Acórdão nº 68/1991.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCATARINA ARÊLO MANSO
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – Manuel, casado, agricultor, instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização de 8.500.000$00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação.

Alegou que no dia 21/3/88, quando caminhava na estrada regional 102, foi colhido pelo veículo de matrícula MG-00-00, de serviço militar; o condutor desse veículo seguia distraído, a mais de 60 km/h e perdeu o controlo do mesmo; em consequência do embate o autor sofreu lesões, fracturas, esteve internado no hospital, foi operado, após alta esteve acamado, até hoje sente dores e ficou com o pé esquerdo deformado; ficou por isso incapacitado para o trabalho, incapaz de prover ao seu sustento; gastou todo o dinheiro que tinha nos tratamentos.

O réu contestou, por via de excepção e de impugnação, pedindo a improcedência da acção.

O autor respondeu.

O Tribunal de 1ª instancia julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e absolveu o réu do pedido. Desta decisão houve recurso. O Tribunal da Relação revogou a decisão da 1ª instância, julgou improcedente a excepção mencionada e ordenou que os autos prosseguissem.

O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão da 2ª instância.

Foi proferido despacho saneador e de condensação.

Foi requerida a intervenção do Tribunal colectivo.

Realizou-se o julgamento e a acção julgada procedente e, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 42 397,82, acrescida dos juros à taxa legal anual de 15% vencidos desde a citação até 29/9/95, de 10% vencidos desde 30/9/95 até 16/4/99, de 7% vencidos desde 17/4/99 até 30/4/03 e de 4% vencidos desde 1/5/03 até integral pagamento.

Não se conformando com a decisão interpôs recurso o réu e nas suas alegações concluiu: - comprovando-se que o proprietário/Estado tinha a direcção efectiva do veículo, mas já não se tendo alegado nem provado que o seu condutor, ao utilizar esse veículo agiu mediante ordens ou instruções daquele ou sob a sua fiscalização, não se pode concluir que aquele era comissário, sendo, por isso, de afastar a presunção de culpa do nº 3 do art. 503º do C.C; - afastada a culpa efectiva ou presumida, no âmbito da responsabilidade pelo risco, atenta a redacção do disposto no art. 508º do C.C. à data do acidente e o valor da alçada da Relação fixado no art. 20º-1 da Lei 82/77 de 06/12, o limite máximo da indemnização a pagar ao lesado em acidente de viação no caso em que não haja culpa do responsável era de 400 000$00; - o A. alega que caminhava a pé na Estrada Regional 102, ao sítio de ..., ... no sentido este-oeste, no lado direito, o mais próximo possível do bordo da baixa de rodagem, bem encostado à berma e o R./Estado, não põe em causa que o Autor circulasse naquele local, embora no sentido Oeste-Este, afastado do muro marginal, infringindo, por isso, o disposto no art. 40º nº 3, parágrafo 2º do C.Estrada, o Tribunal, ao dar como assente que o A. circulava na berma, extravasou os limites da matéria de facto disponibilizados pelas partes, com evidente violação do princípio dispositivo, que impede o juiz de se servir de factos que não tenham sido alegados pelas partes (disposições conjugadas dos artigos 664.º e 264.º); - constitui uma ampliação da matéria de facto alegada, o que constitui nulidade nos termos estabelecidos no artigo 201.º C.P.Civil, inviabilizando ao R. a possibilidade de invocar e demonstrar que, face às dimensões da berma, não era possível o trânsito dos peões nos dois sentidos, razão pela qual se impunha que o lesado, no caso, que circulasse na berma contrária atento o disposto no art. 40º-1 do C. Estrada; - inexistindo culpa efectiva do condutor, a circunstância do peão circular indevidamente pela faixa de rodagem, no mesmo sentido do veículo e a que acresce a situação de surdo-mudo do lesado (que imporiam, no caso, um especial dever de cuidado) constituem factores a ter em conta, se não para excluir a culpa, pelo menos para graduar/diminuir a culpa; - face à alteração do facto nos termos supra expostos e tendo o Estado alegado que o A. circulava indevidamente no local indicado na P.I. cabia ao tribunal, nos termos do art. 572º do C.Civil e 650º1-f) do C.P.Civil, determinar se a circulação do peão na berma em causa, ainda assim, poderia constituir uma actuação que violasse o disposto no art. 40º-1 do C. Estrada, o que se requer sejam, ainda, determinado em sede de recurso nos termos do art. 712º-2 do C.P.Civil; - no cálculo do capital devido pela IPP, a idade a ter em conta é a que corresponde ao fim da vida activa ou, pelo menos, ao da esperança média de vida para os homens (75 anos) sendo que, na sentença, este factor foi indevidamente considerado ao aplicar a esperança média de vida das mulheres (cerca de 5 anos superior).

- não existe qualquer facto que justifique que o resultado obtido por força da aplicação da fórmula matemática utilizada na sentença para a determinação do capital seja aumentado fixado equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil); – atendendo às consequências físicas e às dores médias sofridas pelo A., à sua situação económica e ao reduzido grau de culpa (presumida) do condutor, na envolvência de juízos de equidade a que alude o artigo 496º, nº 3, primeira parte, não deveria ter sido atribuída uma indemnização de montante superior a 3 000 000$00 (74 819 euros); - a afirmação feita na sentença de que o montante da indemnização, aqui tão só no que se refere aos danos morais, foram os «contabilizados há mais de 20 anos» a verdade é que a mesma se enquadra e teve em conta os valores actuais que a jurisprudência atribui a tais tipos de danos pelo que os juros deverão, apenas, ser considerados a partir da decisão actualizadora e não da citação.

Deve, por isso, ser revogada a douta decisão em apreço e substituída por outra que: - declare a nulidade nos termos estabelecidos no artigo 201.º C.P.Civil por ampliação da matéria de facto alegada ou; - nos termos do art. 572º do C.Civil, 650º1-f) e art. 712º-2 do C.P.Civil do C.P.Civil, determinar agora a ampliação da matéria de facto para determinar a largura da berma da estrada, com respeito pelo contraditório ou; - limite a indemnização ao máximo de 1995€ ou; - reduza a indemnização fixada segundo os critérios legais supra expostos Factos 14. No dia 21/3/88, cerca das 7:30, na ER [estrada nacional] nº 102, no Sítio de ... – ..., ocorreu um embate entre a viatura militar pesada Berliet, de matricula MG-00-00, conduzida por Fernando, propriedade do Estado Português, ao serviço do Regimento de Infantaria do ... (Ministério da Defesa) e o autor que seguia a pé – alínea A.

  1. O tempo estava bom e a visibilidade era normal, sendo que a estrada no local tem 5,80 m de largura – alínea B1.

  2. Fernando, na sequência do acidente, foi sujeito a processo militar, que correu termos no 3º Tribunal Militar Territorial de Lisboa e cuja decisão se encontra a fls. 98, dando-se aqui por integralmente reproduzida e para todos os efeitos legais, tendo-se aí concluído pela improcedência da acusação e absolvição do arguido – alínea F.

  3. O mesmo Fernando foi indiciado no inquérito preliminar nº .../88, que correu termos nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de ..., tendo o mesmo sido objecto de despacho de arquivamento em 21/1/91, por verificação da prescrição do procedimento criminal, conforme certidão de fls. 10 e que aqui se tem por integralmente reproduzida para todos os efeitos legalmente admitidos – alínea G.

  4. Na data, hora e local referidos na alínea A da especificação, o autor seguia no sentido Camacha – Santo da Serra na ER 102 – resposta ao quesito 1.

  5. O condutor do veículo do réu seguia na mesma ER 102, no mesmo sentido do autor – resposta ao quesito 2.

  6. O autor seguia na berma, no lado direito da via atento o seu sentido de marcha – resposta ao quesito 3.

  7. O veículo do réu colheu o autor – resposta aos quesitos 6 e 8.

  8. Desde a altura do acidente o autor sofre de dores médias em todas as articulações do tarso – resposta ao quesito 14.

  9. Em consequência do acidente o autor sofreu a seguinte incapacidade: incapacidade temporária total por 56 dias, seguida de incapacidade temporária parcial de 50% até 27/3/91, apresentando actualmente uma incapacidade permanente de 5%; relativamente à incapacidade profissional, ficou temporária e totalmente incapaz para a sua profissão de agricultor desde a data do acidente até 31/12/94 – resposta ao quesito 15.

  10. Em consequência do acidente o autor sofrerá para sempre de marcha claudicante e dores na marcha, tendo durante algum tempo usado bengala – resposta ao quesito 25. O autor era, antes do acidente, pessoa saudável e forte, com o esclarecimento de que é surdo-mudo – resposta ao quesito 17.

  11. Auferindo então cerca de 30 000$00 mensais pela sua actividade agrícola – resposta ao quesito 18.

  12. Ficou com incapacidade para o seu trabalho de agricultor conforme consta da resposta ao quesito 15, sendo essa actividade a sua única fonte de rendimentos – resposta ao quesito 19.

  13. O agregado familiar do autor é constituído por si e pela mulher – resposta ao quesito 20.

  14. A mulher do autor é doméstica e trabalha na agricultura – resposta ao quesito 21.

  15. Vivendo o casal em estado de pobreza – resposta ao quesito 22.

  16. Todo o dinheiro que tinha despendeu-o o autor em tratamentos, medicamentos e deslocações ao hospital, somando um total não inferior a 150 000$00 – resposta ao quesito 23.

  17. Tem-lhe valido o auxílio de terceiros – resposta ao quesito 24.

  18. O que consta da resposta ao quesito 15 – resposta ao quesito 25.

  19. Fernando cumpria, à data do acidente, serviço militar, e conduzia a citada viatura em serviço – resposta ao quesito 27.

  20. A viatura militar conduzida por...

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