Acórdão nº 512/10.8TCFUN.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - “A”, intentou a presente acção sob a forma ordinária contra “B”, Transportes Marítimos, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 198 871, 29 euros, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento, pelos danos morais e patrimoniais que sofreu em consequência de uma queda que sofreu no interior de um navio da R., que ocorreu pela falta de condições de segurança existentes no seu interior. Pede especificadamente 150.000 € como indemnização pelo dano biológico com matriz na incapacidade parcial permanente; 20.000 € por danos não patrimoniais pelo quantum doloris; 15.000 € por danos não patrimoniais pelo prejuízo de afirmação pessoal; 3.121.20 por danos patrimoniais na vertente de lucros cessantes futuros, pela perda de vencimentos e subsídios vencidos até à presente data para alem dos valores que se venham a vencer até total reembolso; 755 € a titulo de indemnização pelos danos patrimoniais emergentes do sinistro. Requer ainda que a liquidação da importância relativa às despesas a efectuar com os tratamentos médicos cirúrgicos a que terá de se submeter seja relegada para subsequente liquidação nos termos do art 661º CPC, devendo acrescer às importâncias referida juros legais até integral pagamento.

A R contestou alegando, basicamente, que a queda da A. foi devido a negligência desta, visto que o navio tem todas as habilitações e certificações exigidas sendo periodicamente submetido a inspecções por parte do IPTM e de Sociedades Classificadoras de Navios. Refere estar em causa um contrato de transporte de passageiro por mar e respectiva bagagem que se rege pelo DL 349/86 de 17/10 e que, em função da cláusula 12ª das “Condições e Limites do contrato de transporte de passageiros por mar”, sendo assacada qualquer responsabilidade à R., apenas o poderá ser pelo montante máximo de € 59.328,04, sendo que a mesma já ressarciu à A na valor de € 15.288,09. Entende ainda que os valores peticionados estão inflacionados.

A A apresentou réplica, nela contrariando a limitação de responsabilidade a que a R aludiu.

Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de setenta e cinco mil e quatrocentos euros (75 400, 00 euros), acrescida de juros de mora contados desde data da citação até integral pagamento.

II – Do assim decidido, apelou a R. que concluiu as suas alegações do seguinte modo: A. O presente recurso tem por objecto a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que, pondo, termo ao processo, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Recorrente a pagar à Recorrida uma indemnização no valor global de € 75.400,00 (setenta e cinco mil e quatrocentos euros), acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

  1. A Douta Sentença recorrida, além de se encontrar ferida de nulidade, julgou incorrectamente a matéria de facto e de direito relevante, devendo ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente, sendo certo que, caso assim não se entenda, sempre deverá ser reduzido o quantum indemnizatório em que foi condenada a Recorrente.

  2. Ao contrário do referido no Relatório da Douta Decisão recorrida, na sua Contestação a ora Recorrente não se defendeu, apenas, por impugnação, tendo igualmente arguido a excepção da exclusão e/ou limitação da sua eventual/alegada responsabilidade (cfr. arts. 11.º a 36.º da Contestação).

  3. O Tribunal de 1.ª instância não se pronunciou, nem no Douto Despacho Saneador, nem na Douta Sentença recorrida, sobre a excepção deduzida pela ora Recorrente, tendo aliás ignorado, por completo, a sua existência, com a consequente nulidade da mesma nos termos dos arts. 660.º n.º 2 e 668.º, n.º 2, ambos do CPC.

  4. A causa de pedir da presente acção, tal como expressamente configurada/delimitada pela A., consiste na alegada responsabilidade contratual da ora Recorrente, em virtude de hipotético incumprimento do contrato de transporte marítimo celebrado entre as Partes, designadamente nos termos e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 394/86, de 17 de Outubro (cfr. arts. 2.º, 18.º, 34.º, 38.º, e 39.º da P.I.), nunca tendo sido objecto de alteração ou ampliação, quer na Réplica apresentada pela Recorrida, quer posteriormente.

  5. Caso estivesse em causa a efectivação da responsabilidade cível extra-contratual da ora Recorrente, o Tribunal territorialmente competente seria o do ..., ou seja, o do local onde ocorreu o acidente que motivou os presentes autos (cfr. alíneas D., E. e F. da fundamentação de facto e art. 74.º, n.º 2 do CPC).

  6. O Tribunal de 1.ª instância entendeu que a responsabilidade civil emergente do acidente dos autos está sujeita ao regime geral da responsabilidade por factos ilícitos, prevista no art. 483.º, n.º 1 do Código Civil (cfr. último parágrafo da 1.ª página da fundamentação de direito), tendo condenado a ora Recorrente com base nesta.

