Acórdão nº 0464/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução16 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A……… recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra os actos de liquidação de juros compensatórios.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1ª - Nos autos de impugnação sub judice, a Recorrente invocou não haver lugar à aplicação do artigo 35º da Lei Geral Tributária.

  1. - O Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a falta de pressupostos de que depende a fixação de juros indemnizatórios, fundamentalmente, no que respeita às divergências na fundamentação e inexistência de prejuízo para a Administração Fiscal pelo “alegado” reembolso indevido; 3ª - O princípio “pro actione” (também chamado anti-formalista) expresso no artigo 124º do CPPT (o qual segue de muito perto o art. 57º da LPTA) aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução das causas para cuja tutela o meio processual foi utilizado.

  2. - Pelo que, nos termos dos artigos 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) e 125º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar – subsunção dos factos, evidenciados nos documentos juntos aos autos, à norma aplicável: o art. 35º da LGT – vide art. 660º, nº 2 do CPC, e de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação.

  3. - Quer o Supremo Tribunal Administrativo quer o Tribunal Constitucional, admitem a reforma da decisão nas situações de manifesto erro de julgamento de questões de direito, vide os acórdãos de 16 de Novembro de 2000 – recurso nº 46.455, de 17 de Março de 1999 – recurso n.º 44.495, e de 11 de Julho de 2001 – recurso nº 46.909.

    Doutro passo, 6ª - O Tribunal “a quo” considera que o Decreto-lei nº 241/86, de 20 de Agosto, ao referir-se a contrato de locação pretende significar contrato legalmente eficaz, ou seja efectuado em observância com a lei que os regula que é, desde 15 de Outubro de 1990, o artigo 7° do (RAU) aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, sendo estes contratos lavrados em escritura pública.

  4. - Porém, o artigo 4º, nº 2 do Decreto-Lei nº 241/86, de 20/8, refere-se: “(...) antes da celebração de escritura de transmissão ou do contrato de locação de imóveis.” 8ª - Sendo que, perfilhamos o entendimento vertido no douto Parecer do Prof. Dr. A Ferrer Correia “Contrato de Locação de Estabelecimento, Contrato de Arrendamento...”, in http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Ferrer.pdf, fls. 794, “...

    o contrato de locação de imóveis corresponde ao género – onde a espécie – contrato de arrendamento se inscreve...

    ”; 9ª - Do nº 6, do artigo 12° do CIVA, retira-se que: “(...), será exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão.

    ”, pelo que, ao contrário do referido a propósito do contrato de transmissão, para o qual a lei, expressamente, refere a necessidade de escritura pública, o mesmo não sucede quanto aos contratos de locação; 10ª - Terá, assim, plena aplicação a máxima de “quando a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”, sendo que, se o legislador pretendesse que os contratos aí previstos fossem reduzidos a escritura pública, tê-lo-ia referido à semelhança do que sucede com a transmissão onde é feita menção expressa à escritura pública.

  5. - Aliás, doutro modo, as palavras “do contrato” seriam despiciendas, pois em lugar de o legislador ter dito “escritura de transmissão ou do contrato de locação de imóveis teria escrito: “escritura de transmissão ou de locação de imóveis”.

  6. - Em face do disposto nos artigos 232º e 1022º do CC, não podia o Tribunal “a quo” deixar de considerar outorgados e executados os contratos de arrendamento para efeitos do disposto no artigo 4º, nº 2 do DL nº 241/86, de 20/08.

  7. - O citado artigo 4º, nº 2 do DL 241/86, de 20/08, basta-se com a “celebração” do contrato de arrendamento, nada referindo quanto à forma que aquela “celebração” deve obedecer.

  8. - A situação dos presentes autos é semelhante à que mereceu despacho concordante do Subdirector Geral dos Impostos de 9/9/2001 (v. fls. 93 dos autos), nos termo evidenciados no Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo nº 0460/07, de 19-09-2007 (ANTÓNIO CALHAU) “...numa situação em que o sujeito passivo ainda que tenha solicitado o reembolso numa altura a que ainda não lhe tinha direito o facto é que o mesmo só veio a ser reembolsado numa data em que já possuía as condições para o receber e, como tal, não tendo retirado benefícios desse facto, não faria sentido obrigá-lo a repor para, logo depois, regularizada a situação ele solicitar novamente o reembolso a que então já teria direito.

    ” 15ª - Mais, as exigências de forma do RAU, no contrato de arrendamento, são estabelecidas no interesse das partes, em particular do inquilino; não no interesse ou para protecção de terceiros (Administração Fiscal).

  9. - A falta de escritura pública não inibe o locatário de demonstrar a existência de um contrato de arrendamento, através de outros meios de prova, designadamente, através dos recibos de renda.

