Acórdão nº 2297/11.1TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo de recurso de contra-ordenação n.º 2297/11.1TBPBL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, em que é recorrente a arguida “W... –, S.A.”, por sentença datada de 7 de Março de 2012, foi julgado parcialmente provido o recurso por si intentado, reduzindo-se a coima aplicada pela autoridade administrativa para o montante de 15.000,00 € (quinze mil euros).

Recorde-se que a decisão administrativa havia condenado a recorrente numa coima no valor de 25.000,00 € (vinte cinco mil euros), pela prática de uma contra-ordenação p. e p. nos termos dos artigos 17° e 37°. n° 1, alínea c) do Decreto-Lei n° 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n° 197/2005, de 8 de Novembro, relativa à execução do projecto de ampliação de uma unidade sujeita a AIA – avaliação de impacto ambiental - sem a necessária DIA (declaração de impacto ambiental).

  1. Inconformado, a arguida recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. No recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida em primeira instância, a mesma invocou a nulidade da decisão administrativa, por força do disposto no art. 374.° e 379.°, n.°1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi art. 41.°do Regime Geral das Contra-Ordenações e art. 2.°, n.°1 da Lei n.°50/2006, revista e republicada pela Lei n.°89/2009, de 31 de Agosto, em virtude de a defesa apresentada pela mesma ter sido absolutamente desconsiderada pela entidade administrativa, não tendo sequer sido apreciada no texto da decisão administrativa.

  2. No âmbito da defesa escrita apresentada pela Recorrente foi invocado, resumidamente, que a mesma não praticou a infracção de que vinha acusada por falta de preenchimento dos pressupostos da infracção, nos seguintes termos: · A montagem das instalações destinadas a operações de eliminação de resíduos perigosos não está sujeita a Declaração de Impacto Ambiental, mas apenas a sua laboração; · A Agência Portuguesa para o Ambiente defende a aplicação do regime jurídico dos CIRVER em relação a algumas unidades a licenciar pela arguida, pelo que será esse o regime aplicável e não o Decreto-Lei n.°197/2005, de 08 de Novembro, invocado pelo IGAQT, o que determina a falta de fundamento legal da presente contra-ordenação.

    · Sem prescindir a arguida invocou ainda que sempre actuou com vontade de cumprir a lei e em estreita colaboração com a administração e solicitou que o IGAOT usasse da faculdade prevista no artigo 39•0 do RJCOA e suspendesse a execução da sanção mediante o cumprimento pela arguida de certas obrigações ou que se estipulasse a coima no seu mínimo legal.

    · Requereu que fossem inquiridas as testemunhas B... . e ....

  3. A decisão administrativa condenatória apenas alude à defesa apresentada pela Recorrente em dois momentos: num primeiro momento, refere de forma vaga e genérica que a prova dos factos teve por base a análise critica e conjugada do “auto de notícia n.°795/2009, do Relatório de Inspecção n.°1861/2009, bem como da pronúncia e dos documentos juntos pela sociedade arguida e depoimentos das testemunhas.”; num segundo momento refere expressamente que “em sede de defesa ao ora processo contra-ordenacional, a arguida alega a nulidade do auto de notícia e, consequentemente, da acusação, invocando para o efeito nomeadamente a omissão da fundamentação de facto e de direito.” 4. A decisão administrativa remata a alusão à defesa administrativa apresentada pela Recorrente alegando que “(...) foi a arguida notificada (...) de todos os elementos relevantes para exercer a sua defesa, sendo que constavam da notificação a data e local da infracção, factos consubstanciadores da mesma, bem como o título da imputação subjectiva e ainda o sentido provável da decisão que é a condenação da arguida. A arguida veio efectivamente exercer cabalmente o seu direito de defesa, com base na notificação recebida, pelo que se entende não existir qualquer fundamento para considerar por qualquer forma limitado o direito de defesa.

  4. A autoridade administrativa alude à defesa e aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela arguida de uma forma vaga e genérica, sem explicar como e em que termos os considerou.

  5. A autoridade administrativa ignora completamente o conteúdo da defesa administrativa apresentada pela Recorrente uma vez que rebate fundamentos alegadamente invocados pela mesma — como a nulidade do auto de notícia e da acusação, por falta de fundamentação de facto e de direito —, sem que, no entanto, a Recorrente alguma vez os tivesse invocado.

  6. O direito de audiência e defesa do arguido no âmbito do processo de contra-ordenação constitui uma forma de o mesmo se pronunciar relativamente à infracção que lhe é imputada e à sanção em que incorre, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

  7. No âmbito do processo de contra-ordenação, os actos praticados, embora sejam emanados de uma entidade administrativa e, logo, em princípio sujeitos às garantias e regime próprios do direito administrativo, passam a estar regulados pelo regime jurídico do ilícito de mera ordenação social e, subsidiariamente, pelo regime do processo penal.

