Acórdão nº 869/10.0TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelLUÍS LAMEIRAS
Data da Resolução19 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

1.1. A… propôs acção declarativa, em forma ordinária, contra B…, C…, D… e E…, pedindo (1º) o proferimento de sentença que produza os efeitos da decla-ração negocial das rés quanto ao contrato-promessa de cessão de quota e supri-mentos e quanto ao contrato-promessa de compra e venda de ½ de duas fracções, que celebraram como promitentes adquirentes, e bem assim onerando-as a pagar-lhe o remanescente de preço em falta, de 548.593,24 €, e juros; (2º) como ainda, a condenação das rés a pagar-lhe a indemnização estabelecida como cláusula pe-nal, no montante de 250.000,00 €.

Alega, em síntese, que é sócia com a 1ª ré, sua irmã, da sociedade F… Ld.ª e que, com o seu então marido (de quem entretanto se divorciou), ajustou promessa de venda da sua quota e suprimentos, com as rés (as 2ª, 3ª e 4ª, filhas da 1ª), e estas de compra; bem como de ½ das duas fracções, em que funciona a actividade empresarial de ourivesaria da sociedade, com a 1ª ré, e esta de compra. A marcação das escrituras era ónus das rés; porém, acontecendo que estas nada fizeram. Correu acção judicial, em que a autora pediu a resolução dos contratos; mas que foi julgada improcedente por se não reconhecer o incumprimento definitivo. Convocaram os promitentes vendedores as promitente compradoras para a feitura dos negócios definitivos; mas estas não o fizeram. Em suma, a autora (que hoje é a única dona dos prometidos bens) visa obter execução específica. Além disso, a indemnização ajustada em termos de cláusula penal.

1.2. As rés contestaram a acção.

Excepcionaram a preclusão do caso julgado e a ilegitimidade activa; e invocaram, ainda, a excepção de não cumprimento. Para o efeito de não procederem, propugnaram a improcedência da acção.

Reconvencionaram a resolução dos dois contratos-promessa, com culpa da autora, e pediram a sua condenação a pagar, a cada uma, 250.000,00 €, e ainda à 1ª ré a quantia de 69.832,00 €. Por fim, arguíram a má-fé da autora; que deve ser condenada em, pelo menos, 20 UC de multa e 200 UC de indemnização.

Em síntese, iniciam a apelar à precedente acção judicial; a autora não usou nela de todos os meios de que dispunha; não pode agora formular um pedido que, no momento próprio, não deduziu; há efeito preclusivo de caso julgado. Depois, o ex-marido da autora outorgou nos dois contratos-promessa; está obrigado pelos emergentes efeitos; há, por isso, litisconsórcio necessário activo dos promitentes vendedores, e ex-cônjuges.

Ademais; a autora imediatamente após outorgar as promessas iniciou actividade concorrencial com a sociedade; levou consigo clientes desta; aliciou-os a furtarem-se aos pagamentos e recebeu-os directamente; denegriu a sua imagem comercial. A sociedade viu diminuir drasticamente o volume de negócios. A 1ª ré viu-se forçada a separar-se da autora na actividade empresarial. A autora renunciou à gerência; mas manteve a intitular-se e agir como tal. Recebeu créditos sociais de milhares de euros. Retirou à sociedade jóias e peças de joalharia, que vendeu em proveito próprio. As rés e promitentes adquirentes da cessão da quota viram as existências sociais substancialmente reduzidas; e tomaram conhecimento de débitos da sociedade, muitos respeitantes às peças retiradas. É a 1ª ré que sozinha vem pagando as dívidas aos fornecedores, muitas relativas às peças que a autora levou. Por isso, e enquanto esta não repuser tudo o que levou consigo, não podem as rés marcar e outorgar as escrituras de aquisição. As rés aceitam as pro-metidas aquisições, mas em condições que se deixaram de verificar por culpa exclusiva da autora; e exigem que esta cumpra com as suas obrigações para com a sociedade F… Ld.ª. Ao proceder desta maneira, a autora descapitalizou a empresa e alterou substancialmente o valor da quota prometida; aceitando as rés adquiri-la apenas desde que o preço seja reduzido na medida dos valores subtraídos pela autora, de 300.000,00 €. Para a escritura é necessário documento de avaliação das quotas; que as rés, sem a reposição dos bens, não conseguem emitir. Em suma, foi a autora quem incumpriu as promessas; pelo que deve indemnizar as rés; cada uma pela cláusula penal, de um dos contratos; e a 1ª, ainda, pelo sinal em dobro, do outro. Por fim, opera a excepção de não cumprimento, enquanto a autora não restituir o património social; visando as rés compensar a quantia que têm a receber dela, com o valor que a ela tenham a pagar.

A autora litiga de má-fé; com o objectivo de lesar as rés.

Sonega elementos necessários à outorga das escrituras; apropriou-se de bens e de créditos da sociedade; descapitalizou-a e gerou-lhe graves problemas de natureza fiscal; exerce actividade concorrencial; e só a sua conduta inviabilizou irremediavelmente a outorga dos negócios definitivos.

