Acórdão nº 05042/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO O Município de Lisboa, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datado de 24/06/2008 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada pelo Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Santa Casa 2004, administrado e representado pela A...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimentos, S.A.
, habilitado como cessionário de B...
e Outros, julgou a ação parcialmente procedente, anulando o ato impugnado, na parte respeitante às obras de caráter arquitetónico ou patrimonial, bem como, quanto às obras constantes do ponto 4 do ofício de notificação do ato impugnado.
Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 496 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. Em 16 de junho de 2004, “B... e outros”, intentaram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo consubstanciado no Despacho exarado em 05.03.2004 pela Exm.ª Senhora Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, C....
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Tal ato determinou, nos termos do disposto nos artigos 89.°, n.° 2 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e 64.°, n.° 5, al. c) da Lei n.° 169/99, de 18.09, a intimação, enquanto comproprietários do imóvel (em diante designado por Palácio Valada Azambuja) sito no Largo do Calhariz, nºs 15 a 19, que torneja para a Rua da Bica Duarte Belo, n.ºs 71 a 79 e para a Rua Marechal Saldanha, n.ºs 30 a 40, freguesia de São Paulo, à realização das obras de consolidação e reparação necessárias à correção das más condições de salubridade e solidez de que padece aquele imóvel.
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Por sentença de 24.06.2008, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou parcialmente procedente a presente ação e consequentemente anulou o despacho impugnado na parte respeitante às referidas obras de caráter arquitetónico ou patrimonial, bem como, quanto às obras constantes do ponto 4 do ofício notificação.
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Salvo o devido respeito, discordamos totalmente desta decisão, já que, o despacho sub judice foi proferido com fundamento em pressupostos e condições relativas à salvaguarda dos interesses respeitantes à segurança das pessoas e bens, à salubridade da edificação e, por consequência, à saúde pública.
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De facto, a introdução do n° 4 no ofício-notificação apenas visa alertar os comproprietários para a necessidade de cumprir a legislação em vigor e realizar as obras de conservação necessárias para que o imóvel não volte a chegar à situação a que chegou.
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Além disso, com a descrição das obras referidas no n° 5 desse mesmo ofício pretende-se apenas dar uma informação genérica sobre as várias diligências que o particular normalmente, nestas situações deve tomar, não elencando em concreto quais as obras que serão necessárias executar para cumprir o preceito.
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Mais se refere também a sentença que no ponto 6. se faz menção a “obras ou imposições de intervenção preconizadas pela CML que não respeitam a questões de segurança e de salubridade, respeitando sim a elementos arquitetónicos e construtivos, considerados de valor cultural” , pelo que “não pode ser determinadas ao abrigo das disposições legais invocadas”.
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Ora, cremos que a sentença retira determinadas consequências jurídicas onde as mesmas não existem.
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Na verdade, não pode a Entidade Recorrente deixar de, perante a intimação de obras de conservação, nos termos do art. 89° do RJUE, vir alertar o particular que aquando da realização da obra de reabilitação do imóvel, deve ter em atenção que existem determinados elementos arquitetónicos e construtivos cuja conservação tem de ser necessariamente acautelada.
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Assim sendo, verifica-se que a sentença erradamente conclui que o ponto 6. impunha obras que iam para além do disposto no art. 89° do RJUE, quando não é nada disso que se passa, o que pretende a Entidade Recorrida, nesse ponto é alertar o particular para o que pode ou não fazer relativamente a esses elementos de valor cultural, aquando da execução, essa sim, intimada a fazer, de conservação do imóvel.”.
Pede a revogação do acórdão recorrido.
* O recorrido não contra-alegou.
* O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por erro de julgamento (cfr. fls. 619-620).
A anulação resultou, segundo a decisão do Tribunal, da indevida notificação dos comproprietários do Palácio Valada Azambuja, para “executar as restantes obras de conservação necessárias para manter a edificação nas condições existentes à data da sua construção, de modo a dar cumprimento ao dever estatuído no artigo 89 nº 1 do Decreto-Lei nº 555/99 de 16.12 (…)”, mas a verdade é que os notificandos foram intimados “para executar as obras necessárias à correção das deficiências e anomalias descritas no ano da vistoria”, abrangendo assim a intimação efetuada, apenas as obras previstas no nº 2 do artº 89º do RJUE.