  8. No entanto, tal não significa que o direito administrativo seja completamente ignorado, pelo contrário, é necessário proceder a uma adaptação de princípios, sendo que uma afloração do mesmo é, desde logo, a previsão do direito de audição e defesa do arguido plasmado no artigo 50.°do Regime Geral das Contra-Ordenações, que tem correspondência com princípio da audiência prévia dos interessados, previsto no artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual os administrados têm o direito de se pronunciar em momento anterior à tomada de decisão da administração (ou seja, quando ainda é possível influenciar a mesma) - (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.°1/2003, publicado no Diário da República, 1 Série — A, n.°21, de 25 de Janeiro de 2003).

  9. O processo de contra-ordenação constitui uma realidade sui generis que representa um meio-termo entre o tradicional processo administrativo sancionador e o tradicional processo criminal.

  10. O direito de audiência e defesa do arguido, quer analisado à luz de princípios administrativos quer analisado à luz do ordenamento jurídico- só se compreende na medida em que faculta ao arguido a possibilidade de fornecer elementos novos que venham influir no itere cognoscendi da Administração, alterando ou conformando a decisão a tomar.

  11. Entende a Recorrente que constitui dever da administração pronunciar-se quanto aos elementos fornecidos na defesa apresentada, fazer um juízo crítico dos mesmos e fundamentar a sua decisão final em consideração pelos elementos carreados aos autos pela mesma, sob penal de violação de direitos constitucionalmente garantidos ao arguido penal (artigo 32°, n.°10 da CRP).

  12. Entendimento semelhante foi propugnado no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14.04.2010 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 01.06.2005, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

  13. A Recorrente invocou aspectos que colocam em causa os pressupostos da infracção imputada e requereu que a administração fizesse uso da faculdade prevista no artigo 39.°do RJCOA, no entanto, a IGAOT ignorou por completo os fundamentos invocados pela Recorrente em sede de direito de defesa.

  14. In casu, impunha-se que a Autoridade Administrativa se pronunciasse quanto à bondade dos argumentos invocados e quanto à possibilidade de utilização da faculdade prevista no artigo 39º do RGCOA, mesmo que fosse para afastar esses argumentos ou para negar aplicação do requerido regime de suspensão, tudo o que não foi feito pela IGAOT.

  15. O comportamento da IGAOT é ainda mais reprovador, na medida em que inclui na decisão administrativa uma alegada análise à defesa alegadamente apresentada pela Recorrente, defesa essa que NÃO assenta nos argumentos efectivamente invocados pela mesma.

  16. Compulsado o teor da sentença ora recorrida, em resposta à invocada nulidade, a Recorrente constata que a Meritíssima Juiz considera que, no caso em apreço “a fundamentação da decisão é mais do que suficiente” e que a falta de pronúncia quanto ao pedido de suspensão de execução da coima constitui uma mera irregularidade, sanável em sede de sentença.

  17. Sucede que, a decisão administrativa não se pronuncia quanto à defesa apresentada pela Recorrente, na qual foram alegados factos relevantes, susceptíveis de alterar o rumo da decisão da autoridade administrativa, e foi requerida a suspensão da execução da coima, caso esta viesse a ser aplicada, como veio a ser.

  18. A decisão administrativa pronuncia-se, ao invés, relativamente a alegados fundamentos, alegadamente invocados pela Recorrente em sede de direito de defesa, MAS QUE NA REALIDADE NUNCA FORAM PELA MESMA INVOCADOS (!).

  19. Dúvidas não podem subsistir de que a decisão administrativa padece de nulidade, por violação do disposto no art. 374.°e 379º, n.°1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi art. 41.°do Regime Geral das Contra-ordenações e art. 2º, n.°1 da Lei n.°50/2006, revista e republicada pela Lei n.°89/2009, de 31 de Agosto, em virtude de a entidade administrativa não ter conhecido dos fundamentos invocados pela Recorrente em sede de defesa administrativa».

  20. A Exmª Magistrada do Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra.

    Conclui assim: «I. A decisão da Autoridade Administrativa não desconsiderou a defesa apresentada pela Recorrente, na medida em que, e tal como se refere na sentença do Tribunal a quo: “No caso em apreço a indicação das provas é clara por parte da entidade administrativa. Tais provas consistiram, segundo a decisão administrativa, nos seguintes elementos: análise crítica e conjugada, segundo juízos de experiência comum e de normalidade social, do auto de notícia n. 0795/2009 e relatório de inspecção n.º 01861/2009...

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