Acórdão nº 68/10.1GAVGS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Pela Comarca do Baixo Vouga, Vagos - Juízo de Média Instância Criminal, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, ao abrigo do disposto no art.º 16, n.º 3 do CPP, o arguido A...

, actualmente em cumprimento de pena de prisão, no EP de Coimbra, imputando-se-lhe a prática dos factos descritos na de fls. 90 e ss, pelos quais teria cometido em autoria material, na forma consumada e como reincidente, um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204, n.º 2, al e), com referencia ao art. 202, al. d) e e ) do Código Penal, pela prática.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 26-01-2012, decidiu condenar o arguido A... pela prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.204.º, n.º 2, al e), com referencia ao art.202.º, d) e e) do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão efectiva.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

  1. O recorrente foi condenado pela prática, como reincidente, de um crime de furto qualificado, p e p pelo art. 204.º, n.º 2, al. E), com referência ao art. 202 d) e e) do Código Penal.

    b) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, julgou incorrectamente os factos dados como provados 1,2,3,4, 5 e 6, porquanto não foi produzida prova que o recorrente tenha sido o autor dos mesmos.

    c) Com efeito, a prova testemunhal produzida não nos permite concluir que o recorrente tenha sido o autor dos factos constantes da acusação, aliás, a única testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento, o proprietário do estabelecimento, referiu desconhecer o autor dos factos.

    d) O único elo de ligação conducente ao recorrente, resulta do relatório de apreciação técnica constante de fls. 30 dos autos, onde consta que foram encontrados vestígios palmares, na parte exterior da janela, tendo-se concluído que se identificavam com a região hipotenar da mão esquerda do arguido.

    e) O aludido relatório não passa de um meio de prova, que entre outros e conjugado com os restantes meios de prova permitirá ao Tribunal formar a sua convicção.

    f) O facto de terem sido encontrados vestígios palmares pertencentes ao ora recorrente na janela por onde terão entrado os autores dos factos, não nos permite concluir que tenha sido o recorrente o autor do ilícito criminal, ainda mais, pelo facto de terem sido encontrados na parte exterior da janela.

    g) O recorrente não prestou declarações em sede de audiência de julgamento, mas o simples facto de não existir justificação plausível para a existência do vestígio palmar do arguido na janela do estabelecimento comercial, jamais poderá permitir ao Tribunal concluir ter sido ele o autor do crime, ou mesmo que tenha estado no local na noite de 31/01/2010.

    h) Da prova produzida em audiência de julgamento, resultaram fundadas dúvidas acerca do cometimento dos factos por parte do recorrente.

    i) Impunha-se assim ao tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da douta sentença recorrida, a absolvição do arguido dos factos de que se mostra acusado.

    j) Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou: - O princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127 do CPP.

    - O princípio in dubio pro réu, consagrado no art.32.º da CRP.

    j) Por outro lado, do texto da douta sentença recorrida, resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.410.º, n.º2, al. a) do C.P.P.

    Assim sendo, impõe-se uma decisão diferente da proferida, devendo o arguido, ora recorrente A..., ser absolvido da acusação contra si deduzida.

    Sem prescindir, k) Também a questão da reincidência não foi devidamente apreciada.

    k) Para um arguido ser considerado “reincidente” é preciso constarem da acusação e provarem-se em audiência os pressupostos de facto previstos no art. 75 do Código Penal, nesse sentido: Ac. STJ de 01-04-2004 (proc. 04B483) l) Os factos constantes da acusação, não são suficientes para se apurar que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior.

    m) A acusação não contém os factos precisos que integram os pressupostos materiais da reincidência, pois não revela em que medida a condenação anterior não foi suficientemente dissuasora para afastar o arguido do crime.

    n) Se bastassem os pressupostos formais, que são os que constam da acusação e da douta decisão recorrida ( cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de uma condenação por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, período de 5 anos entre a prática de dois crimes) o arguido seria automaticamente condenado, como reincidente, pela mera junção aos autos de uma certidão. O) Consta da douta sentença recorrida como provado o facto no ponto 21.

    Porém, a condenação e o período de reclusão sofrido não serviram de suficiente advertência ao arguido contra a prática de crimes dolosos.”.

