Acórdão nº 235/08.8TBANS de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução02 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    1. A empresa T (…) & Filha, Lda., Autora no presente processo, agora recorrida, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação do Réu e respectiva esposa, a pagarem-lhe a quantia de €23.449,20 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa comercial e supletiva, calculada desde a data do pagamento de determinadas prestações em dinheiro que ela teve de pagar à sociedade ND Portugal Transportes, Lda., proprietária de uma carga que a Autora transportou de França para Portugal e que foi furtada em parte durante o percurso.

      Baseia este pedido no facto de ter tido relações profissionais com o demandado D (…), o qual lhe prestou serviços na área da mediação de seguros, sendo por intermédio dele que a Autora celebrava contratos de seguro, negociava apólices, procedia a pagamentos dos prémios e fazia participações de sinistros, sendo o Réu quem fazia chegar toda a documentação e pagamentos inerentes a tais contratos à companhia de seguros respectiva e entregava à Autora os recibos de pagamentos dos prémios correspondentes.

      No dia 1 de Julho de 2000, durante um serviço de transporte rodoviário efectuado pela Autora, foi furtada durante a noite parte da carga, no valor de €23.449,20 euros, na ocasião em que o seu motorista tinha ido dormir a sua casa, sita na Av. Elísio de Moura em Coimbra, local onde deixou o camião estacionado.

      A Autora não pôde beneficiar da cobertura de seguro para este tipo de situações devido ao facto do Réu não ter encaminhado para a companhia de seguros, por esquecimento, a quantia relativa ao prémio do seguro e que a Autora lhe havia entregue atempadamente, por cheque.

      Por isso, a Autora teve de pagar o valor da carga furtada ao respectivo proprietário e daí vir agora pedir esse valor ao Réu e à sua esposa, por se tratar de dívida que onera os bens comuns do casal.

      Os Réus contestaram.

      Alegam, em síntese, que a Autora não entregou ao Réu a quantia relativa ao pagamento do prémio do seguro e foi essa falta de pagamento que gerou a sua anulação.

      Por outro lado, a Autora recebeu uma carta da seguradora, com antecedência, a comunicar-lhe a falta de pagamento do prémio e a data em que o seguro seria anulado caso não houvesse pagamento.

      O que sucedeu foi o seguinte: após o furto, o representante da Autora pretendeu que o Réu encontrasse uma forma de evitar os efeitos da anulação do seguro. Para conseguir esse objectivo, o Réu, indevidamente, concordou em informar a seguradora que o prémio lhe tinha sido pago, mas que ele, Réu, se tinha esquecido de enviar o cheque emitido pela Autora à seguradora, o qual ficou anexado a outro tipo de papéis e permaneceu despercebido.

      Acrescentaram ainda que mesmo na hipótese do seguro não ter sido anulado, como foi, nunca o mesmo aproveitaria à Autora.

      Afirmaram isto com base na circunstância do contrato em causa não cobrir a situação de facto da qual resultou o furto, na medida em que a dita apólice não cobria os furtos ocorridos em situações de abandono do veículo na via pública, como foi, na verdade, o caso.

      No final foi proferida decisão nestes termos: O Réu D (…) foi condenado «…a pagar à A. T (…) & Filha, Lda., a quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, e correspondente a 75% do valor da mercadoria furtada e referida em 16. a 19. dos factos dados como provados a determinar nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 23º da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, sem nunca exceder o limite estipulado no nº 3 do referido preceito, na redacção que lhe foi dada pelo DL 28/88 de 6.9, acrescida de juros moratórios à taxa comercial e supletiva a contar da data em que vier a ser liquidação mencionada e até integral pagamento», tendo sido absolvido do restante pedido.

      A Ré M (…) foi absolvida da totalidade do pedido contra si deduzido.

      Considerou-se, em resumo, que efectivamente a Autora tinha pago o prémio e que o Réu tinha omitido o respectivo pagamento à seguradora, não existindo, por isso, seguro válido na ocasião do furto e que, existindo, teria coberto o prejuízo resultante do furto.

      No entanto, por não existir na área da residência do motorista um parque com guarda, apropriado ao parqueamento do camião, a indemnização a cargo da seguradora sofreria um abatimento de 25% do valor da mercadoria furtada.

      O Réu veio ainda a ser condenado como litigante de má fé por ter negado o recebimento atempado do cheque destinado a pagar o prémio do seguro.

    2. O Réu recorre quanto à matéria de facto e relativamente à matéria de direito.

      Quanto à matéria de facto, pretende ver alteradas as respostas restritivas dadas aos quesitos 14.º, 20.º e 30.º; as positivas dadas aos quesitos 2.º, 16.º, 17.º e 38.º e as negativas atinentes aos quesitos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 30.º, 31.º, 34.º e 39, pretensão que funda no teor do seu próprio depoimento de parte e nos depoimentos das testemunhas (…), pelas razões que mencionou nas alegações de recurso e que devido à sua extensão aqui se omitem, fazendo-se referência a elas mais abaixo quando for analisada a respectiva impugnação.

