Acórdão nº 3652/09.2TBCSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução18 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

C, Lda.

intentou contra A Maria, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. seja condenada a entregar à A., livre e devoluto, o imóvel identificado no art. 8º da P.I..

A fundamentar o peticionado, alega, em síntese: A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a consultadoria e serviços nas áreas das ciências mentais e produção artística, sendo seus sócios a R., com uma quota no valor de € 500 e N, com uma quota no valor nominal de € 4.500,00, sendo gerente o não sócio J.

A A. é dona do prédio urbano sito na Av. …, nºs 3, 3a e 3B, …, descrito na CRP de ... sob a descrição … e inscrito na matriz sob o art. …, adquirido por escritura pública celebrada em 16.10.2002.

Em Setembro de 2003, a A., da qual, então, era gerente o N, permitiu que os seus sócios, casados entre si desde 7.7.2000, residissem no referido prédio, a título precário.

A partir de Junho de 2004, a R. e o N deixaram de viver em união conjugal, em Março de 2005, aquele deixou de habitar no imóvel e em 30.11.2005, renunciou ao cargo de gerência.

Em 15.02.2006, porque já não se verificavam os pressupostos que presidiam à permissão dos sócios habitarem no prédio, a assembleia geral de sócios deliberou pôr termo àquela, do que o actual gerente notificou a R., que se recusa, porém, a abandonar o imóvel, aí continuando a residir, invocando que no processo de divórcio lhe foi judicialmente atribuída a utilização provisória do imóvel, a título de casa de morada de família.

Regularmente citada, a R.

contestou, por excepção, invocando litispendência, e, à cautela, caso assim não se entendesse, requereu a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, invocou excepção inominada, bem como a necessidade de ser levantada a personalidade jurídica da A., atingindo-se a materialidade subjacente, ou, caso assim não se entendesse, alegou a existência de título, e por impugnação, propugnando a improcedência da acção.

A A.

replicou, propugnando pela improcedência das excepções invocadas.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de litispendência e inominada, relegando-se o conhecimento das restantes para final, indeferiu o pedido de suspensão da instância e seleccionou matéria de facto assente e B.I., as quais não sofreram reclamações.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, vindo, oportunamente a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a A.

, formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: A-A Recorrente entende que a sentença de que ora se recorre aplicou incorrectamente o Direito aos factos e deve ser revogada por douto Acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal que dê acolhimento ao pedido formulado pela Recorrente, pelo seguinte somatório de razões: B- Tendo em conta que se trata de conclusões e que as mesmas delimitam o objecto do recurso, a Recorrente passa a enunciar o somatório de questões que pretende submeter à apreciação desse Tribunal e que entende terem sido incorrectamente julgadas: C- Em primeiro lugar, a Recorrente entende que a sentença caracterizou erradamente o uso a dar à utilização do imóvel dado de comodato; D – Com efeito, com base nos argumentos supra expendidos, deveria ter sido considerado que o imóvel foi dado de comodato para o casal constituído pela Recorrida e marido aí viverem na companhia dos filhos e enquanto ambos os cônjuges aí vivessem e, consequentemente, enquanto perdurasse a respectiva união conjugal; E – Mais deveria ter sido considerado que, tendo a Recorrida e o marido deixado de viver em união conjugal, por o marido da Recorrida, na sequência de um conturbado processo de divórcio, ter deixado de viver no imóvel, deixou de se verificar o motivo que presidiu à celebração do comodato; F – Se assim não se entender, a Recorrente, com base nos argumentos supra expostos, entende que a determinação do uso para o qual o imóvel foi dado de comodato (instalação da casa de morada de família), não envolveu a delimitação da necessidade temporal que o comodato visava satisfazer, o que confere à Recorrente, na qualidade de comodante, o direito de exigir a restituição do imóvel; G – Mais entende a Recorrente, com base nos argumentos supra expostos, que o Acórdão do Tribunal das Relação de Lisboa junto de fls. 246 a 253 não lhe é oponível, pelo que a Recorrente não está submetida aos seus efeitos, não fazendo o mesmo caso julgado em relação a si; H. Consequentemente, deveria a sentença ter considerado que estavam reunidos os necessários pressupostos para a Recorrente obter a restituição do imóvel.

I. Tudo ao invés do que foi julgado, concretamente, que o imóvel foi dado de comodato para o dito casal aí instalar a casa de morada de família e que, enquanto não for decretado o divórcio, não se verifica a condição para a Recorrente exigir a restituição do imóvel, além de que o dito Acórdão é oponível à Recorrente.

