Acórdão nº 0642/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução23 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A……….., S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com o Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido nos presentes autos a 2 de Maio de 2012 (a fls. 129 a 143), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que havia julgado procedente a impugnação que deduzira contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 1994 e respeitantes a imposto devido pela venda de “salvados” resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados, vem, nos termos do artigo 284.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o Acórdão também deste Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no recurso n.º 26.435 (junto a fls. 173 a 180 dos autos).

A recorrente apresentou alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados a fls. 157 a 159, concluindo no sentido de que deverá ser reconhecida a existência da apontada oposição, ordenando-se em consequência o prosseguimento dos autos, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art. 284.º do CPPT.

Por despacho de 21 de Junho de 2012 (fls. 160) veio o recurso a ser admitido, no entendimento de que se verifica a invocada oposição de acórdãos, ordenando-se em consequência a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 284º do CPPT.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. A aquisição de salvados pela seguradora é um elemento do processo de indemnização no âmbito do contrato de seguro, pois a seguradora não celebra com o segurado qualquer contrato de compra e venda.

B. A seguradora adquire a propriedade do salvado unicamente ao abrigo do contrato de seguro, e em resultado do pagamento da indemnização, sendo a transferência da propriedade inerente à obrigação legal de pagamento de indemnização e, portanto, inerente à própria actividade seguradora.

C. A aquisição de salvados não é, simplesmente, uma “actividade conexa” ou “complementar” da actividade seguradora, mas sim uma das diversas operações em que se decompõe a actividade seguradora, que envolve a prática de vários actos jurídicos, em que se desdobra um negócio jurídico complexo.

D. A tese que recusa a isenção de IVA assenta numa autêntica ficção: de que as seguradoras, para além da respectiva actividade, exercem uma outra, de compra e venda de salvados.

E. Além disso, a AT não pode exigir que a seguradora apresente factura ou documento equivalente de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, ou que a Impugnante demostre que não lhe foi liquidado IVA por parte dos anteriores proprietários dos salvados, dado que a aquisição dos salvados resulta de um processo de pagamento de indemnizações no âmbito de um contrato de seguro e não de um contrato de compra e venda.

F. Por esse motivo, não há lugar à emissão de uma factura, nem essa aquisição dá origem a liquidação de IVA.

G. Sendo assim, porque os actos ou contratos relativos a salvados são inerentes à actividade seguradora e indissociáveis dessa actividade, a aquisição e consequente venda de “salvados” pelas companhias de seguros, no âmbito de contrato de seguro automóvel, abrangendo bens exclusivamente afectos a actividade isenta (operações de seguro, resseguro e prestação de serviços conexos) que não confere direito à dedução, integra a isenção prevista pelo art. 9.º n.º 29 e 33 do CIVA.

Face ao exposto, deverá a identificada oposição de acórdãos ser resolvida firmando-se jurisprudência no sentido de que a aquisição e subsequente venda de 2salvados” pelas companhias de seguros integra a isenção prevista pelo artigo 9.º, n.ºs 29 e 33 do CIVA.

Mais deverá, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, e ser substituído por outro que confirme a douta sentença que anulou os actos impugnados, assim se fazendo JUSTIÇA 2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: Objecto do recurso: acórdão STA – SCT proferido em 2.05.2012 (em oposição com acórdão STA -SCT proferido em 91.02.2003 - processo n.º 26 435FUNDAMENTAÇÃO1. São requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos: - identidade da questão fundamental de direito - ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica - identidade de situações fácticas - antagonismo de soluções jurídicas (art. 284º CPPT; art. 27º nº 1 al. b) ETAF vigente; art. 152º nº1 al. a) CPTA) A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (acórdãos STA Pleno secção de Contencioso Tributário 19.06.96 processo nº 19 532; 18.05.2005 processo nº 276/05) A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV p. 475; acórdão STJ 26.04.1995 processo nº 87 156) A oposição de soluções jurídicas exige ainda pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (acórdãos STA Pleno SCT 6.05.2009 processo nº 617/08, 26.09.2007 processo nº 452/07; acórdãos STA SCT 28.01.2009 processo nº 981/07; 22.10.2008 processo nº 224/08) 2.Aplicando estas considerações ao caso concreto: Questão fundamental de direito: isenção de IVA sobre a venda de salvados efectuadas pelas companhias de seguros.

