Acórdão nº 0469/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução05 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A…….Inc., interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que ela deduzira da sentença em que o TAF de Lisboa indeferira o seu pedido – dirigido contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e B……, Ld.ª – de suspensão da eficácia do acto de autorização de introdução no mercado de um certo medicamento e do acto aprovador do seu preço de venda ao público.

A recorrente findou a sua minuta de recurso oferecendo as conclusões seguintes: 1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, tem de conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista tem por fundamento questões jurídicas fundamentais que, no entender da Recorrente, revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.

2 Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância da AIM e também a aprovação de PVP terem por objecto mediato uma actividade - a comercialização do medicamento genérico da Contra-Interessada - violadora dos direitos de patente da Requerente e Recorrente que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição e, para além disso, considerada pela lei como um crime.

  1. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam per se violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

  2. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

  3. A nova norma do artigo 23º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

  4. As normas dos artigos 25° n°2 e 179° n°2 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o Infarmed alterar, suspender ou revogar AIMs com base na existência de direitos de propriedade industrial.

  5. Elas não têm, porém, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  6. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  7. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8° da Lei n° 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.

  8. As normas dos artigos 19º n°8 e 8.° n.°2 do Estatuto do Medicamento não têm qualquer conteúdo útil no contexto da acção principal, uma vez que esta não pressupõe que a AIM e PVP dos autos sejam “contrários” aos direitos de propriedade industrial da Recorrente, baseando-se exclusivamente na circunstância de que os mesmos viabilizam juridicamente a prática de actividade que, ela sim, é contrária a tais direitos.

  9. A norma do artigo 9° n°1 da Lei nº 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré- existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

  10. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18° n°3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  11. As normas da Lei nº 62/2011 acima referidas, bem como as conclusões delas retiradas pelo douto Acórdão recorrido, são insusceptíveis de obstar à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente, ora Recorrente, devendo dar-se provimento ao presente recurso, nos termos peticionados pela ora Recorrente.

  12. Mas se se entendesse o contrário, então tais normas seriam inconstitucionais por falta de protecção mínima adequada de um direito fundamental e por introduzirem limitações retroactivas a tal direito, violando nomeadamente os artigos 17º e 18º da Constituição.

  13. A douta sentença recorrida fez uma interpretação errada dos preceitos da Lei n° 62/2011, de 12 de Dezembro, acima citados, nos termos também acima expostos, violando, entre outros, os artigos 18° da Constituição e 133 n°2 c) e d) do Código de Procedimento Administrativo e ainda o artigo 120º n° 1 b) do CPTA.

    O Infarmed contra-alegou, concluindo do seguinte modo: 1- O presente recurso não preenche os pressupostos previstos no artigo 150.°/1 do CPTA, porquanto as questões em causa não são questões cuja relevância jurídica revista importância fundamental ou para a qual seja necessário um recurso de revista para melhor aplicação do direito.

    2- Isto porque o que a Recorrente confessadamente pretende é antecipar a decisão final de mérito (que só poderá ter lugar em sede do processo principal), uma vez que pretende desde já averiguar se a entrada em vigor da Lei 62/2011 implicará um indeferimento das acções administrativas especiais que têm em vista a impugnação de AIMs de medicamentos genéricos por alegadamente violarem alegados direitos de propriedade industrial.

    3- No entanto, como estes autos são cautelares, e a questão levantada pela Recorrente no presente recurso em nada se relaciona com os requisitos para a adopção de providências cautelares previstos no artigo 120.° do CPTA, afigura-se que as questões colocadas pela Recorrente não revestem um carácter excepcional para serem julgadas em sede de recurso de revista de um processo cautelar.

    4- Aliás, refira-se que, com o presente recurso, a Recorrente apenas pretende antecipar a decisão de mérito que terá lugar no âmbito do processo principal de forma a beneficiar desde já do efeito suspensivo operado por um eventual deferimento da presente providência cautelar.

    5- No entanto, se assim não se entender, e conforme tem defendido este Venerando Supremo Tribunal, se o que a Recorrente pretende é a declaração de inconstitucionalidade de determinadas normas da Lei 62/2011, então deve efectuar um recurso autónomo para o Tribunal Constitucional.

    6- Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade Administrativa dirimir.

    7- Isto mesmo resulta claro do artigo 25.°/2 do Estatuto do Medicamento, na redacção dada pela Lei 62/2011, norma esta que, nos termos do artigo 9.°/1 da Lei...

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