  1. Se não for dado acolhimento à pretensão da Recorrente, concretamente, a restituição imediata do imóvel, entende a Recorrente, com base nos argumentos supra expostos, que a sentença deveria ter condenado a Recorrida a restituir o imóvel à Recorrente após ser dissolvido, por divórcio, com trânsito em julgado, o casamento entre a Recorrida e o seu marido, concretamente N.

    L- A sentença de que ora se recorre violou as disposições contidas nos artigos 405º e 1137º do Código Civil e 661º, 662º, 672º, 673º e 674º do Código de Processo Civil.

    Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene a recorrida a restituir à A. o imóvel, ou, subsidiariamente, se assim não se entender, que a recorrida seja condenada a restituir o imóvel imediatamente após o seu actual casamento ser dissolvido por divórcio.

    A R. contra-alegou, e ampliou o âmbito do recurso, formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: A. As presentes alegações têm um duplo escopo: a Apelada pretende, a título principal, ampliar o âmbito do recurso, impugnando o despacho saneador de fls… na parte em que julgou improcedentes a excepção de litispendência e a excepção dilatória inominada alegadas pela Apelada na contestação, bem como na parte em que indeferiu a suspensão da instância requerida pela Apelada na contestação. Outrossim, e este será o segundo escopo das presentes alegações, a Apelada responderá às alegações, aliás doutas, da Apelante.

  2. Existe litispendência entre a acção que corre termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de ... sob o n.º …/08.3TBCSC e a presente acção.

  3. Existe identidade de sujeitos, porque quer a Apelante, quer a Apelada são partes na acção judicial que corre termos sob o n.º …/08.3TB...

  4. Existe identidade de pedido, porque o efeito jurídico do pedido principal formulado na acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB.. e do pedido formulado na presente acção é idêntico: o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel sito …, n.º 3, 3-A e 3-B, …, Cascais.

  5. A acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB.. e a presente acção são acções reais. De acordo com o artigo 498.º, n.º 4, segunda parte, do Código de Processo Civil (CPC), a causa de pedir das acções reais consiste no facto jurídico de que deriva o direito real. A causa de pedir nas duas acções é idêntica: o contrato de compra e venda celebrado por escritura pública em 16 de Outubro de 2002 – porque só esse contrato de compra e venda é, em concreto, o facto jurídico do qual pode derivar o direito de propriedade (artigo 498.º, n.º 4, segunda parte, CPC) sobre o imóvel sito na Avenida do ….

  6. Existindo entre as duas acções uma tripla identidade – sujeitos, pedido e causa de pedir – há que concluir pela verificação da excepção de litispendência.

  7. O despacho saneador recorrido violou, pois, os artigos 497.º e 498.º CPC, quando concluiu inexistir identidade de pedidos e de causas de pedir.

  8. Caso se entenda – o que não se concede, mas se alvitra por mero dever de patrocínio – que a tripla identidade não se verifica em toda a sua plenitude, ainda assim deve ser declarada a litispendência, com fundamento no artigo 497.º, n.º 2, CPC.

    I. No caso sub judice, é manifesto que pode haver, pelo menos, contradição entre a decisão a proferir na acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB... e a decisão de mérito na presente acção – desde logo, porque as acções são «acções cruzadas».

  9. Nos presentes autos e na acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB... discute-se a mesma questão jurídica. Há identidade de questões fundamentais: saber a quem pertence a propriedade do imóvel sito na Avenida do …. E quando existe identidade material entre a questão de uma e de outra acção há litispendência ou excepção de caso julgado.

  10. Conclui-se, portanto, que também a directriz substancial traçada no n.º 2, do artigo 497.º CPC impõe a procedência da excepção de litispendência.

    L. A acção proposta em segundo lugar e na qual deve ser declarada a excepção de litispendência é a presente acção.

  11. Nos termos do artigo 481.º, alínea c), CPC, a citação inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica. A aplicação do artigo 481.º, alínea c), CPC, significa que a ora Apelante, tendo sido citada para contestar a acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB..., estava, por força daquela norma processual, inibida de propor uma acção de reivindicação do imóvel sito na Avenida do … contra a ora Apelada – inclusive invocando, como causa de pedir, uma forma de aquisição derivada da propriedade, cujos conteúdo e eficácia jurídica estão, justamente, em discussão na acção que corre termos sob o n.º …/08.3TB...

  12. O despacho saneador recorrido violou o artigo 481.º, alínea c), CPC, devendo o Tribunal ad quem julgar procedente a excepção...

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