Acórdão nº 25/11.0PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo Criminal de Coimbra, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) Julga-se procedente a acusação e condena-se A..., pela autoria material de um crime de furto qualificado, na forma continuada, p. e p. pelos art.os 30.º, 2, 202.º e), 203.º, 1, e 204.º, 2 e), todos do Cód. Penal, na pena de dois ( 2 ) anos e nove ( 9 ) meses de prisão, que, pelas razões supra expostas, se suspende na sua execução, por igual período de tempo.

Julga-se parcialmente procedente o pedido cível e condena-se a arguida / demandada a pagar à A. a importância de vinte e cinco mil, setecentos e cinquenta euros ( € 25 750 ), acrescida de juros de mora sobre o referido montante, à taxa de 4%, desde a notificação até integral pagamento.

(…)”.

Inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: I. Impugnam-se os factos dados como provados pelo Tribunal a quo na sua sentença, com os números 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11 a 15.

  1. Tais factos não se coadunam com as provas produzidas em julgamento, III. Porquanto: lV. De todos os depoimentos prestados, cujas transcrições se encontram, na parte do articulado referente às motivações, bem como as demais a que formos aludindo nesta parte do articulado, sobressai que nenhuma pessoa estava presente à data de 16 de Novembro de 2010, à hora e no local onde, alegadamente, ocorreu o forto.

  2. De realçar que foi nesse dia e só nesse que, alegadamente, terão desaparecido os objectos indicados pela ofendida no seu pedido de indemnização cível.

  3. Ora, assim sendo, como pode o Tribunal a quo condenar a aqui recorrente pela prática do crime quando não há quaisquer evidências de que tenha sido a autora do mesmo? VII. Mais: do depoimento da ofendida e da Sra. ..., ressalta que o prédio da ofendida estava há já mais de um ano com andaimes, pois encontrava-se em fase de recuperação.

  4. Para além disso, teriam já havido outros assaltos no mesmo prédio, mesmo sem os andaimes lá estarem, conforme disse a ofendida.

  5. A ofendida, no seu depoimento, confessou que deixava sempre a porta da sala de jantar aberta, mesmo com os andaimes colocados na parte exterior do edifício.

  6. Portanto: como pode o Tribunal a quo, sem haver qualquer evidência da presença da recorrente, à data, hora e local dos factos, sem qualquer margem de dúvidas, dizer que foi a mesma a praticar o crime, quando podia, muito bem, ter sido qualquer outro individuo, pois tinha os meios para tal, beneficiando de uma porta aberta para o interior da residência da ofendida? XI. No que respeita aos objectos/montantes alegadamente furtados, temos que qualquer das testemunhas apresentadas pela ofendida apenas conseguiram fazer prova de que alguns deles existiam, chegando mesmo a precisar o local onde os mesmos se encontravam ...

  7. Ou seja: havia várias pessoas a ter conhecimento dos bens que a ofendida possuía, bem como do dinheiro que alegadamente recebia por ser "procuradora" e onde a mesma os guardava ....

  8. Mas nenhum deles concretizou nunca qual o valor dos mesmos, qual o montante que estaria na casa quando ocorreu o alegado furto… XIV. Pior: nenhuma das pessoas ouvidas em sede de julgamento pode, sem peias, afirmar que os bens estariam na casa da ofendida à data dos factos! Que foi nessa data que os mesmos desapareceram! XV. Como pode o Tribunal a quo condenar a recorrente numa indemnização por danos patrimoniais e morais sem poder categoricamente afirmar que os bens estariam lá e qual o seu valor concreto???? XVI. O Tribunal a quo baseou a sua convicção num juízo de experiência, motivado pelo "episódio" de 30 de Dezembro, sobre o qual nos vamos debruçar já de seguida.

  9. Pois bem: neste dia, a recorrente teria tido um "encontro" completamente estranho, no mínimo, com a ofendida, que estaria acompanhada de duas amigas, tendo uma delas testemunhado nesse sentido, a Sra. ....

  10. O grande problema que aqui se coloca é que a versão apresentada pela testemunha e a da ofendida contradizem-se nos seus próprios termos, o que inviabiliza a credibilidade de ambos.

  11. Diferem no que diz respeito aos tons da discussão e, até, à própria maneira como a recorrente teria saído da casa da ofendida.

  12. Podemos mesmo afirmar que tudo isto se passou, conforme relatou a ofendida? XXI. Mesmo tendo tido lugar essa "cena", o que não concedemos, nesse dia não desapareceram quaisquer objectos! XXII. O Tribunal a quo preferiu dar crédito a esses depoimentos, e fundar a sua convicção neles e em regras de experiência comum ....

  13. Pois bem: o que é feito do princípio constitucionalmente consagrado do in dubio pro reo? XXIV. De todas as provas resultantes da audiência de julgamento, outra não seria a decisão correcta senão a de absolver a recorrente do crime de que vinha acusada.

  14. Nada, nem ninguém a colocou no local, dia e hora do furto.

  15. Não se conseguiu fazer prova de que os bens/montante alegadamente furtados de facto existiam e estavam na casa da ofendida no dia em que os mesmos "desapareceram", nem qual o seu valor. Nunca a recorrente foi vista com os bens! XXVIII. Um crime apenas se consuma quando verificados todos os elementos que constituem o tipo de ilícito criminal, sendo nesse momento que se verifica o evento jurídico ou lesão do interesse tutelado.

  16. Verifica-se o furto quando o agente do crime, com intenção de apropriação, subtrai coisa alheia. Ora: é necessário identificar quais os pressupostos essenciais do crime de furto, que são: a. Em primeiro lugar, identificar o agente do crime; b. identificação das coisas furtadas e do seu valor; c. O furto ter ocorrido com intenção de apropriação de coisa alheia e inserção na esfera jurídica do agente do crime desses bens.

  17. No caso em apreço nada disso se verifica.

  18. Em lado algum existem provas de quem foi o agente do crime.

  19. A própria ofendida não efectuou a queixa-crime logo na altura em que foi alegadamente vítima do furto, nem quando a recorrente, alegadamente, foi vista pela ofendida na sua fracção, tendo subido pelos andaimes.

  20. Mais: a ofendida apresentou queixa porque "tinha de apresentar contra alguém".

  21. Ninguém viu a arguida no dia, hora e local do alegado furto.

  22. Não se conseguem identificar, em concreto, quais os bens/montantes que foram alegadamente furtados, se estariam ou não na casa aquando do crime, qual o seu valor ....

  23. Ninguém viu a arguida na posse dos bens indicados como furtados pela ofendida.

  24. Ou seja: tudo não passa de meras conjecturas, baseadas numa convicção de que mais ninguém poderia subir andaimes e entrar na casa da ofendida que estaria, como sempre esteve, aliás, com as portas destrancadas de acesso ao exterior, tal como confessou a ofendida no seu depoimento.

  25. Por isso mesmo, o Tribunal entendeu que seria de condenar a aqui recorrente a uma pena de prisão suspensa na sua execução de dois anos e nove meses de duração ... mais que não fosse por regras de experiência! XL. Como se tal não bastasse, julgou parcialmente procedente o P.I.C., sem que tenha sido alvo de qualquer fundamentação, o que aliás não podia existir, dado que não houve prova...

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