Acórdão nº 07144/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO CARVALHO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls. 404, que decidiu: Pelos fundamentos de facto e de direito supra enunciados, no âmbito da presente ação administrativa comum, sob a forma ordinária, em que é Autora, A..., S.A. e Réu, o Estado português, julga-se: 1- improcedente o pedido de condenação do Estado, a título de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por falta dos seus pressupostos legais; 2- procedente o pedido de condenação do Estado, a título de responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, condenando-se o mesmo a pagar à Autora a quantia peticionada de € 44.827,54, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados, acrescida de juros legais, desde a citação e até integral pagamento (art°s. 559, n° 1, 566°, n° 2 e 805°, n° 3 do C.C. e 661° do CPC).

Foram as seguintes as conclusões do recorrente: 1- A ação intentada pela A. insere-se, a título subsidiário, na responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos e este tipo de responsabilidade encontra o seu fundamento no chamado princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, para que exista uma igualdade na contribuição destes para tais encargos (art. 9º, n°l, do DL 48051 de 21/11/1967).

2- Da factualidade dada como provada resulta que a apreensão e destruição de rações que segundo o Autor foram a causa direta do prejuízo sofrido com a perda, transporte e destruição desse produto, ocorreram no âmbito de um inquérito-crime e não no âmbito de procedimento administrativo, pelo que estamos perante atos jurisdicionais praticados no interesse público com vista a punir eventuais autores de um crime, e não perante atos administrativos ou materiais, um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado por atos lícitos.

3- Como decorre do acórdão do STA de 9/10/1990 - Processo n.° 025101 - "o D.L. 48051, de 21-11-67, não abrange a função jurisdicional já que esta não integra a chamada Administração, e os atos judiciais no âmbito daquela função jurisdicional não suportam a qualificação de "atos de gestão publica". A consagração de responsabilidade do Estado, em certos casos, por atos de função jurisdicional exclui concomitantemente qualquer responsabilidade por situações não previstas em tais textos, pelo que não pode aplicar-se supletiva ou extensivamente o disposto no Dec-Lei n. 48051".

4- Ainda que se considerasse que a responsabilidade pela função jurisdicional ou de inquérito decorre do artigo 22.° da CRP, sempre se deve entender, na linha da jurisprudência (cf. acórdãos do STJ de 7/3/2006 - Processo 06A017 - de 29/1/2008 - Processo 08B84 - de 3/12/2009 - Processo n.° 9180/07.3TBBRG.G1.S1 - e 8/9/2009 - Processo n.° 368/09.3YFLSB) que a atuação jurisdicional ou no âmbito do inquérito só gera direito a indemnização em caso de «erro grosseiro», «engano ou a falsa conceção acerca de um facto ou de uma coisa».

5- A apreensão, como resulta da matéria de facto, decorreu no âmbito de processo de inquérito, que determinava, inevitavelmente (e em circunstâncias similares em que estivesse qualquer empresa que exercesse a mesma atividade), a mesma atuação, tendo havido um procedimento que resultava diretamente da lei para prevenir a defesa do interesse público.

6- Constitui pressuposto específico da obrigação de indemnizar da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos que o prejuízo possua as características da especialidade e da anormalidade.

7- Ora, não se provou qualquer facto ilustrativo da especialidade ou anormalidade dos danos.

8- Contrariamente ao decidido, o Estado não sacrificou nenhum direito da A., nem lhe impôs encargos ou prejuízos especiais (tidos como aqueles que não são impostos à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica) e anormais (o que não é inerente a riscos normais de vida em sociedade suportados por todos os cidadãos, o que ultrapassa os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração), no sentido atrás referido.

9- À Autora não foi imposto um sacrifício especial e anormal que não fosse imposto a outros industriais que se encontrassem na mesma situação.

10- E que os produtos em causa foram apreendidos face às fortes suspeitas da sua contaminação por pertencerem aos lotes de alimentos compostos para animais que, sujeitos a exame laboratorial, tinham revelado a presença de nitrofuranos.

11- Risco que qualquer comerciante ou industrial corre no âmbito da sua atividade, sobretudo neste tipo de situações (instauração de processo de inquérito) ou de outra de idêntica dimensão, origem ou natureza.

12- Face ao indiciado perigo para a saúde pública impunha-se a apreensão dos produtos existentes em stock e até a suspensão de laboração da empresa, pelo que os prejuízos económicos sofridos pela Autora não se podem considerar anormais.

