Acórdão nº 01372/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A………, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 17 de Outubro de 2012, que julgou improcedente a reclamação por ele deduzida contra a decisão do órgão de execução fiscal proferida no processo de execução nº 074400301006797, por dividas de IRS de 1998 a 2001, decisão essa que determinou o levantamento da suspensão da execução.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «

  1. A decisão recorrida interpretou, erradamente, a norma constante do art.º 49. ° da LGT, seja na versão originária, seja na introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, no sentido de que, caso o processo esteja parado por mais de 1 ano, o prazo que conta para efeitos de prescrição [como consequência decorrente da cessação do efeito interruptivo estabelecido no n.º 1] é apenas o tempo que vai para além do decurso desse ano de paragem até ao momento em que, ou ocorra uma causa de interrupção ou de suspensão, ou aconteça o juízo de aplicação da norma; b) O fundamento axiológico do preceito reside no facto de o legislador entender que, incumbindo ao Estado, pela sua administração ou pelos tribunais, aplicar a lei aos casos concretos, não pode o contribuinte sair onerado com o incumprimento desse dever por parte do próprio Estado e, por outro lado, que, estando em causa deveres fundamentais — que a tanto corresponde do dever de pagar impostos —, não é tolerável manter o contribuinte numa situação de falta de segurança jurídica contra o Estado ou numa situação em que o legislador violasse o art.º 2° da CRP, como aconteceria; c) Desde que decorra uma paragem do processo ou do procedimento por 1 ano, todo o tempo que tenha intermediado entre a data da autuação do processo ou procedimento e a data do juízo de aplicação, descontado desse 1 ano de paragem, deve ser computado para efeitos da prescrição; d) Só deste modo se consegue colocar os contribuintes numa posição de igualdade na aplicação da lei (art.º 13.º da CRP) e, ao mesmo tempo, obviar a desvios de poder da administração...sempre possíveis; e) A sentença recorrida errou ao considerar que o art.º 49° da LGT, em qualquer das suas versões (originária, da Lei n.º 100/99 e da Lei n.º 53-A/2006, esta de 29/12), possibilita a operância sucessiva de várias causas de interrupção.

