Acórdão nº 123/09.0 GCTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução21 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 42 I.

Relatório.

1.1.

A...

, arguido nos autos, foi submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum singular, porquanto agente de factualidade que o instituiria enquanto autor material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art.º 137.º, n.º 1, do Código Penal, e das contra-ordenações estradais, previstas e punidas pelos art.ºs 24.º, n.ºs 1 e 3; 25.º, n.ºs 1, al. f) e 2) e 27.º, n.º 1, estes todos do Código da Estrada.

Os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E, formularam contra a Companhia de Seguros WW..., S.A.

, pedido de reembolso das despesas decorrentes da assistência prestada à vítima mortal, B...

, no valor de € 1.685,92.

C...

; D...

; E...

, todos já demais identificados, invocando a sua qualidade de filhos da mesma vítima mortal, formularam pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros WW..., S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de € 110.000,00, para reparação dos danos não patrimoniais sobrevindos em virtude do sinistro ajuizado.

Realizado o contraditório, mostra-se proferida sentença decretando ao demais por ora irrelevante, a condenação: - Do arguido, pela prática material e sob a forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo elencado art.º 137.º, n.º 1, em concurso aparente com as contra-ordenações estradais previstas e punidas pelos art.ºs 24.º, n.ºs 1 e 3; 25.º, n.ºs 1, al. f) e 2) e 27.º, n.º 1, estes todos do Código da Estrada, na pena principal de um ano e seis meses de prisão, bem como, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados na via pública, pelo período de oito meses.

- Da visada Companhia de Seguros WW..., S.A., a solver aos aludidos demandantes, para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial por si reclamados, a quantia global de € 84.000,00, e, aos Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E, o montante de € 1.685,92.

1.2. Desavindos com o teor do veredicto emitido, recorrem arguido e demandada seguradora, ofertando, após motivação, a seguinte ordem de conclusões: (o arguido) 1. Não existem nos autos provas de que o condutor/recorrente seguia desatento ao trânsito, conduzindo de forma desconforme com as mais elementares regras estradais, mostrando assim desrespeito e indiferença pela vida, saúde e integridade física dos outros utentes da via, e incapacidade para o exercício da condução.

  1. O capacete deveria ter sistemas de retenção, e a condutora não devia usá-lo sem sistema de retenção, pois que ao fazê-lo potencia os danos, nomeadamente os que pode causar a si própria.

  2. Não existem nos autos quaisquer provas que desvalorizem o relatório de fls. 122, devendo ser considerado como meio de prova para considerar que a vítima no momento do acidente conduzia com uma TAS de 1,99 gr/l.

  3. O Tribunal deverá dar como provado que a vítima se encostou ao eixo da via e PAROU; sem respeitar a regra da prioridade, avançou, mudando de direcção à esquerda.

  4. In casu, a velocidade a que o arguido seguia não foi a principal causa do acidente.

  5. Inexiste nos autos qualquer prova de que o fígado da vítima seja incompatível com a TAS que apresentava no momento do acidente.

  6. Decidindo na forma em que o fez, o Tribunal recorrido preteriu ao disposto pelos art.ºs 14.º; 15.º; 137.º; 292.º; 50.º e 71.º, do Código Penal, bem como 125.º; 128.º, n.º 1 e 150.º, estes do Código de Processo Penal.

  7. Nos termos e para os efeitos do art.º 412.º, n.º 3, do último diploma citado, o recorrente considera como incorrectamente julgados os factos atinentes à sua alegada desatenção.

  8. Concretas provas que impõem decisão diferente: a ausência de prova depois de analisada toda a prova gravada.

  9. Provas que devem ser renovadas: as declarações da testemunha F....

    Em aplicação do previsto no aludido art.º 412.º, mas seu n.º 4, não é feita referência específica à passagem das declarações por terem sido na sua globalidade, ou pela ausência de prova testemunhal.

    Terminou pedindo a sua absolvição.

    (a demandada seguradora) 1. Mostram-se incorrectamente julgados os pontos provados 6 e 7 da decisão recorrida, bem como, ainda, o facto não provado respeitante ao teor de álcool no sangue da infeliz B...à data e hora do acidente dos autos.

  10. Com efeito, os mesmos contêm elementos probatórios conducentes a conclusão contrária da assim extraída pelo tribunal a quo.

  11. Consta do elencado ponto 6 que o condutor do LT conduzia de forma desatenta ao exercício da condução e que não controlou o respectivo veículo, indo embater com a frente do lado direito do LT na parte lateral direita do ciclomotor.

  12. Auditada a totalidade da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, e não há outra acerca deste ponto da matéria de facto, em parte alguma se ouve ou vislumbra que este circulasse de forma desatenta.

  13. A fundamentação avançada pelo tribunal à resposta que deu a este concreto facto julgado provado não permite perceber o motivo pelo qual foi decidido neste sentido.

