Acórdão nº 470/11.1T2ILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução13 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

IMPÉRIO BONANÇA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., instaurou contra I (…) e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, sejam os RR. solidariamente condenados no pagamento à autora da importância de 26.097,70€, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegou, em síntese, ter suportado, enquanto seguradora da entidade patronal da ré, as despesas decorrentes dos danos patrimoniais relativos aos créditos laborais da lesada, à assistência médica e aos custos judicias que sobrevieram a um acidente, qualificado simultaneamente como de viação e de trabalho, causado por culpa exclusiva da primeira ré.

Mais invocou que esta circulava sem ter transferido para uma seguradora a responsabilidade decorrente da circulação do veículo automóvel com a matrícula EF (...), do que decorre a legitimidade do 2.º réu para a presente acção.

2. Contestaram os RR., por excepção, invocando a prescrição do direito da autora, e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção.

3. A autora respondeu às deduzidas excepções invocando que apenas teve conhecimento do respectivo direito aquando da comunicação que lhe foi efectuada pela A (...), seguradora do ciclomotor tripulado pela ré, dando conta da inexistência de contrato de seguro válido e eficaz, concluindo pela improcedência da excepção de prescrição invocada pelos RR.

4. Foi proferido despacho saneador, que conheceu parcialmente de mérito, absolvendo o réu “Fundo da Garantia Automóvel” do pedido, e absolvendo a ré I (…) parcialmente do pedido, na quantia de 7.822,24€, tendo sido seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, a qual não foi objecto de qualquer reclamação, tendo sido proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente a presente acção e, consequentemente, absolver a R. do pedido.

6. Inconformada, a A. apresentou recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões: «A. O Tribunal a quo realizou julgamento deficiente da matéria de facto, violando o disposto pelos artigos 552º e seguintes, do Código de Processo Civil.

  1. Deverá ser alterada a resposta dada à matéria do quesito primeiro, facto 17 da Sentença em crise, cuja redacção deverá ser rectificada para a seguinte: A determinada altura do percurso, quando circulavam frente ao Café Central, a condutora do veículo “EF” embateu com o espelho do ciclomotor na traseira da viatura com a matrícula “ (...)JG” que se encontrava estacionada.

  2. A prova produzida nos autos, mormente os documentos juntos aos autos com a petição inicial, e o depoimento prestado pela testemunha (…), declarações registadas por gravação digital, exigem que a matéria de facto do quesito 4º seja julgada integralmente provada.

  3. A alteração do julgamento da matéria de facto como acima exposto, implica decisão de mérito que, necessariamente, e em cumprimento das normas dos artigos 483º, 487º e 493º, nº 2, do Código Civil, revogue a douta Sentença proferida (violadora daquelas normas), e julgue a acção procedente por provada.

Termos em que, deve ser proferido douto Acórdão que, julgando procedente o presente recurso, revogue a douta Sentença recorrida, e julgue a acção procedente por provada, condenando a ré no pedido formulado pela autora ora recorrente, nos termos e com as consequências legais, só assim se fazendo a devida e inteira JUSTIÇA!».

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

***** Mantém-se a validade e regularidade da instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***** II. O objecto do recurso[2].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se: - deve ser alterada a resposta à matéria de facto referente aos artigos 1.º e 4.º da base instrutória; - em consequência de tal alteração, deve ser julgada procedente a pretensão formulada pela Autora.

***** III – Fundamentos III.1. – De facto Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida: 1) No dia 20.12.2007, cerca das 07h30, o veículo de matrícula “ EF (...)” seguia na Rua da Central, Gafanha do Carmo, Ílhavo, no sentido Gafanha da Encarnação – Vagueira, conduzido pela sua proprietária I (…) 2) Naquele veículo seguia como passageira S (…), maior, residente com a 1ª ré.

3) Deslocavam-se ambas da residência para o local comum de trabalho.

4) No local do acidente a via desenvolve-se em traçado de recta, com boa visibilidade, e apresenta pavimento asfaltado em bom estado de conservação.

5) Após o acidente, a condutora e a passageira foram transportadas ao Hospital de Aveiro pelos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, onde receberam assistência clínica.

6) Em virtude da queda, S (…) sofreu lesões corporais, de entre as quais fractura exposta do cândilo femural externo direito.

