Acórdão nº 3525/09.9TBCSC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução11 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I . RELATÓRIO “A” E “B”, residentes em Vivenda ..., Lote ..., ..., ..., Cascais, intentaram contra “C” E “D”, residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., Cascais, acção declarativa, actualmente sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pedem que os réus sejam condenados a: a) reconhecer os AA. como seus comodatários e, nessa qualidade, declarar os AA. legítimos possuidores do estabelecimento industrial – instalações e equipamentos – sito na Rua ..., n.º ... A, ..., ..., ..., Cascais, enquanto nele se mantiverem no exercício da actividade de fabrico e comercialização de pão e produtos similares; b) consequentemente, absterem-se de perturbar os AA., seja de que forma for, no seu direito ao uso, por tempo indeterminado, do referido estabelecimento industrial, designadamente, de se absterem de proferir ameaças ou injúrias contra os AA. e de desligar o quadro de electricidade, assim como o contador da água, pondo em causa a actividade por eles desenvolvida; c) permitir o acesso aos AA. ao quadro de electricidade e ao contador da água, ficando aqueles obrigados a entregar-lhes uma chave da porta de acesso ao local em que se encontra instalado o quadro de electricidade; d) verem convertidas em definitivas as demais medidas provisórias cautelares ordenadas no procedimento cautelar que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, sob o n.º .../09.4TBCSC, designadamente, determinando a autorização aos AA. para requerer a manutenção dos contratos de fornecimento de energia eléctrica e água ao estabelecimento, respectivamente, com os n.ºs ... e ..., os quais apenas poderão ser resolvidos com autorização expressa da A., podendo esta, em alternativa, celebrar novos contratos de fornecimento, respectivamente, com a EDP e as Águas de Cascais, SA, devendo os RR. abster-se de ordenar o cancelamento de tais contratos, enquanto se mantiver em vigor o contrato de comodato respeitante ao estabelecimento; e) solidariamente, pagarem aos AA. a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos morais, prejuízos e encargos causados pela turbação de que deles foram vítimas.

Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma: 1) Os autores dedicam-se à actividade de fabrico e comercialização de pão, no exercício da qual, desde, pelo menos, o ano de 1995, têm o respectivo estabelecimento instalado no local aludido no petitório, sendo proprietários das respectivas instalações os aqui RR., pais da A. mulher, tendo o R. marido anteriormente exercido ali a mesma actividade; 2) Em 1995 os RR. cederam à sua filha, aqui A., a título de empréstimo, o referido estabelecimento (incluindo instalações e equipamento) por tempo indeterminado, pelo que desde então os AA. têm vindo a dedicar-se ali em exclusivo ao fabrico de pão, ampliando a respectiva clientela, sendo, pois, pública e pacificamente, legítimos possuidores do estabelecimento, onde para si trabalham quatro trabalhadores, com um volume diário de vendas de, aproximadamente, € 1.450,00; 3) Porém, principalmente desde meados do ano de 2008, os AA. passaram a ser alvo de diversas ameaças de perturbação da sua actividade por parte dos RR., com o intuito de levar à retirada dos AA. daquelas instalações e lhes devolverem o estabelecimento, mormente através de cortes de fornecimento de energia eléctrica e água ao estabelecimento, o que está ao seu alcance, pois que o quadro eléctrico e o contador da água da padaria são comuns às demais divisões do edifício, incluindo a residência dos RR., aos quais estes, por isso, têm acesso, encontrando-se tal quadro eléctrico situado em divisão anexa às instalações da padaria, tendo os AA. sido privados do acesso ao mesmo pelo R. marido, após o que passaram a ocorrer diversos cortes no fornecimento de energia eléctrica ao estabelecimento, por o dito quadro eléctrico ser reiteradamente desligado, mormente à hora de início diário da laboração; 4) O fornecimento de energia eléctrica é indispensável ao normal funcionamento do estabelecimento, sem o qual a maquinaria de preparação do pão não pode funcionar, sendo que os RR. sempre se recusaram a transmitir aos AA. a titularidade dos contratos de fornecimento de electricidade e água, cujos consumos os AA. sempre vêm pagando integralmente; 5) Em Novembro de 2008 o R. marido dirigiu-se ao A. marido, dizendo-lhe que só poderia ficar no local até ao final de Dezembro, sendo que no início de Janeiro seguinte os RR. comunicaram aos AA. que estes só estariam no estabelecimento até ao final de Janeiro de 2009, pelo que os AA. começaram a procurar lugar alternativo para exercerem a sua actividade, de cujos proventos vive o seu agregado familiar, incluindo três filhos menores, tendo comunicado ao R. marido que sairiam logo que o pudessem fazer para outro local; 6) Em 16/03/2009, o R. marido comunicou ao A. marido que só o deixaria laborar até ao final desse mês, sendo, porém, que os AA. continuavam a não poder desocupar o local por falta de um espaço alternativo, cabendo-lhes a posse legítima do estabelecimento, pelo que instauraram procedimento cautelar, na pendência do qual, em 31/03/2009, os RR. cortaram o fornecimento de energia eléctrica ao estabelecimento, recusando-se a voltar a restabelecê-lo, o que levou o A. marido a forçar uma porta para restabelecer a corrente eléctrica e poder dar início à laboração do dia, factos que motivaram a intervenção de entidade policial; 7) A situação descrita, de turbação na posse dos AA. como comodatários do estabelecimento, ofende o contrato de comodato celebrado, celebração essa para uso específico da actividade aludida, sem que tenha sido convencionado prazo para restituição, não podendo, por isso, os comodantes exigir tal restituição enquanto os comodatários não findarem o uso determinado do estabelecimento, antes devendo abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelos comodatários; 8) Acresce que a conduta descrita dos RR. causou prejuízos patrimoniais e danos morais aos AA., a cuja reparação deverão proceder, mediante indemnização no valor peticionado de € 7.500,00.