      Pretende, assim, que sejam dadas respostas positivas aos quesitos 14.º, 20.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 30.º, 31.º, 34.º e 39 e respostas negativas aos quesitos 2.º, 16.º, 17.º e 38.º (O Réu referiu-se no início das alegações à matéria do quesito 15.º, mas depois nas conclusões não o mencionou. Por essa razão, a respectiva matéria não será apreciada).

      No que respeita à matéria de direito, sustenta que uma vez alterada a matéria de facto no sentido pretendido, fica arredada a responsabilidade do Réu na anulação da apólice.

      Mas, mesmo que se entendesse que o Réu era responsável pela anulação do seguro, mesmo assim nunca poderia ser condenado a pagar à Autora a quantia que esta pede, devido ao facto do contrato de seguro não prever a indemnização do dano resultante do furto ocorrido nas condições em que ocorreu o furto referido nos autos, isto é, em situação de abandono do veículo durante a noite em plena via pública.

      E quanto à condenação como litigante de má fé entende que não pode subsistir, pois nunca recebeu da Autora o cheque em causa.

      Concluiu assim: (…) c) A Autora contra-alegou e concluiu, nos seguintes termos: (…) d) A Autora apresentou também recurso subordinado.

      Concluiu assim: (…) Não houve contra-alegações.

  2. Objecto dos recursos.

    1. O objecto do recurso principal consiste no seguinte: 1.1.

      A primeira questão que o Réu recorrente coloca prende-se com as respostas dadas à matéria de facto.

      Pretende que este tribunal altere a matéria de facto provada e declare provados os factos constantes dos quesitos 14.º, 20.º 23.º, 24.º. 25.º. 26.º, 30.º, 31.º, 34.º e 39.º da base instrutória e não provados os quesitos 2.º, 16.º, 17.º e 38.º da mesma base.

      1.2.

      Em segundo lugar, já em sede de análise jurídica da causa, sustenta que a anulação do contrato de seguro é imputável ao próprio Autor, por não ter pago o prémio, pelo que o Réu, como mediador no mesmo, não pode ser responsabilizado pelo prejuízo causado pelo furto de parte da carga.

      1.3.

      Ainda neste contexto, o Réu sustenta que caso o contrato de seguro estivesse em vigor, tal contrato não cobriria os danos resultantes do furto em causa, devido ao facto do contrato conter uma cláusula que exclui a responsabilidade da seguradora no caso do furto ocorrer numa situação de estacionamento e abandono do veículo na via pública, o que aconteceu no caso concreto por mais de sete horas.

      Não estando a situação factual coberta pelo risco assumido no contrato de seguro, como é o caso, então o Réu não pode ser condenado a indemnizar o Autor pelo prejuízo resultante do furto.

      1.4.

      Em terceiro lugar, o Réu sustenta que não litigou com má fé, por isso, pede a revogação da sentença também nessa parte.

    2. O objecto do recurso subordinado consiste no seguinte: 2.1.

      A primeira questão que a Autora recorrente coloca prende-se também com as respostas dadas à matéria de facto constante dos quesitos 1.º e 10.º, que entende estarem provados pelos documentos que a Autora juntou aos autos (certidão de casamento do Réu e da participação do furto às autoridades policiais), e 39.º, que deve também ser considerado provado, desde logo com base no depoimento prestado pela testemunha (…).

      2.2.

      Em segundo lugar, face à alteração dos factos, deve proceder o seu pedido no sentido da responsabilização da Ré mulher, devido ao facto da dívida do Réu resultar do exercício do seu comércio e, por isso, se presumir contraída em proveito comum do casal.

      2.3.

      Em terceiro lugar, a Autora coloca a questão de saber se as cláusulas limitativas da responsabilidade da seguradora, relativas à problemática do alegado abandono do veículo e carga, se aplicam ao caso dos autos, uma vez que são cláusulas contratuais gerais e, como tais, deviam ter sido comunicadas à Autora, o que não ocorreu, razão pela qual não poderiam estar em vigor, caso o contrato não tivesse sido anulado.

      2.4.

      Em quarto lugar, surge a questão de saber se se aplica ao cálculo da indemnização devida à Autora a franquia de 25%, prevista na al. b), da cláusula 22.ª, do contrato de seguro, resultante do facto de não existir na área da residência do motorista um parque de estacionamento com guarda susceptível de ser utilizado pelo motorista.

      2.5.

      Por fim, coloca-se a questão de saber se há ou não há nos autos elementos para definir o quantum da indemnização a atribuir à Autora ou se deve relegar-se para momento posterior, como se decidiu na sentença, a determinação da indemnização.

  3. Fundamentação.

    A – Questões...

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