Acórdão nº 1730/10.4TJLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAAVEDRA
Data da Resolução12 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório: A… e B… vieram propor contra C… acção de despejo sob a forma sumária, invocando, em síntese, que são proprietárias da fracção autónoma designada pela letra “..” que constitui o .º andar direito do prédio urbano sito na Av. .., em Lisboa, arrendada a D… em 21.12.1953, sendo que tal arrendamento se transmitiu à respectiva mulher, ora Ré, por óbito daquele em 6.8.1986, sendo a renda actual de € 105,00. Mais referem que a dita Ré procedeu a alterações na estrutura interna do andar em causa e na disposição interna das suas divisões, sem qualquer consentimento das AA., facto que só veio ao conhecimento destas em 30.10.2009, quando naquele e noutros andares do prédio foi realizada uma vistoria. Pedem que seja declarada a resolução do contrato arrendamento e o despejo do locado, sendo a Ré condenada a entregá-lo às AA. em bom estado de conservação e livre de pessoas e bens, repondo, ainda, no prazo de 30 dias após a sentença, o seu estado anterior, nomeadamente colocando a porta da sala comum no local primitivo, retirando a porta e parede que a encima na separação do hall para o corredor, repondo as loiças da casa de banho no local em que inicialmente se encontravam e repondo também o pavimento daquela ao nível do pavimento do corredor, suportando todos os custos respectivos.

Contestou a Ré, impugnando em parte a factualidade alegada, mais excepcionando a caducidade do direito das AA. à resolução do contrato e o abuso de direito quanto à peticionada reposição do locado no estado anterior. Alega, no essencial, que realizou na fracção obras de adaptação e melhoramento no início de 1988 que não constituem qualquer modificação substancial da disposição interna das respectivas divisões nem constituem incumprimento grave do contrato, uma vez que melhoram as condições habitacionais e funcionais do arrendado, e que as AA. delas têm conhecimento desde 1996, quando se deslocaram àquele andar para realização de vistoria. Refere, ainda, que o pedido respeitante à reposição da fracção no estado anterior apenas visa causar à Ré prejuízo patrimonial, pois nenhuma vantagem nisso têm as demandantes que, para além do mais, arrendaram recentemente o 6º andar direito do prédio, cuja casa de banho sofrera alterações idênticas, sem que a tivessem reposto na sua forma original. Pede a improcedência da causa.

As AA. responderam às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e concluindo como na p.i..

Foi elaborado despacho saneador, com selecção da matéria de facto, relegando-se para final o conhecimento das excepções arguidas.

Instruída a causa, realizou-se audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria de facto constante da base instrutória.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente a absolveu a Ré dos pedidos formulados.

Inconformadas, as AA. recorreram da sentença, apresentando as respectivas alegações que culminam com as conclusões a seguir transcritas: “ 1- A Ré e ora recorrida é a actual arrendatária por transmissão da posição de arrendatário de que era titular D… relativamente ao .º andar direito do prédio n…. em Lisboa, pelo qual paga presentemente a renda de 105,00 € mensais.

2- Nos termos do contrato de arrendamento junto aos autos o inquilino não pode fazer obras ou benfeitorias na casa arrendada, sem autorização do senhorio dada por escrito e reconhecida pelo notário.

3- No referido 5º andar direito a Ré procedeu ao fechamento em tijolo e cimento da porta que dava acesso à sala comum do andar, previamente existente e onde se encontram todas as outras portas da sala dos andares lado direito do prédio.

4- Procedeu à demolição de parte da mesma parede, que se situa no corredor de acesso aos quartos, para aí abrir um novo vão (porta de acesso a essa mesma sala).

5- Procedeu à instalação de uma porta entre o hall e o corredor de acesso à instalação sanitária, a sala e aos quartos.

6- E, na casa de banho, procedeu a nova localização do lavatório que passou para o lugar da banheira, tendo esta ultima, sido reposicionada no local do bidé.

7- Tendo alterado a zona da banheira, onde construiu um degrau, sensivelmente a meio da casa de banho.

8- Para a realização das obras referidas em 3º, 4º, 5º e 6º a Ré não obteve qualquer prévio consentimento das AA..

9- Que nunca lhe deram autorização escrita para o efeito.

10- Sendo que, após uma das AA. ter estado no locado em Dezembro de 2009 e ter só então constatado tais alterações ainda assim no dia 29/9/10 após nova deslocação ao locado as referidas obras se mantinham.

11- As referidas obras foram realizadas sem qualquer comunicação à Câmara Municipal respectiva.

12- Além do já referido a Ré procedeu ainda ao fechamento em tijolo, e cimento da parte desse corredor, em arco arredondado.

13- Além do já referido a Ré construiu um degrau (na casa de banho) anteriormente inexistente.

14- Também para a realização das obras referidas em P e Q a Ré não obteve qualquer prévio consentimento das AA..

15- Que nunca lhe deram autorização escrita para o efeito.

16- As referidas obras foram também realizadas sem qualquer comunicação à Câmara Municipal.

17- Sendo as leis que regulam o arrendamento inovadoras, exige-se a sua aplicação imediata, independentemente da data da ocorrência dos factos que lhe deram origem, até porque as AA apenas tomaram conhecimento desses factos em Dezembro de 2009 em plena vigência da lei nova (NRAU), como foi completamente demonstrado.

18- Finalmente e revestindo extrema importância “não é pelo momento da instauração da acção que se determina a lei aplicável, mas sem pela data da entrada em vigor daquela lei e da subsistência nessa data, dos contratos que passaram a ser abrangidos por ela (cfr. AR Porto de 2/3/10).

19- Ora, olhando para as normas transitórias referidas no diploma constata-se que nenhuma existe que afaste a aplicação desta Lei a casos como o presente em que a resolução do contrato de arrendamento assenta (tem por fundamento) a realização de obras sem consentimento do senhorio (sendo certo que os casos que cabiam na previsão do art.º 64 do RAU são agora enquadráveis na estatuição dos art.º 1083º e 1084º na redacção dada pela Lei 6/2006).

20- Assente que a Ré não obteve a autorização escrita das AA. para a realização de tais obras também não justificou (porque não provada essa necessidade) a alteração da porta da sala comum do inicio do corredor para uma posição muito mais distante da cozinha, nem a colocação de uma gola em tijolo, com porta na divisão do hall para o corredor uma vez que os Srs. Peritos foram claros em afirmar que não existiam cheiros decorrentes da cozinha, nem tendo igualmente justificado a razão pela qual necessitando a casa de banho de reparação não avisou imediatamente as senhorias dessa situação e também a razão pela qual não se limitou a substituir as loiças sanitárias e canalizações no local em que primitivamente se situavam alterando assim sem a autorização da Câmara Municipal respectiva e de forma radical não só a planificação do andar arrendado (vide planta junta aos autos) como a facilidade de locomoção neste.

21- Cabe ao arrendatário fazer do andar uma prudente utilização já que o “monopólio” de transformação e alteração de coisa locada permanece nas mãos do proprietário: o direito de transformação de coisa é inerente ao direito de propriedade (A.S.T.J. de 7/7/99) pelo que o poder de transformação do imóvel pertence apenas ao proprietário/senhorio (e o arrendatário apenas tem o gozo temporário do imóvel (Ac. R.C. de 15/3/05).

22- As alterações efectuadas no andar em causa não podem considerar-se, obviamente, como pequenas deteriorações, pois, como reconhece o M.º Juiz “a quo” configuram uma alteração de disposição interna das divisões do locado.

23- Refere, entretanto, o M.º Juiz “a quo” que tais alterações da disposição interna das divisões do locado não se revelam como substanciais de constituição interna do locado de forma profunda, considerável e essencial, isto é não representam uma transformação profunda e sensível da morfologia interna do locado.

24- O certo é que tais obras revelam carácter definitivo e subvertem o principio de que o monopólio de transformação e alteração da coisa locada permanece nas mãos do proprietário/senhorio, no sentido de que o senhorio quando arrenda um andar tem a expectativa legitima de o receber nas mesmas condições em que o deu de arrendamento, sem alterações na sua disposição interna.

25- Que mais é necessário alterar no arrendado para que a falta de confiança se instale na relação entre eles que fundamente e conceda o direito à resolução do contrato? 26- Qual o cidadão deste País que tendo arrendado um andar em que o inquilino procedesse às alterações atrás descritas aceitaria essas mesmas alterações e não consideraria face a elas quebrada a confiança que deveria existir entre as partes e fundamentada a resolução do mesmo? 27- Que mais é permitido o arrendatário alterar na casa arrendada, que lhe permita ficar impune face ao senhorio, que fica com a sua casa alterada com alterações para as quais não foi previamente ouvido, não as autorizou, não foram autorizadas pela Câmara Municipal respectiva, e com elas não concorda nem as pretende? Entretanto, 28- O contrato de arrendamento do andar superior foi resolvido mediante acção de despejo e não tendo sido as AA a executar tais alterações, competir-lhes-ia a elas AA e proprietárias, despender ao tempo centenas de contos de reis para repor no estado anterior uma obra/alteração de que não tinham sido autoras.

29- A complacência e tolerância do M.º Juiz “a quo” para a situação de manifesto e reiterado incumprimento da arrendatária no que a este caso se refere ultrapassa o admissível quando entende que as AA e aqui recorrentes não obterão qualquer tipo de vantagem, beneficio e/ou utilidade na reposição do arrendado, como que para inverter esse tal alegado monopólio de transformação...

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