1.3. A autora respondeu em réplica.

O pedido da precedente acção fôra resolutório; o da presente acção é de cumprimento coercivo; e essa diferença é a mostra de que não existe caso julgado. Ademais, o fundamento da sua improcedência foi a manutenção da mora; e nada obstava até a que, convertida esta no incumprimento, a acção anterior se renovasse. Por outro lado, ilegitimidade activa também se não vislumbra; cabendo a qualquer outorgante no contrato, por si só, intentar as acções que entendesse dado o respectivo interesse pessoal e directo expresso pela sua procedência.

As rés referem artigos de joalharia retirados e créditos recebidos pela autora; mas nada concretizam; mostrando o infundado da excepção de não cumprimento que alegam. Invocam generalidades; repetem factos sem sustentação probatória; têm consciência das distorções, substantivas e processuais, que prosseguem; devem, por isso, elas sim, serem censuradas como litigantes de má-fé.

O alcance que as rés dão à cláusula penal ajustada é inidóneo. Seja co-mo for, os factos que invocam, como alicerce reconvencional, são falsos. Certo é que a autora só ainda é sócia porque as rés não cumprem o contrato. Também o é que iniciou actividade noutro local, o que as rés souberam e com o que concordaram. E foi o clima de confiança que merece que levou clientes a acompanhá-la. Mas nunca recebeu créditos sociais; houve foi divisão consensual de fichas de clientes entre autora e 1ª ré. É a incapacidade desta que contribui para o insucesso do seu negócio; sendo a autora alheia aos negócios societários. A redução das existências, os débitos a fornecedores, as peças divididas entre rés e autora, é tudo consequência de um acordo que foi entre todas ajustado, por ocasião da celebração das promessas. A autora nada de censurável fez; e a situação descapitalizada da sociedade só pode ser fruto da gestão da 1ª ré. Não está, por isso, aquela disponível agora para uma modificação dos contratos-promessa firmados; e que, na realidade, não foram pontualmente cumpridos.

A autora não tem de fornecer elemento algum necessário à feitura dos negócios definitivos; de comum acordo com as rés, procedeu-se à divisão dos bens e dos créditos que constituíam activo societário. A insustentabilidade de manter a sociedade, como até então, é que levou a autora a afastar-se da 1ª ré; e esta sempre disso esteve ciente; optando por adquirir, com as demais rés, suas filhas, a posição societária da autora. Elas manifestam a intenção de cumprir desde que a autora (dizem) lhes preste contas; ora, esta óptica é incoerente com o incumprimento definitivo, pressuposto da resolução que depois reclamam.

Por fim, o incumprimento prolongado das rés tem abalado profundamente a autora; agravado a sua qualidade de vida e a saúde, tanto mais serem aquelas suas irmã e sobrinhas. A autora padece de depressão, cuja recuperação tem sido afectada pelo sofrimento que estas lhe têm causado. Tem, por isso, direito a indemnização por danos patrimoniais, Em suma; (1) improcedem as excepções de caso julgado, ilegitimidade activa e excepção de não cumprimento; (2) improcede a reconvenção; (3) improcede a litigância de má-fé da autora; (3) devem, em termos de ampliação do pedido, as rés ser condenadas a pagar à autora uma indemnização, por danos não patrimoniais, de 100.000,00 €; e (4) devem as rés ser condenadas, como litigantes de má-fé, em multa de 50 UC e em indemnização consistente no reembolso de despesas geradas pelo comportamento censurável, incluindo honorários de advogado, a liquidar (mais tarde).

1.4. As rés apresentaram tréplica.

Sempre pretenderam cumprir, mas exigem acerto de contas à autora; é esta que não cumpre o contratado; e vem provocando abalo psicológico às rés. A depressão da autora é anterior ao litígio; e foi por isso que a promessa foi feita, já que a autora fazia negócios ruinosos e desviava bens sociais. Foi a conduta da autora que pôs em causa a harmonia familiar. Em suma, o ampliado pedido, por danos não patrimoniais, é improcedente.

Por outro lado, ao contestarem agiram na consciência da verdade dos factos e no exercício dos direitos de defesa que lhes assistem. Inexiste má-fé.

  1. A instância declaratória desenvolveu-se.

    No despacho saneador o tribunal “a quo” julgou improcedente a excepção da ilegitimidade activa da autora (v fls. 227 a 228) e, de igual modo, improcedente a excepção do caso julgado (v fls. 228 a 231).

    Foi proferida sentença final. Não se censurou qualquer das partes por litigar de má-fé. Julgou-se a reconvenção totalmente improcedente. E, quanto à acção, julgou-se parcialmente procedente, declarando transmitida a favor das rés a quota e suprimentos da autora na sociedade F… Ld.ª, pelo preço de 416.496,24 €, e na proporção ajustada, bem como declarando transmitida para a ré B… a propriedade das fracções, pertença da autora, pelo preço de 231.941,00 €, e condenando as rés a pagar à autora o remanescente dos preços das duas transmissões, no total de 548.593,24 €, e juros; absolvendo no mais.

  2. 3.1. As rés inconformaram-se; e interpuseram apelação.

    Terminaram a alegação de recurso com extensas e prolixas conclu-sões; mas que se...

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