Acórdão nº 2146/05.0TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Autor (A.): “A”.

Réus (RR.): Centro Hospitalar “B” (que sucedeu aos Hospitais “E”, SA e “F”, SA); “C”, médico; e “D”, médico.

O A. alegou que entrou no Hospital S. “E” (adiante “E”) com saúde, foi-lhe aplicado soro no serviço ambulatório na sequencia do que apareceu uma bactéria; e no Hospital “F” (adiante “F”) foi infectado por um fungo através do cateter das virilhas direita e esquerda e por uma bactéria contraída após a operação de enxerto de tecidos recolhidos da coxa direita para tapar a exposição do cotovelo.

A bactéria que o infectou no “E” causou a abertura de uma fistula no braço direito, pelo que teve de ser submetido a intervenção cirúrgica para tapar a exposição do cotovelo provocada pelas incisões que aí foram feitas com o intuito de permitir a extracção das matérias da infecção que não tinham sido expulsas por essa fístula; a bactéria que o infectou no “F” foi contraída após esta operação e infectou-lhe os tecidos do braço direito bem como o trícipite, tendo os tecidos infectados de ser queimados com nitrato de prata e o A. novamente sujeito a cirurgia para remoção desses tecidos e excisão do trícipte; a bactéria contraída “F” determinou-lhe outra operação que consistiu em cozer o cotovelo ao abdómen para que se verificasse a transferência de tecidos de forma a forrar o cotovelo.

Tanto a bactéria contraída no “E” como a bactéria que o infectou no “F” contribuíram directa e necessariamente para a incapacidade permanente que tem atualmente.

Os fungos com que foi infectado no “F”, decorrentes da implantação dos cateteres nas virilhas direita e esquerda, contribuíram igualmente para o aumento do seu sofrimento físico e psicológico; sofreu muito nos meses em que esteve internado no “F”, em parte também pelas péssimas condições proporcionadas pelo Hospital, nomeadamente o serviço de enfermagem não foi eficiente e as instalações inadequadas à quantidade de doentes internados. Os RR. “C” e “D” não se certificaram que os instrumentos médicos utilizados estavam devidamente esterilizados e não actuaram com prontidão na marcação da operação relativa à cirurgia plástica para tapar a exposição em que se encontrava o cotovelo.

O Autor entrou são no hospital e saiu cerca de três meses com o braço ainda manchado e o cotovelo desfigurado, ficou com a mão deformada, com uma cicatriz no abdómen com 30 cm, ficou impossibilitado de conduzir e de proceder sozinho à sua higiene pessoal diária, não levanta o braço a mais de 30.°, o antebraço não vai abaixo dos 45.° e não o levanta acima dos 60.° a 65.°, tendo também problemas de articulação da mão e da rotação do braço e mão, tudo isto em consequência directa das operações a que teve de ser sujeito devido à bactéria e fungos com que foi infectado, por culpa dos hospitais que não asseguraram os cuidados de saúde e demais serviços com qualidade e higiene e para os danos concorreu igualmente a conduta negligente dos 3.° e 4.° Réus.

Pediu a final a condenação, solidária, dos Réus no pagamento de uma indemnização por danos físicos e morais no valor de € 40.000,00; e de uma indemnização pela incapacidade permanente, que se vier a apurar.

Os RR. contestaram e pediram a absolvição do pedido, tendo os RR. médicos reconvindo.

Os autos foram saneados e a matéria de facto condensada.

Efectuado o julgamento a acção foi julgada improcedente e os RR. absolvidos dos pedidos.

* Irresignado o A. apelou, formulando as seguintes conclusões: 1. A prova foi mal apreciada no que se refere ao artigo n.º 19 (por lapso de escrita refere 18) da B.I..

O boletim clínico não poderia ser usado para desconsiderar a prova testemunhal produzida como foi, uma vez que o que consta desse boletim foi contrariado objectivamente pela evolução da infeção do braço do Autor.

(…) A situação do braço não podia estar a melhorar, se dias depois inchou tanto que abriu fístulas e uma loca, facto dado como provado (…). As testemunhas “G” e “H” (…) responderam: “Tinha aspecto...era uma coisa enorme, muito escura porque a mancha vermelha foi alastrando, e foi escurecendo e chegou a apanhar...era a mão toda e depois o braço todo.

(...) Muito escuro, muito inchado, uma coisa grossíssima, aquilo engrossou imenso.” “G”, aos 7m15s “E ele chegou a uma altura em que isto era tudo negro. Eu vi-o assim e vi-o pior do que assim. Até por uma coisa: isto chegou aqui da ponta dos dedos até lá acima ao ombro. Era o braço todo e apanhava a mão toda.” “G”, aos 15m20s ‘..o braço continuou a inchar até quase rebentar. Para mim ele arrebentou sozinho mas não sei, não sei, não sou médica.” “H”, aos 12m20s.

Devia ter sido dado como provado pelo menos que o braço do A. continuou a inchar nos dias seguintes e que a mancha ia da ponta dos dedos ao ombro.