f) Choca o mais elementar sentido de justiça, da proporcionalidade e da segurança jurídica, em sede de direitos/deveres fundamentais, como é a dos impostos, que o Estado legislador pudesse configurar várias causas de interrupção do prazo de prescrição, operáveis sucessivamente, como a citação, a reclamação, o recurso hierárquico e o pedido de revisão, na medida em que isso violaria o princípio do Estado de direito, nas suas dimensões de sujeição à justiça material e da boa-fé (proibição de fraude à lei constitucional), e corresponderia a uma restrição manifestamente desnecessária e desadequada do direito/dever fundamental e, como tal, proibida pelos n°s 2 e 3 do art.º 18º da CRP; g) O actual n.º 3 do artº 49º da LGT expressa um princípio que decorre do dever do Estado de agir segundo a boa-fé e de respeito pela segurança jurídica, tendo natureza interpretativa relativamente ao critério normativo do passado; h) A jurisprudência anterior que a sentença convoca apenas considerou o preceito nas duas primeiras versões, não tendo reflectido sobre a conjugação entre o princípio constitucional da segurança jurídica e da legalidade tributária e a posição que o legislador tomou na redacção dada ao n.º 3 do mesmo art.º 49°, na referida Lei n.º 53- A/2006; i) A interpretação segundo a qual o legislador pode alterar os factos constitutivos, modificativos ou extintivos da prescrição, com efeito sobre a obrigação de imposto constituída no passado, em que se abona a sentença recorrida, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2° da CRP, quando entendidos conjugadamente com os princípios específicos da legalidade tributária, consagrado no art.º 103°, n.º 2, e da proibição da retroactividade fiscal, constante do n.º 3 deste mesmo artigo, e os limites constitucionalmente impostos às leis restritivas de direitos fundamentais constantes do art.º 18°, n.º 3, todos os preceitos da mesma Lei fundamental; j) Em face da correcta interpretação do art.º 49° da LGT e, tendo em conta que a revogação do seu nº 2, operada pela referida Lei n.º 53-A/2006 não tem aplicação ao caso por força do disposto nos art°s 89° e 91° da mesma Lei, dimensão normativa esta que a sentença erradamente não relevou, e o disposto no art.º 48º, n.º 1, da LGT (em qualquer das versões), verifica-se que as dívidas exequendas dos anos de 1998, 1999 e 2000, se encontram prescritas; l) A sentença recorrida julgou erradamente a questão da ilegalidade do despacho que determinou a cessação do efeito suspensivo da execução, quer se considere ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, quer se considere ter o acto natureza judicial processual, por postulado da qualificação do processo de execução fiscal assumida no art.º 103° da L.GT; k) A ser um acto de natureza processual, como se julgou, não pode deixar de considerar-se que sobre ele se forma caso julgado ou de natureza equivalente (caso decidido ou caso resolvido); m) O despacho que suspendeu a execução fiscal não é um acto transitório ou precário que possa, a qualquer momento, ser alterado: ele só poderá ser alterado quando se altere a situação de facto ou jurídica que constituiu o seu pressuposto; n) A ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, então, fica sujeito ao princípio legal de que os anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida — art.º 141º do CPA; o) O acto apenas poderia ter sido revogado dentro do prazo em que o executado o poderia ter impugnado através do meio processual ao seu dispor — a reclamação prevista no artº 276.° do CPPT -, sendo que esse prazo estava largamente excedido quando o acto revogatório foi praticado; p) Mesmo que o acto revogado possa ter a natureza de um acto vinculado por parte da Administração Fiscal, inexistindo qualquer alteração do quadro fáctico-jurídico pressuposto como fundamento na decisão anterior, não pode a administração revogar o acto que, porventura, ilegalmente tenha decidido dispensar o particular da prestação de garantia; q) É inconstitucional a norma do artº 141º do CPA, quando interpretada no sentido de permitir a revogação de acto administrativo inválido depois de ultrapassado o prazo conferido ao particular que dele pudesse recorrer, por oposição ao princípio do Estado de direito, ao princípio da igualdade, ao princípio da tutela da confiança e ao princípio da boa-fé, nos termos em que os mesmos resultam do preceituado nos art°s 2.°, 13º e 266°, nº 1, da CRP; r) É inconstitucional a interpretação do art.º 14°, n.º 1, do CPA, em conjugação com o artº 169° do CPPT, no sentido de que é livremente revogável o acto administrativo na parte em que dispense um particular de garantia aí referida, por violação do princípio do Estado de direito, do princípio da tutela da confiança e do princípio da boa-fé, nos termos em que os mesmos resultam do preceituado nos art°s 2°, 13° e 266°, n.º 1, da CRP.» 2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido do parcial provimento do recurso sustentando ser de declarar a prescrição relativamente às dívidas exequendas de I.R.S. dos anos de 1998, 1999 e 2000, e ser de confirmar a decisão recorrida no que respeita à legalidade do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que determinou o levantamento da suspensão da execução e a prossecução dos autos com penhora de bens suficientes para garantia do processo de execução fiscal.

4 – Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

  1. No dia 18/03/2003, foi autuada a impugnação judicial que corre termos neste tribunal sob o n.º 4612003 e que tem por objeto as liquidações de IRS dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001 com os números 5323995416, 5323996960, 5133998832 e 5324022430, cuja petição inicial foi apresentada em 28/02/2003 — fls. 1 e 2 do processo correspondente.

  2. Para cobrança coerciva das dívidas identificadas na alínea antecedente, com base nas certidões de dívida de fls. 3 a 5 da execução apensa, que se dão por integralmente reproduzidas, em 1810612003 foi instaurada contra a ora reclamante a execução fiscal n.º 0744-031100679.7 —fls. 1 da execução.

  3. A reclamante foi pessoalmente citada para a execução referida na alínea antecedente no dia 11/07/2003, conforme certidão de citação de fls. 11 do apenso correspondente.

  4. Através do requerimento de fls. 13 da execução, apresentado no SE em 18/07/2003, a ora reclamante informou ter impugnado as liquidações exequendas e requereu a suspensão da execução.

  5. Notificada para prestar garantia, nos termos e para efeitos do disposto no Art. 169.° do CPPT, através do ofício de fls. 19, a reclamante não o fez.

  6. O OEF emitiu, então, o mandado de fls. 21 da execução, ordenando a penhora e apreensão em tantos bens móveis, semoventes ou rendimentos de bens de raiz, ou na falta destes, em imóveis, pertencentes à executada suficientes para pagamento da quantia de 41.327,88€.

  7. Consequentemente, foi penhorado à executada o reembolso de IRS do ano de 2005, no valor de 1.361,69€, aplicado em juros de mora — fls. 23 a 25.

  8. A reclamante foi, ainda, notificada para prestar garantia ou requerer a respetiva dispensa a coberto dos ofícios de fls. 39 e 43 da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT