Acórdão nº 0159/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | PIRES ESTEVES |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A……, Magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador-Adjunto, colocado na área de jurisdição cível do Porto, como auxiliar, com domicílio na Rua ……, nº……, Oliveira do Douro, 4430-…… Vila Nova de Gaia, intentou, nos termos dos arts.46º nº2, al.a), 50º, 51º e 55º nº1, al.a), todos do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA), acção administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público (doravante, CSMP) pedindo a anulação do acórdão deste de 11/1/2011 que lhe indeferiu a reclamação por si apresentada e confirmando a aplicação de uma pena de multa de 10 (dez) dias.
Por acórdão da Secção de 26/10/2011 (fls. 244 a 259) foi julgada improcedente a acção e o réu absolvido do pedido.
Não se conformando com esta decisão da mesma interpôs o recorrente o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: I - Na avaliação e ponderação do dever de correcção por parte do aqui apelante o Tribunal a quo tinha de se ter atido, apenas e tão-só, ao conteúdo dos ofícios enviados pelo mesmo ao Senhor Procurador-Geral Distrital do Porto e ao modo (designadamente expressões de linguagem) usadas no mesmo por este.
II - A apreciação daquele dever não deve ser efectuada pelo método comparativo com outros hipotéticos comportamentos que o aqui apelante podia ter tomado na vez daquele que está a ser apreciado, pois não se trata de uma questão de preferência de comportamentos, mas de detectar se, em concreto, o comportamento escolhido pelo aqui impugnante foi, em si mesmo, incorrecto ou desrespeitoso daquele seu superior não imediato.
III - Já que o tribunal a quo optou pelo método comparativo, é forçoso concluir que qualquer um dos comportamentos que este adianta como não violadores do dever de correcção e que deveriam ter sido usados na vez do que foi sindicado ao aqui apelante, não se revestem, por diversas razões, da alternatividade sugerida pelos autores do acórdão recorrido.
IV - A audiência pessoal sugerida pelo Senhor Procurador-Geral Distrital na sua única resposta ao aqui apelante, não devia ter sido aceite por este - como não o foi - porque essa gentileza era susceptível de pôr em causa a prova das informações e dos fundamentos por este solicitados àquele, comprometendo, assim, as acções judiciais que este podia, em último caso, querer encetar na defesa dos seus direitos profissionais como, efectivamente veio a fazer.
V - Não pode, consequentemente, a sua não opção pela audiência pessoal com aquele ser vista como uma violação do dever de correcção, pois isso é o mesmo que admitir - em oposição, aliás, com a abstracta fundamentação construída pelo Tribunal a quo - que o cumprimento do dever de correcção no âmbito das relações de hierarquia pode implicar uma diminuição nos direitos a uma tutela judicial efectiva plena e no direito à prova efectiva e eficaz do aqui apelante.
VI - A alternativa judicial adiantada pelo Tribunal a quo como modo alternativo de comportamento que não teria violado o dever de correcção ignora que, apesar de não existir em Portugal uma adesão à teoria das relações especiais de poder próprias dos regimes totalitárias, continua a ser verdade que a resolução judicial de um litígio é, muitas vezes e com particular ênfase, nas relações hierárquicas e de subordinação, um ponto de não retorno.
VII - Não pode ser visto como um comportamento alternativo que não teria violado o dever de correcção, a imediata constituição do superior hierárquico como réu de uma acção de intimação ou de impugnação, pois o exercício do dever de correcção por parte deste não pode deixar de lhe dar margem de manobra para, em concreto, escolher o modo de exercício dos seus direitos que em concreto lhe causa menor fricção e dano numa relação que perdura para além daquela actuação e que é de subordinação.
VIII - Seguindo as máximas da experiência o que o apelante pensou ir causar menos atrito e consequências no relacionamento com o seu superior hierárquico foi : a) informar-se junto da sua coordenadora das razões daquela ordem (que esta lhe disse desconhecer); b) dirigir-se ao próprio autor da ordem pedindo-lhe o fundamento e a abrangência subjectiva da mesma.
IX - Não existe em qualquer um dos ofícios qualquer expressão, por pequena que seja, que objectivamente viole o dever de respeito devido ao superior hierárquico.
X - No contexto da conclusão VIII, a insistência não viola o dever de correcção, pois ela em si mesma considerada, não constitui - ao contrário do decidido pelo tribunal a quo - um repto, um desafio ou uma prestação de contas ao superior hierárquico aqui em causa.
XI - A haver esse repto ou desafio - como o entende o superior hierárquico, a demanda e o Tribunal a quo, mas nunca foi a intenção do aqui recorrente (ver conclusão XIV) - aquele não advém da insistência, decorre já do pedido originário.
XII - Não é legítimo fazer coincidir repto/desafio a insistência para efeitos de violação do dever de correcção, pois esse é um método que visa apenas lograr atribuir aos actos e ao comportamento do apelante um desvalor que estes não têm, com o escopo de promover um desvio da censura subjectiva que o superior hierárquico fez de quem, sendo seu subordinado, alguma vez se atreveu a pedir-lhe uma explicação.
XIII - A violação do dever de correcção imputada ao aqui apelante só pode ser praticada com dolo, ou seja, com uma intencionalidade subjectiva, mas a verdade é que o dolo não ficou provado nos autos em que foi proferida a decisão de que se recorre nem sequer sob a sua forma eventual.
XIV - Em primeiro lugar, é antes forçoso concluir que o que ficou provado (ver ponto 14 dos factos provados em sede disciplinar) foi precisamente o contrário, isto é, que o aqui apelante endereçou os ofícios aqui em causa apenas para se tranquilizar no exercício das suas funções, o que significa que a sua intenção não era desafiar nem laçar reptos nem prestar contas, mas apenas proteger-se e tranquilizar-se.
XV - Por outro lado, o comportamento assacado ao apelante não foi doloso nem sequer sob a forma eventual, pois não podia sequer passar pela cabeça do apelante (em função das considerações já supra concluídas e constantes da motivação com mais detalhe) que o seu superior hierárquico preferisse ser intimado judicialmente ou ver o acto administrativo impugnado do que perguntado ou questionado por escrito - ainda que várias vezes - acerca da fundamentação do acto e da incidência subjectiva daquela mesma ordem.
XVI - A querer dar algum relevo à insistência promovida pelo apelante através de 3 ofícios com a mesma pretensão essa só pode ser a de que o aqui apelante manifestou através dessa repetição uma crítica ao comportamento omissivo do seu superior hierárquico.
XVII - Se entendida a repetição do pedido de informação como uma forma de manifestação e de evidenciação da discordância relativamente ao silêncio e omissão informativa e de fundamentação do superior hierárquico, esta não é mais do que o exercício legítimo por parte do subordinado, aqui apelante, do seu direito fundamental e inalienável da sua liberdade de expressão, pelo que qualquer forma de punir o exercício desse direito é uma forma de censura do exercício do mesmo.
XVIII - Mas se assim é, então, resulta forçoso igualmente concluir, sob pena de violar ostensivamente o direito fundamental do mesmo à liberdade de expressão, na sua vertente de criticar e de se informar e ser informado, que a mesma (insistência) não pode configurar uma violação do dever de correcção, pois este direito fundamental contido - como esteve - dentro de expressões linguísticas perfeitamente correctas e respeitadoras não acolhe restrições constitucionalmente admitidas mesmo no âmbito de relações hierárquicas entre subordinado e superior ou aluno e professor.
XIX - O facto de o Procurador-Geral Distrital se sentir desafiado é irrelevante para a aferição da violação do dever de correcção, pois o que é necessário indagar é se este sentimento é legítimo, sendo certo que, continuando a querer ser coerentes na lógica do sistema - como pugnam os autores da decisão a quo - aquele sentimento não reveste essa legitimidade, está errado e deve - esse sim - ser censurado, ou pelo menos não ser incentivado e legitimado pela punição do subordinado.
XX - A decisão judicial impugnada que mantém a punição do aqui apelante por violação dolosa do dever de correcção para com o seu superior hierárquico por lhe ter dirigido 3 pedidos de informação e fundamentação de uma ordem após a resposta ao primeiro que por este foi julgada insuficiente, está eivada de erro de julgamento por violação da lei substantiva e constitucional, designadamente dos artigos 3º n°1 e 2° h) e 10º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro, do artigo 163° do EMP, dos artigos 61° e 100° do CPA e, ainda, manifesta dos artigos 268° e 37° n°s 1 e 2 da CRP, por isso a decisão recorrida é inconstitucional por não ter revogado a decisão que aplica sanção disciplinar de multa ao apelante, aceitando, assim, a violação ao seu direito de livre expressão, contido dentro dos limites do dever de correcção e, por isso, a decisão do tribunal a quo que manteve o acto punitivo enferma, igualmente, do vício de inconstitucionalidade por violação daquele mesmo preceito, isto é, decide contra a Constituição e, mais precisamente, contra um direito fundamental de natureza especialmente protegida.
Nas suas contra-alegações o recorrido formula as seguintes conclusões: 1ª-O recorrente pretende sindicar a apreciação e valoração que o tribunal recorrido operou em matéria de facto.
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-Sendo os poderes de cognição do Pleno da Secção limitados a matéria de direito - artigo 12° n°3, do ETAF, está fora do âmbito do presente recurso jurisdicional substituir o juízo formulado sobre a conduta do Recorrente, por outro que, designadamente, a considere disciplinarmente irrelevante ou inócua, como pretende.
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-Além disso, o...
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