Acórdão nº 2366/09.8TMLSB-B.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução21 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 22.11.2010 “A” intentou no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa, por apenso a processo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, contra “B”, incidente de resolução de diferendo entre os pais relativo a questão de particular importância atinente à filha de ambos, “C”.

A requerente alegou que é católica e pretende batizar a filha do casal, de dois anos de idade. Inicialmente o requerido, de quem a requerente está separada, deu o seu acordo, mas depois mudou de opinião, alegando que primeiro era necessário que terminasse o clima de hostilidade existente entre as duas famílias, nomeadamente com o fim dos processos pendentes. Ora, a requerente tem a intenção de batizar a menor quanto antes, sobretudo devido ao estado de saúde da avó da requerente, a qual quase diariamente manifesta à requerente o seu desgosto pelo facto de a bisneta ainda não se encontrar batizada.

A requerente terminou pedindo que o tribunal interviesse, pois, na resolução do aludido diferendo, que considerou respeitar a uma questão de particular importância.

Realizou-se conferência de pais, no qual não foi possível obter um acordo, tendo a requerente reiterado o afirmado no requerimento inicial e o requerido afirmado que não está contra o batismo e que também é católico, mas existe uma hostilidade entre as famílias materna e paterna e acha que se devem resolver todos os processos existentes e batizar a filha só quando todos os processos terminarem.

A requerente apresentou alegações nas quais reiterou o alegado no requerimento inicial.

O requerido apresentou alegações nas quais reiterou a posição afirmada na conferência de pais e acrescentou entender que não é essencial para a educação e desenvolvimento da menor enquanto cidadã e ente religioso ser batizada agora e que as questões religiosas não são do foro jurídico, mas tão só do foro moral e, atentos, até, os princípios constitucionais, da liberdade, da igualdade, da integridade moral, da liberdade de consciência, religião e culto, não podem ser impostas a ninguém e, muito menos a um menor, que não pode expressar livre e conscientemente a sua vontade.

O requerido concluiu pelo indeferimento da pretensão da requerente.

Foi ouvida uma testemunha (padre “D”).

Em 09.5.2011 foi proferida sentença na qual se julgou procedente o presente incidente e em consequência autorizou-se a requerente a realizar o batismo, pela Igreja Católica, da menor “C”, sem o consentimento paterno.

O requerido apelou desta decisão, tendo apresentado motivação na qual formulou as seguintes conclusões: I - As responsabilidades parentais relativas à menor “C” estão atribuídas conjuntamente a ambos os progenitores.

II - O pai da menor “C”, opõe-se ao batismo da filha pela Igreja Católica, pretendido pela mãe.

III - A mãe pretende batizar a filha apenas por razões pessoais, nomeadamente de tradição familiar.

IV - Não foi invocado qualquer facto ou justificação para o batismo com base no interesse da menor.

V - Igualmente a douta sentença recorrida não apresenta , invoca ou justifica qual o superior interesse da menor que é concretizado com o batismo pela Igreja Católica.

VI - O batismo é o ritual ou, sacramento, iniciático que implica a aceitação e pertença à Igreja Católica e implica a aceitação e prática da doutrina e religião católicas, essencialmente no seu relacionamento com Deus, na pessoa e através de Jesus Cristo que está bem expresso na profissão de fé, designada por “Credo”.

VII - Independentemente da questão da fé e do seu seguimento, o quadro atual do relaciomanento dos pais e famílias, o aspeto social, não são propícios à celebração do batismo.

VIII - A fé é uma questão de convição pessoal, um ato de vontade, que uma criança não tem capacidade para entender e decidir.

IX - O suprimento dessa incapacidade por parte dos pais, atenta até a discórdia existente, é abusivo.

X - O desenvolvimento equilibrado da menor, a sua educação e sociabilização, mesmo de acordo com os princípios e regras da moral e da religião católicas, não implicam o seu batismo.

XI - Mesmo nas escolas públicas os alunos podem frequentar as aulas de moral e religião católicas sem serem batizados.

XII - Ao decidir impor o batismo à menor, e, por essa via a sua inclusão na Igreja Católica e a prática da religião católica, a douta sentença recorrida está a imiscuir-se em questão do foro pessoal, o que constitucionalmente não lhe é permitido.

XIII - Não existem nos autos elementos donde se possa retirar que ambos os pais professam a religião católica, XIV - Mesmo que assim fosse, não era por tal situação que se poderia impor a profissão da religião católica à filha, tanto mais que existe oposição do pai.

XV - São conceitos distintos a educação religiosa e a profissão de uma religião.

XVI - Tendo as responsabilidades parentais sido atribuídas a ambos os pais, em conjunto, não pode qualquer deles decidir sobre questões de educação, de educação religiosa e, muito menos de profissão de religião.

XVII - O Juiz apenas pode intervir e compor litígios existentes no tocante à educação religiosa mas não relativamente à profissão de uma religião.

XVIII - Não há razão conveniência, de interesse ou de oportunidade que impliquem o batismo da menor neste momento.

XIX - A própria Igreja Católica determina que o batismo de crianças se faça nas primeiras semanas de vida e a pedido dos pais, o que no caso não se verifica.

XX - O Estado deve ser neutral e não pode impor qualquer forma de concepção do homem, do mundo ou da vida, como resultaria da pertença da menor à Igreja Católica, através da celebração do batismo.

XXI - Nessa medida a douta sentença recorrida ao determinar o batismo da menor pela Igreja Católica, viola os princípios constitucionais da liberdade de religião e da separação entre as Igrejas e o Estado.

XXII - Ao não atender ao interesse e vontade da menor e ao valorar a posição da mãe em detrimento da do pai, a douta sentença recorrida viola o principio constitucional da igualdade.

XXIII - Os pais têm direitos e deveres iguais quanto à educação dos filhos.

XXIV - A interpretação e aplicação do Artº.1886º do Código Civil, como é feita na douta sentença, no sentido de que os pais podem determinar a religião a professar pelos filhos e que isso faz parte da sua educação religiosa e, em suprimento do diferendo o Juiz pode decidir essa questão, traduz não só uma ilegalidade mas uma inconstitucionalidade, atento o referido nas conclusões XXI, XXII e XXIII.

XXIV [numeração repetida, como no original] -A inexistência do batismo não impede a educação religiosa da menor.

XXV - A douta sentença recorrida viola o disposto nos Artºs 70º, 124º, 1878º-1, 1881º, 1886º, 1906º do Código Civil e nos Artºs 13º, 18º, 36º, 41º e 69º da Constituição da República Portuguesa.

O apelante terminou pedindo que fosse dado provimento ao recurso e consequentemente a decisão recorrida fosse anulada.

A requerente/apelada...

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