  7. A Douta Sentença recorrida configura uma condenação “surpresa”, alicerçada numa questão/matéria não submetida à apreciação do Tribunal e que lhe era vedada, bem como para cuja apreciação o mesmo nem é, sequer, territorialmente competente, sendo, portanto, nula, nos termos do n.º 2 do art. 660.º e da alínea d) do n.º 1, do art. 668.º do CPC.

    I. Apesar de na sua P.I. a Recorrida ter “compartimentado”, de forma expressa e clara, o seu pedido, estabelecendo tectos/limites para cada um dos danos invocados (cfr. P.I. da Recorrida, que aqui se dá por reproduzida), o Tribunal de 1.ª instância, designadamente no que diz respeito ao “dano biológico” e aos danos não patrimoniais, optou por uma compensação global, no valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).

  8. O Tribunal de 1.ª Instância não esclareceu/enunciou os pressupostos/critérios objectivos com base nos quais apurou tal montante, tendo-se limitado a considerar o mesmo como sendo o “ajustado”, ou seja não objectivando, nem fundamentando tal condenação, com a consequente discricionariedade e total ausência de fundamentação da Douta Sentença recorrida, que assim é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CCP).

  9. Muito embora o montante global da condenação se contenha dentro do valor total peticionado, não é possível apurar e afirmar que tenham sido respeitados os limites/tectos expressamente fixados pela Recorrida na sua P.I. e no seu pedido, designadamente os montantes máximos peticionados nas alíneas a), b) e c) do pedido constante da P.I., pelo que estamos perante uma condenação em objecto diverso do pedido, e que não permite, sequer, aferir do respeito pela quantidade/valor peticionado pela Recorrida, o que determina a nulidade da Sentença (cfr. alínea e) do n.º 1 do art. 668.º do CPC).

    L. O Tribunal de 1.ª Instância julgou incorrectamente a matéria de facto constante dos artigos 24.º e 25.º da Base Instrutória, e que foram vertidos nas alíneas GG. e HH. da fundamentação de facto da Douta Sentença recorrida.

  10. Impunham decisão diversa da impugnada os depoimentos prestados pelas testemunhas Dr. “C” e Dr. “D”, ambos especialistas em ortopedia, e cujas transcrições se juntam com as presentes Alegações, conjugados com os Docs. 3 e 4 juntos pela Recorrida com a sua P.I., bem como com os factos vertidos nas alíneas W., Y. e BB., por referência aos arts. 14.º, 16.º e 19.º da Base Instrutória, da Fundamentação de Facto.

  11. Face a estes elementos de prova e estas conclusões, não resultou provado que o desvio do cubital e radial do punho esquerdo a que alude o artigo 24.º da Base Instrutória, assim como a rigidez do punho a que alude o artigo 25.º da Base Instrutória, tenham resultado directa e/ou necessariamente da queda dos autos, tendo, isso sim, ficado provado que, fruto de um erro de diagnóstico/médico, a Recorrida não foi, como deveria ter sucedido, imediatamente operada às lesões no punho, omissão essa que reduziu as suas capacidades de recuperação/cura e agravou as consequências decorrentes da queda.

  12. Nos termos do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, cabia à Recorrida fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, designadamente que as lesões por si sofridas e exibidas são consequência directa, necessária e adequada da queda dos autos, não cabendo à ora Recorrente o ónus de provar o contrário, bastando-lhe tornar esse facto duvidoso, caso em que a questão deve ser “decidida contra a parte onerada com a prova” (cfr. art. 346.º do Código Civil).

  13. Assim sendo, deve a resposta aos artigos 24.º e 25.º da Base Instrutória, e vertidos nas alíneas GG. e HH. da fundamentação de facto, ser alterada, passando a revestir o seguinte conteúdo: “GG. Por via da queda e das lesões actualmente, a Autora apresenta limitação da rotação interna do ombro esquerdo, limitação da flexão dorsal e palmar, bem como cicatrizes operatórias (resposta ao artigo 24º da Base Instrutória). HH. A Autora apresenta, em consequência das lesões sofridas pela queda acima referida, uma IPP de 3 pontos referentes à rigidez do ombro e um dano estético de 1 ponto (em 7 pontos) (resposta ao artigo 25º da Base Instrutória).” Q. Com base nestes mesmos fundamentos, e muito embora se admita que se trate de um mero lapso de escrita, também se impugna a resposta ao artigo 14.º da Base Instrutória, e vertida na alínea W. da fundamentação de facto, que deverá adoptar a seguinte redacção: “W. Em consequência do referido nas alíneas S), U) e V), a Autora permaneceu internada nessa mesma clínica do dia 17.06.2009 até ao dia 19.06.2009 e de 22.07.2009 até ao dia 25.09.2009m sendo que este último internamento se ficou a dever ao facto de os médicos da clínica onde a Autora ficou internada não se terem apercebido, aquando do 1º internamento, de que esta tinha também uma lesão no pulso, que não foi...

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