Esta questão decompõem-se em duas subquestões, com a seguinte enunciação: - inclusão da actividade de venda de salvados no conceito de operações de seguro e de resseguro, constante do art. 9.º nº 29 do CIVA (actualmente art. 9º nº 28 CIVA) - configuração da venda de salvados como transmissão de bens exclusivamente afectos exclusivamente a uma actividade isenta, nos termos do art. 9.º n.º 33 CIVA (actualmente art. 9.º n.º 32 CIVA) Os acórdãos em confronto pronunciaram-se expressamente de forma antagónica, nos seguintes termos: - Acórdão recorrido: a venda de salvados adquiridos pelas companhias de seguros não beneficia da isenção prevista no art. 9.º n.ºs 29 ou 33 do CIVA - acórdão fundamento: a venda de salvados adquiridos pelas companhias de seguros, no âmbito de contrato de seguro automóvel, porque de bens exclusivamente afectos a actividade isenta que não confere direito à dedução (operações de seguro, resseguro e prestação de serviços conexos) beneficia da isenção estabelecida no art. 9.º n.ºs 29 e 33 CIVA.

Conflito de jurisprudência Revendo posição expressa no parecer emitido em 12.07.2011 (fls. 127) o Ministério Público adere à doutrina do acórdão recorrido, pela solidez e convincência da sua fundamentação, a qual transcreve integralmente a fundamentação plasmada no matricial acórdão STA-SCT 19.04.2012 processo nº 101/12 Nesta conformidade permitimo-nos a transcrição do sumário doutrinário do acórdão recorrido.

I – O art. 8.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, distingue, por um lado, entre actividade de seguro directo e de resseguro, que é da competência exclusiva das companhias de seguros, enquanto instituições financeiras, actividade sujeita a autorização, de acordo com o regime do referido diploma, e que só elas podem exercer a título principal, e, por outro lado, actividades conexas ou complementares, que podem ser desenvolvidas autonomamente por outras entidades e que nem sequer estão sujeitas a autorização.

II – O referido preceito, ao integrar a aquisição/venda de salvados nas actividades conexas ou complementares significa que, na óptica do legislador, não se trata de operações de seguro e ou de resseguro, sendo que existe uma diferença fundamental entre os dois tipos de actividades mencionadas.

III – Considerando a letra e a razão de ser da isenção consagrada no art. 9.º, n.º 29, do CIVA, ao dizer-se que estão abrangidas na referida isenção as operações de seguro e de resseguro realizadas por companhias de seguros, bem como as prestações de serviço conexas efectuadas pelos correctores e intermediários de seguros, deve entender-se que não cabe na mesma a actividade de venda de salvados pelas companhias de seguros. IV – A venda de salvados também não preenche as condições da isenção prevista no nº 33 do art. 9º do CIVA (que o bem esteja afecto à actividade isenta e que a aquisição do bem pelo sujeito passivo tenha sido feita com exclusão do direito a dedução) porque não se trata de uma actividade isenta, mas apenas de operações isentas e a lei não estabelece que ficam isentas todas as actividades de seguro e resseguro, mas apenas as operações de seguro e resseguro. Por outro lado, também não foram abrangidas as actividades conexas ou complementares em geral, mas só as dos intermediários e correctores de seguro e não todas mas apenas das conexas com as operações de seguro e resseguro. Finalmente, o salvado não deve ser qualificado como bem afecto à actividade seguradora, pois quando se fala de bens afectos à actividade isenta quer-se significar os bens que tenham sido utilizados na empresa transmitente na realização de operações isentas do imposto. Aplicá-la aqui era partir não da utilização do bem para determinar o regime da subsequente venda mas inverter a relação e ir buscar o regime que se pretende para a venda para qualificar a utilização anterior.

V – Considerando a natureza excepcional ou anti-sistema das normas de isenção de IVA, elas devem ser objecto de uma interpretação estrita declarativa, isto é, uma interpretação literal...

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