    No entanto, tal não constitui um “facto” propriamente dito, i.é, uma realidade da vida, mas antes uma conclusão coincidente com os dizeres da própria lei.

    p) O Tribunal a quo não indagou da necessidade de aplicação do regime da reincidência, por efeito do desrespeito pela condenação anterior e, assim sendo, parece que considerou a reincidência como de funcionamento automático. q) Pelo que subsiste também a insuficiência de matéria de facto para a decisão por não se verificar o pressuposto material da reincidência.

    Sem prescindir: r) Caso se entenda que o arguido não deverá ser absolvido do crime de furto qualificado de que se mostra acusado, a pena aplicada é demasiado severa.

    s) Atendendo ao fim educativo que a pena deve ter no sentido de demover o arguido do cometimento de novos crimes, mas também à sua integração e ressocialização, deve ser aplicada ao recorrente pena não privativa da liberdade.

    Nestes termos e nos mais de direito, deve dar-se provimento ao presente recurso, com as consequências legais, nos termos mencionados nas conclusões, como é de Direito e Justiça.

    O Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação, constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. Na noite de 31/01/2010, a hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se ao Restaurante W..., pertencente ao ofendido B..., sito na …. , área deste município de Vagos, com o intuito de retirar do seu interior, sem o conhecimento e o consentimento do seu proprietário, objectos com valor que sabia ali poder encontrar.

    1. Nessa conformidade, com o auxílio de instrumento não concretamente apurado, partiu um vidro de uma janela lateral do Restaurante, que dá acesso ao interior da cozinha, logrando dessa forma ali entrar.

    2. Daí retirou e levou consigo, sem o conhecimento e o consentimento do seu proprietário, os seguintes objectos: a) Cerca de 160,00 a € 170,00 em notas e moedas que retirou do interior da máquina registadora; b) Várias moedas que se encontravam dentro do moedeiro de uma caixa de brindes, de valor não apurado.

    3. O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito consumado de fazer seus os objectos acima mencionados, bem sabendo que não lhe pertenciam, que o seu proprietário não o autorizou a levar tais objectos e que dessa forma actuava contra a vontade deste.

    4. Sabia que não tinha autorização para entrar no restaurante acima identificado, pelo que entrou no local quebrando o respectivo vidro da janela que dá acesso à cozinha, logrando assim ter acesso ao seu interior.

    5. Ao agir da forma supra descrita, causou um prejuízo ao ofendido no valor de pelo menos € 170,00, referente aos objectos subtraídos.

    6. Sabia outrossim ser toda a sua conduta proibida e punida por lei penal.

    7. O arguido foi condenado pela prática em 08/06/2002 de vários crimes de furto, dano, roubo e ofensa à integridade física simples, no processo 256/02.4GAVGS deste Tribunal Judicial por acórdão transitado em julgado, em pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses.

    8. Esteve em cumprimento dessa pena desde 06/10/2004 até 06/04/2008.

    9. Porém, a condenação e o período de reclusão sofrido não serviram de suficiente advertência ao arguido contra a prática de crimes dolosos.

    10. O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 119 e ss que se dá por integralmente reproduzido.

    Facto não provados Não se provou que tenha sido retirado do estabelecimento várias garrafas de bebidas alcoólicas de marca e valor não concretamente apurados.

    Motivação da matéria de facto O arguido, dentro do direito que lhe assiste, remeteu-se ao “silencio”.

    O tribunal formou a sua convicção com base na prova pericial constante dos autos, e bem assim do depoimento da testemunha B.... Este, proprietário do estabelecimento, confirmou o modo como acederam ao interior do mesmo, e bem assim os objectos que desapareceram, e o respectivo valor.

    Não obstante não haver nenhuma testemunha a dizer que viu o arguido, o certo é que tem o tribunal de valorar, quanto á autoria dos factos o teor da prova pericial junta aos autos, a fls. 26 a 30 de onde resulta a existência de vestígios palmares na parte exterior da janela partida, os quais submetidos a apreciação técnica se identificavam com a região hipotenar da mão esquerda do arguido.

    É certo que estamos a falar de vestígios palmares encontrados do lado de fora da janela. Só que não era uma janela qualquer, mormente não era uma janela da frente do edifício ou que ficasse junto á estrada e onde qualquer pessoa pudesse passar e até...

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