7) Foi tratada cirurgicamente no Hospital Distrital de Aveiro, com extracção de material de osteossíntese e meniscectomia parcial externa no Hospital Privado do Porto.

8) Foi sujeita a exames e terapêuticas até à data da alta, que veio a ocorrer em 12.03.2009.

9) A condutora/1ª ré e S (…) trabalhavam à data para a sociedade “ AP (...), Lda.”, com sede na Rua (...) Regueira de Pontes, como trabalhadoras agrícolas.

10) Deslocava-se de casa para o local de trabalho, onde tinham de se apresentar pelas 08h.

11) A entidade patronal de ambas havia transferido para a autora a responsabilidade infortunística laboral, por meio de contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de folha de féria, titulado pela apólice AT 22698858.

12) A autora assegurou toda a assistência clínica a S (…) 13) A Autora procedeu aos pagamentos de importâncias nas datas indicadas nos documentos de fls. 22 a 30.

14) Em 7 de Janeiro de 2008, a Autora reclamou perante a “ A (...), Companhia de Seguros, S.A.” o reembolso das quantias despendidas.

15) Em 29 Janeiro de 2010, esta seguradora respondeu informando que o veículo não tinha seguro válido e eficaz à data do sinistro.

16) Em 5 de Fevereiro de 2010, a Autora reclamou perante a 1.ª ré o pagamento dos valores despendidos.

17) A determinada altura do percurso, quando circulavam frente ao Café Central, a condutora do veículo “EF” foi ofuscada /encandeada por um veículo estacionado em sentido contrário, e embateu com o espelho do ciclomotor na viatura com a matrícula “ (...)JG” que se encontrava estacionada.

18) A condutora perdeu o domínio e controlo do ciclomotor, despistando-se.

19) O que provocou a queda dela própria e de S (…) no solo.

20) A Autora despendeu as seguintes importâncias: - Com salários - 3.599,52€; - Com capital remição - 7.561,08€.

21) A autora despendeu importâncias com honorários consultas/cirurgias, com despesas médicas, com elementos auxiliares de diagnóstico, com transportes, com despesas de averiguação, com despesas em Tribunal e com pensões.

***** III.2. – O mérito do recurso III.2.1. – Alteração da matéria de facto A Apelante, por esta via de recurso, pretende trazer à apreciação deste Tribunal o que a recorrente está convicta tratar-se de um notório e evidente erro de julgamento, quer ao nível do enquadramento e qualificação jurídica da factualidade fixada, quer ao nível do próprio julgamento da matéria de facto.

A impugnação da matéria de facto pela Autora, ora recorrente, deve considerar-se efectuada com observância do disposto no artigo 685.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil[3], porquanto, constando apenas da acta da audiência de julgamento relativamente à parte e às testemunhas ouvidas que “as suas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal”, sem qualquer outra especificação, não podia a Apelante “indicar com precisão as passagens da gravação em que se funda”, razão pela qual tal omissão não inquina a solicitada reapreciação da matéria de facto, em virtude de estarem cabalmente identificados pela Recorrente quer “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”; quer “os concretos meios probatórios” que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida[4].

Assim, cumpre verificar se existem razões para modificar a matéria de facto supra referida, uma vez que, nos termos do artigo 712.º do CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, quando, como é o caso, do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os concretos pontos da matéria de facto postos em causa pela Recorrente.

Nesta apreciação, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da livre apreciação das provas fixado no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo Juiz a quo[5].

Comecemos, então, por apreciar a questão relativa à alteração da matéria de facto.

Considera a ré recorrente que o Tribunal a quo confunde base instrutória com meios de prova, daqui resultando um julgamento de matéria de facto deficiente, que eiva toda a fase decisória de forma exuberante, invocando que: “Sob o quesito 1º da Base Instrutória, encontrava-se quesitado “a determinada altura do percurso, quando circulavam frente ao Café Central, a condutora do veículo “EF” foi ofuscada / encandeada por um veículo que circulava em sentido contrário, e embateu com o espelho do ciclomotor na traseira da viatura com a matrícula “ (...)JG” que se encontrava estacionada? Os meios de prova atinentes a esta factualidade foram constituídos por documentos juntos...

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