do canal do parto e foi cateterizada nova veia no dorso na mão esquerda? Provado que A., na sequência do trabalho de parto, sofreu várias e graves hemorragias e teve de ser submetida a intervenções cirúrgicas urgentes, como correcção de laceração e episioctomia, revisão do canal do parto e foi cateterizada nova veia no dorso na mão esquerda • Quesito 85 (cuja prova competia ao recorrente): as causas da paralisia cerebral são múltiplas e a asfixia perinatal é uma dessas em 08% dos casos? PROVADO • Quesito 98 (cuja prova competia ao recorrente): após o parto, pelas 14h30, a A. teve uma perda hemática vaginal abundante? PROVADO • Quesito 99 (cuja prova competia ao recorrente): o que originou a revisão (manual) da cavidade uterina, sutura de episiotomia e administração de ocitócicos e reposição da volemia? PROVADO • Quesito 100 (cuja prove competia ao recorrente): a dita hemorragia persistiu e a puérpera foi conduzida ao bloco operatório após recolha de sangue e prova de compatibilidade? PROVADO • Quesito 101 (cuja prove competia ao recorrente): após anestesia geral, procedeu-se à revisão da hemóstase o útero e canal do parto, serviço esse executado pelo médico anestesista e hematologista de serviço? PROVADO • Quesito 102 (cuja prove competia ao recorrente): pelas 16.20 horas, terminou este acto cirúrgico? PROVADO • Quesito 103 (cuja prove competia ao recorrente): e pelas 17.15 horas, por não ser possível controlar eficazmente um quadro de cogulopatia de consumo dada a falta de recursos materiais do R, foi decidida a transferência da A. para o Hospital de S. João, do Porto, acompanhada de obstetra, de enfermeiro e de parteira, com entubação endotraquial, ligada ao ventilador e acompanhada de exames clínicos, folha de anestesia e indicação dos medicamentos usados? PROVADO • Quesito 104 (cuja prova competia ao recorrente): a A. chegou ao Hospital de S. João consciente e colaborante e não em estado de choque? PROVADO que a A. chegou ao Hospital de S. João consciente e colaborante e não em estado de choque • Quesito 105 (cuja prove competia ao recorrente): a A. após este parto teve outra gestação e o terceiro parto em Maio de 2000, do qual o recém-nascido nasceu normalmente? PROVADO • Quesito 106 (cuja prova competia ao recorrente): e iniciou nova gestação 4 ou 5 meses após os factos descritos? PROVADO que a A. mulher iniciou nova gestação cerca de meio ano após os factos descritos 3 – Fazendo operar as regras de repartição do ónus da prova, sempre foram os AA. que tiveram a seu cargo o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, enquanto factos constitutivos do direito de que se arrogam titulares, in casu o nexo de causalidade entre o facto ocorrido e o dano existente, em conformidade, alias, com as regras de repartição do ónus de prova – vd. art 342 CCivil.
4 – Mesmo no domínio da responsabilidade civil extracontratual onde seja aplicável qualquer eventual presunção de culpa, tal presunção não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causalidade, pelo que, aqui como relativamente aos demais pressupostos, é ao lesado (e demandante na acção destinada a obter a reparação dos danos sofridos) que cumpre levar a efeito a prova dos respectivos factos bastantes para se imputar ao agente a ligação positiva entre o facto ilícito e o dano, não estando os AA. libertos ou dispensados nos presentes autos de provar o nexo de causalidade.
5 – A responsabilidade civil por actos e omissões na gestão pública de prestação de cuidados de saúde, em estabelecimentos públicos, tem natureza extracontratual, incumbindo ao lesado o ónus da prova dos factos integradores dessa responsabilidade, nos termos dos arts. 1 a 6 do DL 48 051, o que se aplica as acções de responsabilidade médica, onde tem plena aplicação o regime geral do nosso ordenamento jurídico – art. 342, n° 1 CCivil, de acordo com o qual cabe aos AA. fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito a indemnização.
6 – Mesmo nas situações abrangidas pela presunção de culpa do art.493, nºs 1 e 2 do CCivil, o que não é manifestamente o caso dos autos (onde inexiste qualquer presunção), o lesado não está dispensado de provar os factos de onde resulte o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
7 – Na pág. 39 da douta sentença recorrida, pode ler-se: «Resulta claro que, perante a falta de prova das alegadas divergências retaliatórias entre os médicos referidos, o preenchimento dos requisitos da ilicitude e culpa depende da prova de que, perante a evolução do trabalho de parto, os agentes do R. deveriam ter optado pela via abdominal ou cesariana e não prosseguir o parto pela via vaginal, sob pena de serem inevitavelmente causadas lesões graves ao feto por hipoxia, como sucedeu de resto, e até lesões desnecessárias à A. mãe pela utilização do fórceps.» 8 – E, as respostas aos quesitos 30 e 34, nomeadamente, esclarecem o tribunal recorrido sobre tal questão, no sentido de não ter havido prova de que deveria ter- se adoptado pela via abdominal ou cesariana como meio idóneo a prevenir a produção dos danos dos autos, 9 – Todavia, e lamentavelmente, o tribunal recorrido decidiu contra e apesar da matéria de facto apurada.
10 – A tendência jurisprudencial uniforme sempre afirmou o que se tem vindo a defender nas presentes alegações, no sentido do ónus de prova do nexo de...
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