  10. - Mais, deve atender-se ao princípio contabilístico, e fiscal, da prevalência da substância sobre a forma, que obriga à consideração da realidade negocial independentemente da forma negocial adoptada (cfr. Princípios Contabilísticos Fundamentais do POC, aprovado pelo Decreto Lei nº 410/89, de 21111; e o artigo 38º da LGT).

  11. - Acresce que o Estado nunca foi lesado, na medida em que, independentemente de estarem ou não preenchidos os requisitos formais necessários para efectivar a renúncia à isenção de IVA, a Recorrente sempre liquidou IVA nas rendas debitadas à arrendatária, entregando o respectivo imposto, tempestivamente, nos cofres da Fazenda Pública.

  12. - A ……… sempre afectou os referidos imóveis a uma actividade tributada pelo que, caso tivesse sido ela própria a incorrer nos custos de construção/beneficiação, o IVA incorrido teria sido imediatamente deduzido.

  13. - Caso nunca tivessem existido duas empresas distintas, uma que arrendava os imóveis e outra que os tomava em arrendamento, também não se teria colocado a questão da falta de formalidades para exercer o direito à dedução do IVA incorrido com a construção / beneficiação, dado que o poderia ser de imediato, nos termos do disposto nos artigos 19° e 20º do CIVA.

  14. - Tendo em conta que o Estado nunca foi lesado, sem conceder, admitindo que in casu era aplicável o disposto no artigo 7º do RAU, e por essa razão o contrato era nulo, entende a ora Recorrente que a Administração Fiscal viola o princípio da boa fé ao invocar a nulidade do contrato por vício de forma.

  15. - Deve ser considerado ilegítimo exercício do direito a arguir a nulidade de um contrato por vício de forma consubstanciando, outrossim, abuso de direito que é de conhecimento oficioso, por violação do princípio da boa-fé o qual percorre e ilumina todo o sistema jurídico acompanhando Vaz Serra (in Rev. Leg. Jur.

    , anos 103º, págs. 451 e segs., 109, págs. 28 e segs. e 115º pág. 187) e Mota Pinto (in Rev. Dir. e de Est. Soc.

    , ano XIV, nºs. 1 e 2, págs. 78º e segs.) e Pereira Coelho (in Rev. Leg. Jur.

    , ano 126º, página 199).

  16. - Mais, a interpretação do tribunal “a quo, é claramente ilegal e inconstitucional, pois, viola o disposto no artigo 103º nº 2 da lei fundamental.

  17. - Nos termos do disposto na citada disposição da Constituição da República Portuguesa (CRP): “2 - Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

  18. - Ao criar uma obrigação acessória que não tem correspondência na lei fiscal aplicável, viola-se o princípio da legalidade tributária vertida no normativo supra, bem como o artigo 8° da Lei Geral Tributária, a qual na alínea b), do seu nº 2, estipula que a definição das obrigações acessórias está sujeita ao princípio da legalidade.

  19. - Assim, a referida interpretação é ilegal, por violação do disposto no artigo 8°, nº 2, alínea c), da LGT, o qual reafirma e desenvolve o princípio da legalidade tributária prevista no sobredito artigo 103°, nº 2 da CRP.

  20. - Por outro lado, não é conforme à lei a interpretação da sentença “sub judice” do disposto no Decreto-Lei nº 241/86, de 20/8, no sentido de que a referência neste contrato de locação, pretende significar contrato legalmente eficaz, ou seja efectuado com observância do disposto na lei que os regula, isto é, o RAU.

  21. - Pois, quando a lei faz referência a um conceito, no caso, “contrato”, o qual se encontra definido noutros ramos do direito – direito civil –, deve este ser interpretado no mesmo sentido daquele que tem nesse mesmo ramo de direito.

  22. - E, o artigo 11º da LGT consagra que: “(...) 2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se decorrer directamente da lei.” 30ª - Atento o disposto no artigo 405° e seguintes do Código Civil, os quais concretizam e delimitam o conceito de “contrato”, deve atender-se a esses normativos e não ao estatuído no RAU.

  23. - Assim, conforme boa técnica interpretativa da lei fiscal, deverá entender-se que onde o legislador fiscal refere contrato não pretende significar escritura pública.

  24. - Este corolário decorre do citado artigo 11º da LGT, uma vez que os conceitos de contrato e escritura não têm o mesmo significado na lei civil e, diga-se, nem sequer na linguagem comum, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Março de 1999, proferido no Recurso n.º 22.844, nos termos do qual se esclarece que conceitos diferentes em direito civil, devem permanecer diferentes no direito fiscal.

  25. - A sentença recorrida violou os arts. 660º, nº 2, 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil; os arts. 124º e 125º, nº 1, do...

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