Acórdão nº 62/09.5TBCDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O Sr. Advogado, Dr. D…, pediu à Sra. Juíza de Direito do Tribunal Judicial de Condeixa-A-Nova, que condenasse M… e cônjuge, O…, a pagar-lhe a quantia de € 27.224,00, acrescida de juros vencidos, no valor de € 1.769,25, e dos vincendos.

Fundamentou esta pretensão no facto de exercer a profissão de advogado e de os réus terem conferido, a si e ao falecido colega, Dr. A…, procuração para os representarem em juízo na impugnação judicial que, com o nº 184/2000, correu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito da qual, e no exercício daquele mandato, prestou aos réus os serviços e fez a despesas constantes da nota de honorários, que apresenta a seu favor um saldo de € 22.225,00, que deveria ter sido pago até ao dia 29 de Junho de 2007.

Os réus defenderam-se por impugnação e por excepção dilatória, invocando a ilegitimidade ad causam do autor, por nada lhe deverem, já que os serviços lhe foram prestados pelo Dr. A…, a quem entregaram a quantia de € 11.250,00.

Oferecida a resposta – que, no despacho saneador, na parte referida à defesa por impugnação, foi dada por não escrita – seleccionada a matéria de facto, e indeferido o depoimento de parte do autor, requerido pelos réus, procedeu-se, no dia 30 de Novembro de 2011, à audiência de discussão e julgamento.

Nesta audiência, tendo as testemunhas T… e I…, ambas advogadas, produzidas pelo autor, declarado, no interrogatório preliminar, a primeira que, tinha conhecimento das partes e dos factos em atenção à sua qualidade de advogada estagiária e colaboradora do autor, exercendo funções no seu escritório, e, a segunda, que trabalha no escritório do autor desde 1992, primeiro como estagiária e depois como colaboradora e que conhece o réu como cliente do escritório, pelos réus foi atravessado o seguinte requerimento: Nos termos do artº 87 do Estatuto da Ordem dos Advogados, o dever de sigilo profissional é extensível a todas as pessoas que colaboram com o advogado, pelo que em momento prévio deverá ser requerida a dispensa junto da Ordem dos Advogados da obrigação de sigilo; não constando dos autos tal dispensa, o depoimento da testemunha constitui prova nula, o que se requer com todas as legais consequências.

O autor respondeu que se opunha ao requerido, porquanto as testemunhas foram arroladas para fazer prova de que os honorários peticionados pelo autor foram ou não pagos no âmbito de uma determinada acção e não para se pronunciarem sobre o conteúdo e tramitação da mesma, o que (não) está coberto pelo sigilo profissional, pelo que não se vislumbra que possa aqui estar em causa qualquer quebra do sigilo profissional.

A Sra. Juíza de Direito, por despacho proferido, acto contínuo, para a acta, depois de observar, designadamente, que é ao próprio advogado que incumbe exigir o sigilo dos seus colaboradores, que não pode prevalecer sobre o dever geral de contribuir para a descoberta da verdade, que, em causa nesta acção está apenas o desempenho pelo autor das funções implicadas no mandato que alega lhe ter sido conferido pelo réu e o pagamento dos serviços prestados, e que os factos a que as testemunhas iam depor não se referem, por natureza, à área de privacidade implicada no mandato, indeferiu o requerido, procedendo-se à inquirição das testemunhas, por legalmente admissível, e susceptível de ser valorada enquanto meio de prova.

Ambas as testemunhas foram inquiridas a toda a matéria e confrontadas com os documentos juntos aos autos.

Publicada, no dia 12 de Dezembro de 2011, a decisão da matéria de facto – a que os Exmos. Advogados das partes, apesar de convocados, não assistiram - a sentença final da causa, condenou os demandados a pagar ao autor a quantia de € 27.225,00, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, desde a sua data, até pagamento.

É esta sentença que os réus, através de requerimento apresentado por via electrónica no dia 10 de Março de 2012, impugnam no seu recurso ordinário de apelação, no qual pedem a sua revogação e o proferimento de outra que os absolva do pedido.

Os recorrentes extraíram da sua alegação estas conclusões: … Na resposta, o autor, depois de obtemperar, além do mais, que por não ter sido deduzida qualquer reclamação ou recurso do despacho que admitiu os depoimentos das testemunhas, Dras. T… e I…, o mesmo passou em julgado, e que os recorrentes, quando requereram o seu depoimento pessoal, implicitamente, o dispensaram do segredo profissional, concluiu pela improcedência do recurso.

1.1.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

… 1.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC).