13- Conforme entendimento da jurisprudência, estão "arredados desse espectro indemnizatório os danos gerais, normais ou comuns, ou seja, aqueles que recaem genericamente sobre o universo dos cidadãos, ou sobre grupos indeterminados e abstratos de pessoas (itálico nosso), e que são considerados habituais e inerentes ao risco próprio da vida em sociedade, constituindo como que "encargos sociais compensados por vantagens de outra ordem proporcionadas pela atuação da máquina estatal" (Acs. STA de 21.06.2007 - Rec. 110/06, de 02.12.2004 - Rec. 670/04, de 30.10.2003 - Rec. 936/03, de 10.10.2002 - Rec. 48404, de 19.12.2000 - Rec. 31.791, e de 02.02.2000 - Rec. 44.443).

14- Além disso, verificamos que inexiste nexo causal entre a atuação do Estado e os danos verificados.

15- Para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o ato tenha funcionado como condição do dano, não bastando a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada desse dano.

16- Não ficou demonstrado que os prejuízos resultaram exclusivamente da apreensão e deterioração das rações.

17- Na verdade, a apreensão ocorreu no período em que se vivia uma verdadeira crise no setor, com retração do mercado relacionado com o abate massivo de aves que eram alimentadas por rações em que havia sido detetado nitrofurano.

18- A Autora não alegou nem fez prova que teria escoado o produto que tinha em stock no curto prazo de validade do mesmo.

19- Para além de que, se não se tivesse procedido à apreensão dessas rações, dificilmente a Autora conseguiria, com as suspeitas existentes, escoar o que entretanto produzisse.

20- Ou seja, a apreensão e destruição por deterioração são uma causa naturalística do dano, mas não contêm em si a adequação, entendida esta nos mencionados termos legais, para produzir o dano, pois o mesmo decorria do comportamento do mercado, atenta a existência de nitrofuranos em produtos a vender, facto este, pelo qual, o R. não é responsável, e que, diga- se, não fora a intervenção do R. Estado, manter-se-ia a estagnação do setor.

21- Por outro lado, não pode a A. pretender que seja o Estado a suportar os riscos inerentes a uma atividade que envolve o fabrico e comercialização de bens que entram na cadeia alimentar e que não ficou provado que entrassem (face ao prazo de validade dos produtos).

22- E que a simples suspeita de contaminação das rações impunha que de imediato fosse retirado do circuito comercial o produto existente em stock, por razões de proteção da saúde pública, sendo um encargo normal de qualquer industrial suportar esse risco.

23- Por isso, o suporte dos encargos decorrentes da apreensão e destruição dos produtos teriam que caber sempre à empresa.

24- Efetivamente, face à matéria de facto, para além de não estar provado que a empresa conseguiria «escoar» todos os produtos apreendidos, também não se provou - nem nada se consignou nesse sentido - que a Administração tinha condições técnicas e de meios, face às várias solicitações à época, para a realização das análises dentro do prazo de validade das rações. Isto é, não está provado que era exigível à Administração a realização das análises dentro do prazo de validade dos produtos - e que permitiria a sua comercialização integral nos prazos.

25- Acresce que a situação em concreto, reveladora de fundadas suspeitas de que as rações poderiam estar contaminadas, sempre exigiria da Administração a proteção da saúde pública através da "apreensão cautelar" das rações. A obrigatoriedade legal de apreensão e exigência da realização de análises — cujo prazo para a sua realização é razoável conforme decorre do ponto PP da matéria de facto provada - sempre comprometeria o escoamento integral dos produtos, face ao curto prazo de validade (apreensão em 2 de maio de 2003, sendo que a validade de alguns produtos terminava em junho de 2003).

26- Factos que não podem deixar de ser considerados numa eventual fixação da indemnização.

27- Inexistindo, assim, a verificação do nexo causal entre a atuação do Estado e os danos, e não podendo os prejuízos ser considerados especiais e anormais, não deverá o R. Estado ser condenado a indemnizar a Autora, devendo, antes, ser absolvido do pedido.

28- Ao condenar o Estado e ao arbitrar a indemnização a favor da A. nos moldes em que o fez, a douta sentença violou os artigos 9o, n° 1 e 2 do DL n° 48.051, de 21 de novembro de 1967 e ainda os artigos 563.° e 564° do Código Civil.

29- O critério adotado, visando a reconstituição da situação que existiria não fora a ocorrência do evento que obriga a reparação, apenas é aplicável em relação a responsabilidade civil por ato ilícito.

30- A indemnização de caráter compensatório limita o seu montante à efetiva desvantagem patrimonial, excluindo os ganhos que se frustaram, in casu, os lucros decorrentes da venda.

31- Logo, é excessivo o montante indemnizatório fixado, na medida em que os valores de mercado apresentados como sendo o valor das rações destruídas, correspondem ao preço de venda ao público, o qual integra o...

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