2. A resposta ao numero 48 da B.I. não é compreensível (…) responde a algo diferente do que é perguntado (…que) era se, após a conversa com o Dr. “C”, em que este lhe diz que teria de aprender a usar o braço esquerdo, o A. se sentiu profundamente deprimido por pensar que o seu uso do braço poderia não melhorar (…e não) que o A. chegou a pensar que nunca sairia vivo do hospital.

“M.A.: Olhe o seu...o A. aqui, já há pouco referiu isto, mas vou...há perguntas que às vezes se repetem um bocado...ficou bastante deprimido com esta situação de ficar a pensar que não se recompunha? T: Sim. Bastante.

M.A.: Falou consigo, é? T: Sim, nalgumas ocasiões. Principalmente as... uma certa...a incerteza. Não era uma certa, era de facto as incertezas para a frente. O que é que isso ia significar na vida dele? Como é que iria ficara vida dele? O que é que ele podia ou não fazer? Isto numa fase posterior, porque numa fase anterior era aquela que ele achava que não ia sobreviver. Mas numa fase posterior, já um bocadinho melhor, sim. Conversámos várias vezes sobre esse assunto.” “G”, aos 25m35s Face ao depoimento da testemunha “G” (…) a resposta (…deve ser) “provado” 3. Os factos constantes dos artigos 92, 95, 96 e 98 da B.I. deveriam ter sido dados como não provados. Consta dos autos prova testemunhal e documental que oblitera a prova produzida pelos RR. neste sentido. Nomeadamente os relatórios das comissões de controlo de infecções hospitalares que são claros e provam a falta generalizada de locais onde lavar as mãos, falta de sabão, desconhecimento generalizado acerca de como e quando lavar as mãos, ausência de formação sobre esta matéria em 2003, deficiências generalizadas na limpeza de superfícies, entre outros pontos críticos. E ainda o depoimento da testemunha Prof. Dr. J”I”, especialista em infecciologia, que disse: M.A.: ... Tem havido relatórios da Inspecção Geral de Saúde que referem que 30 a 33 % das infecções com, com... estas pseudomonas, têm muito a ver também com os procedimentos das mãos.

T: Isso é verdade.

M.A.: Que em geral, que a partir de certa data, 2006 ou 2005, um grande combate nos hospitais para que as mãos sejam convenientemente desinfectadas. Quer dizer, que o factor “mão” é o factor mais...

T: Eu sou mais céptico. Eu digo que há um grande combate do ponto de vista de papel, e de coisas e de coisas. Mas os lavatórios continuam entupidos, as torneiras continuam partidas, o sabão continua a não existir, etc... E se nós agarrarmos num hospital típico português, metade dos locais onde é suposto lavar as mãos, não se pode lavar. O que obviamente que prejudica os doentes.” Aos 27m do depoimento.

4. A Responsabilidade Civil Contratual é aplicável à responsabilidade por acto médico praticado por prestador de cuidados médicos inserido no S.N.S., podendo identificar-se nesta relação jurídica um contrato análogo a um contrato de seguro com plano de saúde nos seus elementos sinalagmáticos.

5. O apelante intentou a ação contra vários RR por desconhecer totalmente quem o tinha infetado e onde tinha sido infetado e o próprio momento. Alegou factos que preenchem a responsabilidade contratual e extra contratual. Não identificou o tipo de responsabilidade. É comummente aceite a teoria do cúmulo em que os tipos de responsabilidade podem andar juntos. Só no decurso da lide, do resultado da perícia e da prova é que o apelante passou a saber o que tinha sucedido. Até esse momento apenas conhecia os hospitais por onde passou e o nome dois médicos. Daí o tipo de factos e o pedido. O tribunal quo não estava vedado qualificar a responsabilidade como sendo contratual, pois os factos alegados nos artigos 65, 93, 101, 111,112, 122 a 124 da petição inicial configuram a responsabilidade contratual.

6. Um sistema de repartição do ónus da prova como o da responsabilidade civil extra-contratual aplicado à responsabilidade por acto médico constitui um verdadeiro obstáculo à efectiva reparação de danos culposos na esmagadora maioria dos casos, por ser impossível aos cidadãos conhecerem os procedimentos médicos adequados. In casu o apelante nunca poderia saber o nome de quem lhe fez a punção e como foi feita a mesma. A ninguém passa pela cabeça que de uma punção para retirar sangue possa surgir uma infeção quase mortal.

7. O apelante insistiu que não tinha malária (… e) apesar disso o médico quis confirmar e eis a infeção por pseudomonas que quase o mata. O apelante era saudável e nenhuma outra doença foi detetada; apenas a infeção provocada no R. Hospital.

8. Apesar disso face á prova produzida, designadamente ter sido a punção que provocou todos os danos no apelante, não lhe era exigível explicitar o que não é possível humanamente: o nome do agente e os seus procedimentos. Por isso mesmo à luz da responsabilidade extra-contratual o tribunal a quo devia ter condenado o R. Hosp. “E”.

9. Na verdade, em qualquer caso de responsabilidade civil por acto médico, o sistema de repartição do ónus da prova mais equitativo entre as partes, é um em que a culpa se presume. Com o recorrente concorda Álvaro Gomes Rodrigues em “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos”, in Revista Direito e Justiça, 2000, XIV, p. 209 no...

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