Objectivamente, o âmbito do recurso é delimitado, desde logo, pelos casos julgados formados na acção. Realmente, é claro que o recurso ordinário não pode incidir sobre matéria sobre a qual se formou caso julgado, pelo que se, por exemplo, transitou em julgado a decisão da 1ª instância que não atendeu a arguição da nulidade da petição inicial – nenhum tribunal de recurso pode voltar a pronunciar-se sobre essa excepção dilatória[1].

De harmonia com a alegação dos recorrentes, é só um o fundamento do recurso: o erro na apreciação da prova produzida, por ter dado como provados factos – os constantes das respostas aos pontos nºs 1 e 2 da base instrutória. Mas esse erro, no ver dos recorrentes, tem uma causa peculiar: a consideração, pelo tribunal de que provém o recurso de elementos probatórios – documentais e testemunhais – submetidos a sigilo profissional.

Alega-se expressamente um erro na decisão da questão de facto, por erro na aferição das provas. Todavia, o conjunto da alegação dos recorrentes mostra que o que, realmente, discutem não é um error in iudicando da matéria de facto por erro na avaliação, aferição ou valoração das provas produzidas – mas o carácter materialmente proibido, e portanto, ilícito, das provas – testemunhal e documental – produzidas, por terem sido admitidas em violação do dever de sigilo que vincula o advogado e os seus colaboradores, utilizadas pelo decisor da 1ª instância para decidir a controvérsia relativa à questão de facto.

Na verdade, os recorrentes, apesar daquela declaração, não sustentam na alegação que o decisor da 1ª instância errou na valoração das provas e, correspondentemente, na decisão da matéria de facto – antes advogam, veementemente, que as provas de que aquele se socorreu para decidir a questão de facto são proibidas por se compreenderem no perímetro do dever de segredo que vincula os advogados.

Este ponto é relevante, dado que concluindo-se que, afinal, aquelas provas não são proibidas – ou que, por preclusão, essa questão não constitui objecto admissível do recurso - não há motivo para discutir a correcção do julgamento da matéria de facto, que, assim, se deve ter por exacto.

Concorre para a exactidão desta conclusão, a circunstância de os recorrentes nem sequer se terem preocupado com a satisfação do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, representado pela exigência da indicação das passagens do registo sonoro da prova em que constam os depoimentos das testemunhas, ou da transcrição desses depoimentos (artº 685-C nº 1 b) e 2 do CPC).

O problema não é, assim, de error in iudicando, por erro na valoração das provas – mas de uso, pelo decisor de facto, de provas materialmente proibidas e, portanto, ilícitas.

Entre as provas proibidas estão justamente, no ver dos recorrentes, os depoimentos das duas – únicas – testemunhas produzidas pelo autor: as Sras. Advogadas, Dras. T… e I...

Tendo constatado, logo na audiência final, em face das respostas dadas pelas testemunhas no interrogatório preliminar, que ambas as testemunhas tinham a qualidade de advogadas e adquirido conhecimento dos factos por virtude da sua colaboração com o autor, os recorrentes logo trataram de invocar a vinculação de ambas ao dever de sigilo profissional e, por não ter sido requerida, junto da respectiva ordem profissional, a dispensa desse dever, de arguir a nulidade da prova correspondente. A finalidade última do requerimento era, nitidamente, esta: impugnar a admissão das testemunhas, impedindo-as de depor.

Porém, a Sra. Juíza, não se persuadiu da exactidão da alegação dos recorrentes, declarou a inquirição daquelas testemunhas legalmente admissível e procedeu a essa inquirição. Esta decisão não foi objecto de impugnação - anteriormente ao recurso interposto da decisão final - seja por via de reclamação, seja de recurso ordinário.

Em face dessa ausência de impugnação, diz o recorrido: aquele despacho transitou em julgado, não podendo tal matéria ser de novo chamada à colação pelos recorrentes.

Esta objecção do recorrido deve ter-se por exacta.

A este processo, dado que foi instaurado em data posterior a 1 de Janeiro de 2008, à aplicável, no tocante à impugnação das respectivas decisões, o sistema de recursos tal como foi reconformado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artºs 11 e 12 nº 1 deste diploma legal).

No direito anterior a impugnação das decisões interlocutórias era instrumentalizada pelo recurso de agravo. Em face da supressão deste recurso ordinário poderia supor-se uma restrição da recorribilidade das decisões com tal natureza. Nada de menos exacto. A lei nova manteve a regra da recorribilidade das decisões interlocutórias, limitando-se a estabelecer, para obviar às desvantagens dessa recorribilidade, a regra da sua irrecorribilidade...

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