Citados, os réus apresentaram contestação e, impugnando a factualidade alegada pelos autores, invocaram em síntese: 1) O comodato foi dado em 1995 à A. mulher, e só a esta, devido às dificuldades económicas por que passavam os AA., com a condição de ser o imóvel restituído aos RR. em 30/03/2002, porém, com prorrogação, a pedido dos autores, por mais um ano – não é verdade que o empréstimo fosse por tempo indeterminado – findo o qual os autores se recusaram a proceder a tal restituição, o que motivou o deteriorar das relações entre as partes, após o que os RR. têm vindo a solicitar constantemente a entrega do imóvel; 2) O que ocorreu também para a data de 31/03/2009, tendo os RR. informado os AA. que, se a restituição nesta data não acontecesse, seria efectuado o corte de energia eléctrica, cujo quadro eléctrico está instalado em imóvel contíguo à fábrica do pão em causa; 3) Os RR. informaram os AA. da sua intenção de tirar maior rendibilidade do espaço, uma vez cessado o arrendamento de um outro espaço contíguo e uma vez que os AA. não pagavam qualquer contrapartida aos RR., os quais pretendem assegurar a sua subsistência e velhice, pretendendo proceder a diligências e obras tendentes a instalar no local um supermercado e uma padaria, impondo-se proceder à legalização do estabelecimento que a A. explora, para o que carecem de todo o espaço livre e devoluto; 4) Sendo que, atento o comodato, a posse dos AA. é precária, devendo eles restituir o emprestado, sem que se exija a fixação de um prazo para tal, restituição essa devida logo que a coisa lhes fosse exigida, como foi; 5) Um contrato de comodato sem prazo certo mas com uso determinado para a coisa visa satisfazer necessidades temporárias e pressupõe que a determinação do uso envolve a delimitação temporal da necessidade que o contrato visa satisfazer, pelo que, se tal determinação temporal não ocorre, nem pode obter-se, o contrato deve ter-se por tempo indeterminado; 6) No caso dos autos, tratando-se de obrigação pura, a restituição devia ocorrer mediante a simples interpelação para tal, a qual teve lugar por diversas vezes, o que logo determina o términus do comodato; Deduziram ainda os réus reconvenção contra os AA., alegando, ainda, que a conduta descrita dos AA./Reconvindos tem causado ofensas morais aos RR./Reconvintes, cuja reparação não poderá ascender a valor inferior a € 10.000,00 e formularam os seguintes pedidos: a) seja reconhecido o direito de propriedade dos RR. sobre o estabelecimento de indústria e comércio de padaria sito na Rua ..., n.º ... A, ..., ..., Freguesia de ..., concelho de Cascais, inscrito na Matriz sob o Artigo ... da Freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 39.093,60; do local onde se encontra instalado o quadro eléctrico e o contador da água em zona privada e de acesso à residência dos RR.; bem como a propriedade dos RR. sobre todo o equipamento e maquinaria que se encontra no estabelecimento; b) seja reconhecida a existência do contrato de comodato celebrado entre AA. e R. mulher e este já ter terminado por interpelação dos RR. aos AA. com efeitos retroactivos, pelo menos, a Novembro de 2008; c) sejam os Reconvindos condenados no pagamento da quantia mensal de € 1.000,00, desde pelo menos Novembro de 2008, e que perfaz na data de dedução da reconvenção € 8.000,00, bem como nas prestações que se vençam até efectiva entrega do imóvel livre de pessoas, a título de contrapartida pela utilização do imóvel; d) sejam os Reconvindos condenados na entrega do imóvel, livre de pessoas, em perfeito estado de conservação, bem como todo o equipamento e maquinaria que ali se encontrava à data da entrega do imóvel, em perfeito estado de funcionamento, bem como na condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada...

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