Assim, a introdução do nº 4 no ofício-notificação tem somente por finalidade sensibilizar os comproprietários para a necessidade de observar a legislação em vigor e realizar as obras de conservação imprescindíveis, por forma a evitar nova degradação do imóvel, não passando a descrição das obras indicadas no nº 5 do ofício senão de uma genérica informação acerca das iniciativas e cuidados a tomar pelo particular.
A descrição no ponto 6 do auto de vistoria respeita à proteção do património cultural imposta por lei ao Município, visto estar em causa um edifício classificado como “Imóvel de Interesse Público”.
Verificando-se uma situação de intimação de obras de conservação, nos termos do artº 89º do RJUE não podia a edilidade deixar de prevenir o particular para, no decurso dos trabalhos de reabilitação do imóvel, ter em consideração certos elementos arquitetónicos e de construção cuja manutenção sempre teria de ser assegurada.
Pugna pela procedência do recurso.
* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II.
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.
A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quanto à interpretação do nº 6 do auto de vistoria e do ponto 4. do ofício-notificação do despacho impugnado, com vista a saber se os proprietários foram intimados à realização de obras por motivos arquitetónicos e construtivos, de valor cultural, fora do âmbito do disposto no nº 2 do artº 89º do regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. nº 555/99, de 16/12 e da alínea c), do nº 5 do artº 64º da Lei nº 169/99, de 18/09, que estabelece o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.
III.
FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A) – O prédio urbano situado em Santa Catarina, Largo do Calhariz, n.°s 15, 16, 16-A, 17, 17-A, 18 e 19, Rua do Marechal Saldanha n.°s 30, 32, 34, 36 e 38 e Rua da Bica de Duarte Belo n.°s 71, 73, 75, 77 e 79, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número 451/20040511, tem inscrita a favor de D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., K...e L..., a aquisição de 9/11, por legado de M...— cfr. fls. 326-331 dos autos; B) – O prédio urbano identificado na alínea A) é composto de rés do chão, sobreloja, 1.º andar, águas furtadas, sótão e quintal, com uma área total de 1015,18 m2, a que corresponde uma área coberta de 949,44 m2 e área descoberta de 65,74 m2 – cfr. fls. 326-331 dos autos; C) – Várias das dependências do imóvel encontram-se ocupadas, encontrando-se outras devolutas, conforme listagem de ocupação constante de fls. 160-162 dos autos, que aqui se considera inteiramente reproduzida; D) – O rendimento líquido mensal do prédio identificado na alínea A), proveniente das rendas é de 6.955,60 € – cfr. fls. 160-162 dos autos; E) – Em 27 de maio de 2002 foi elaborada a Informação n.° 355/GTBI/D/In/02, que aqui se considera integralmente reproduzida e de que se extrai o seguinte: “Através do registo 364/GLB/D/GE/2002 deu entrada no GTBica relatório do Regimento de Sapadores Bombeiros que alerta para o mau estado de conservação do edifício.
(...) Verificando-se o agravamento do estado de conservação do edifício, e na sequência da informação n.° 6/DPAT/D/IN/2002, julga-se propor a determinação de realização de vistoria ao edifício supra identificado, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 90.° e 89.°, n.° 2 do D.L. n.° 555/99 de 16 de dezembro, com a redação dada pelo D.L. n.° 177/01 de 4 de junho, para renovação da intimação.”, sobre a qual foi aposto pela Diretora Municipal da Direção Municipal da Reabilitação Urbana, em 14 de junho de 2002 o seguinte despacho: “Determino a realização de vistoria como proposto.” – cfr. fls. 2 do processo administrativo (PA); F) – Os Autores foram notificados pela Direção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, Unidade de Projeto do Bairro Alto e Bica, da Câmara Municipal de Lisboa, que por “despacho da Exma. Sr.ª Diretora Municipal da Reabilitação Urbana – Arqtª N..., datado de 14.06.2002. e exarado na inf. N.° 355/GLBA/D/IN/02, vai ser efetuada, nos próximos dias 26.08.2003., às 10.00 horas, e 27.08.2003., às 10.00 horas, uma vistoria ao prédio supra identificado, pelos técnicos da U.P. do Bairro Alto e Bica – CML.
Essa vistoria tem por fundamento o mau estado de conservação, segurança e salubridade do...
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