  14. Esta resposta é contrariada quer pelas declarações do arguido, que se aduzem ao longo da motivação, quer pelos vestígios do acidente tais como os rastos de travagem marcados no pavimento com cerca de 38 metros de comprimento, efectuados pelo LT antes do embate que indiciam que o condutor do LT avistou a falecida B...a, pelo menos, mais de 40 metros, antes de esta iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda.

  15. Consequentemente, deve dar-se como não provado tal item 6.

  16. Refere-se no ponto 7 da matéria de facto provada que após o embate no ciclomotor, a vítima foi transportada sobre o capot do LT cerca de 33,20 metros, até à completa imobilização do veículo.

  17. O depoimento da testemunha F..., a única que depôs em audiência de julgamento dizendo ter visto o embate dos autos, afirma que com o embate o corpo da vítima foi projectado, melhor, foi “cuspido”, e não circulou sobre o capot do veículo seguro.

  18. Resultou da prova produzida em audiência de julgamento, que o embate do LT no ciclomotor resultou na projecção do corpo da infeliz vítima para a frente e não que o mesmo tenha percorrido cerca de 33 metros sobre o capot do veículo seguro, tal como a sentença ora posta em crise faz crer.

  19. Assim, mal andou o tribunal recorrido ao considerar como provada a referida factualidade (unicamente sustentado no relatório técnico junto aos autos), quando o contrário era por demais evidente à luz deste depoimento e foi afirmado por quem assistiu ao acidente.

  20. Seja, deve dar-se também como não provado que a infeliz vítima tivesse circulado 33,20 metros sobre o capot do LT.

  21. Por outro lado, concluiu também o tribunal sindicado considerar como não provado que a condutora do ciclomotor circulava com uma TAS de 1,99 gr/l no momento do acidente, fundamentando a sua resposta (dada ao arrepio de prova pericial médica efectuada por colheita de sangue após o sinistro), entre outros, no facto de não lhe parecer verosímil que a vítima conseguisse tripular o ciclomotor, e, equilibrando-se, efectuar o sinal de mudança de direcção levantando o braço esquerdo.

  22. Para tanto arrimou-se ainda nos depoimentos: • De familiares e amigos da vítima, prestados em audiência de julgamento, que referiram não conhecerem hábitos de consumo de álcool à vítima.

    • Do bombeiro que assistiu a vítima no momento do acidente, que referiu não se recordar de a mesma apresentar hálito a álcool.

  23. A este propósito, invocou ainda a aparência do fígado da vítima, retratado demasiado superficialmente no relatório da sua autópsia, tecendo diversas considerações de cariz médico para sustentar uma dúvida: a de que não lhe foi possível formar uma convicção segura no sentido de que a vítima circulava com uma TAS de 1,99 gr/l...

  24. Ora, a prova resultante do relatório de fls. 122 (relatório do exame ao sangue da vítima) não foi impugnada nos termos legais por quem quer que fosse. Quer a recolha de sangue efectuada à vítima, a sua catalogação, o caminho percorrido até exame laboratorial e o próprio exame estão devidamente documentados e constituem a forma legal de aquisição deste tipo de prova.

  25. O resultado do exame consta também dos autos e está documentado nos termos legais.

  26. Os próprios assistentes não impugnaram o exame assim efectuado e o seu resultado.

  27. Afigura-se à recorrente que, no que concerne, o tribunal recorrido violou as regras de apreciação da prova, formando a sua convicção contra prova laboratorial por via da consideração de factos não alegados e em todo caso sem a virtualidade para tanto.

  28. Os depoimentos testemunhais prestados na audiência de julgamento não têm o condão de abalar a prova resultante de exame laboratorial efectuado ao sangue da vítima e por mais que queiramos aceitar como bons os conhecimentos de medicina do Julgador, o certo é que, objectivamente, tais conhecimentos não podem ser valorizados para fundamentar a resposta dada a esta matéria de facto controvertida, tanto mais que tais conhecimentos não estão documentados nos autos, nem se trata de matéria científica ao alcance de qualquer pessoa.

  29. A conclusão do tribunal a quo afigura-se inédita à recorrente, pois que não se recorda de quem quer que fosse que, acusado de conduzir com uma TAS superior a 1,2 gr/l, lograsse destruir a prova que resultou de exame laboratorial nesse sentido, sem a impugnar, e fosse absolvido da prática do respectivo crime...

  30. É por demais evidente que, em face da prova produzida nos autos sob este concreto ponto da matéria de facto, o tribunal recorrido podia e devia ter decidido de forma diversa, nomeadamente julgando provado que a condutora do ciclomotor conduzia com uma TAS de 1,99 gr/l.

  31. Da totalidade da prova produzida em audiência resultou assim provado que: - Numa recta com o comprimento de cerca de 362 metros de extensão e depois de a tripulante do ciclomotor haver percorrido cerca de 144 metros decidiu efectuar uma mudança de direcção à esquerda.

    - E que a vítima iniciou a...

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