Acórdão nº 1053/10.9TJCBR-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução22 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Por apenso à acção especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação A..., Lda.

, com sede na (...) , Coimbra – decorrido o prazo para algum interessado alegar (ex vi 188.º/1 do CIRE) o que entender por conveniente, tendo em vista a qualificação da insolvência como culposa, veio a respectiva Administradora (nos termos do art. 188.º/2 do CIRE) propor, no parecer que apresentou, que a insolvência seja qualificada como culposa; e que sejam afectados pela qualificação os gerentes da devedora, B...

e C..., gerentes de direito da devedora insolvente nos últimos 3 anos.

Para o que invocou, em termos de fundamentação e em síntese, que a insolvente incumpriu o dever de se apresentar à insolvência; e que a contabilidade da empresa não reflecte a realidade, já que não foi localizado o dinheiro resultante do alegado aumento de capital (que parece não ter sido concretizado) registado em 18/01/2010. Daí que conclua que a insolvência deve ser qualificada como culposa por força do art. 186º/1, 2, al. h) e 3, al. a), do CIRE.

Após o que se pronunciou o Ministério Público (art. 188.º/3 do CIRE) no mesmo sentido.

O requerido B(...) veio então apresentar oposição[1] em que – além de referir que renunciou às funções de gerente em 21/01/2012 – invocou a nulidade consistente na insuficiente fundamentação e documentação do parecer da administradora e a nulidade do consequente parecer do M.º P.º – dizendo ser-lhe “manifestamente difícil pronunciar-se sobre os pareceres em causa face à falta de fundamentação e à ausência da documentação neles referidas” – nulidades que foram indeferidas por despacho de 05/09/2011, determinando-se, porém, que o oponente “seja notificado do parecer do TOC constante do processo principal, bem como do teor da petição inicial e documentos que a acompanham, a fim de, querendo, em 15 dias, tomar (nova) posição sobre o parecer apresentado”.

Efectuada tal notificação e decorrido o prazo concedido em tal despacho, nada foi “oposto” pelo requerido B(...) .

* Foi então proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu a seguinte sentença: “ (…) Pelo exposto, decide-se: a) Qualificar como culposa a insolvência de A(...) , Lda.; b) Julgar afectado pela qualificação B(...) ; c) Declarar B(...) inibido para o exercício do comércio por um período de 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, nesse mesmo período; (…) “ * Inconformado com tal decisão, interpôs o requerido B(...) – afectado pela qualificação da insolvência como culposa – o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que não qualifique a insolvência como culposa ou que não o afecte.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. O recorrente foi manifestamente ludibriado no negócio da cessão das quotas da sociedade insolvente.

  1. O valor do preço da cessão seria utilizado para a concretização do aumento do capital social, que foi, entretanto, registado.

  2. Não lhe tendo sido pago o preço da alienação das quotas, o recorrente não pode proceder ao aumento do capital social, IV. Não por sua vontade mas sim devido ao incumprimento por parte do adquirente das quotas, representado pelo co-requerido C(...) .

  3. Todos estes factos eram (e são) do conhecimento do co-requerido C(...) .

  4. A situação económico-financeira da sociedade era conhecida do co-requerido C(...) antes da cessão das quotas, até porque foi ele que liderou o processo de aquisição dessas participações sociais em nome e em representação do comprador, tendo sido ele a subscrever os respectivos contratos.

  5. A deterioração da situação económico-financeira da sociedade aconteceu durante a gerência do co-requerido C(...) , altura em que o recorrente já não tinha qualquer intervenção na gestão da sociedade.

  6. Assim, para além de eventual responsabilidade criminal por prestação de falsas declarações ao Tribunal, o co-requerido agiu como litigante de má fé, já que faltou consciente e voluntariamente à verdade, escamoteando, distorcendo e alterando factos.

  7. O único responsável pela insolvência da sociedade é o co-requerido C(...) , não só como representante da entidade que se propôs comprar as quotas do recorrente, não tendo pago o respectivo preço, X. Ao afirmar, enganosamente, que o valor correspondente ao preço da cessão estaria a ser recepcionado a todo o momento, dando, pois, entrada no caixa social para concretizar o aumento de capital social, o que nunca veio a acontecer, XI. E ainda através de uma gestão da sociedade, enquanto gerente, deveras ruinosa para ela, XII. Pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida no que concerne ao recorrente, XIII. Declarando-se como único responsável pela ocorrência da situação de insolvência o co-recorrente C(...) , XIV. Para além da sua condenação como litigante de má fé, XV. Bem como o apuramento de eventuais responsabilidades criminais.

O Ministério Público apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II – Fundamentação de Facto Encontra-se provado o seguinte factualismo: 1. A insolvente é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com o NIF n.º (...), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra sob o mesmo número e com sede no (...) , (...) , (...) , em Coimbra (alínea A) dos factos assentes).

  1. Foi constituída em 1989, tendo por objecto social a construção civil e obras públicas e a comercialização de materiais de construção (alínea B) dos factos assentes).

  2. Em 18 de Janeiro de 2010, a insolvente tinha um capital social de € 1.350.000,00, dividido em sete quotas, seis no valor nominal global de € 1.349.501,20, pertencentes ao sócio B(...) e uma, no valor nominal de € 498,80, pertencente à sócia D...

    (alínea C) dos factos assentes).

  3. Sendo seu único gerente, desde a sua constituição, o B(...) (alínea D) dos factos assentes).

  4. A insolvência foi requerida pelo credor E(...), S.A. em 25 de Março de 2010 (alínea E) dos factos assentes).

  5. As dificuldades económicas e financeiras da empresa e o incumprimento das obrigações assumidas perante fornecedores já se arrastavam desde 2008, tendo-se agravado em 2009 (alínea F) dos factos assentes).

  6. Em 25 de Março de 2010 corriam contra a insolvente as seguintes acções e execuções: - Proc. n.º 324/09.1TBMLD, que corria termos no Tribunal Judicial da Mealhada, Secção Única, Acção de Processo Ordinário, instaurada por F(...) S.A., para pagamento de € 73.274,81; - Proc n.º 110/10.6TBSJM, que corria termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira, Execução Comum, instaurada por G(...), Lda, para pagamento de € 4.061,30; - Proc. n.º 351/09.9TBCBR, que corria termos nas Varas de Competência Mista de Coimbra, 2.ª Secção, Acção de Processo Ordinário, instaurada por H(...), Lda, para pagamento de € 128.490,00; - Proc. n.º 112/10.2TJCBR, que corria termos no 2.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por I(...), Lda, para pagamento de € 1.004,02; - Proc. n.º 130/10.0TJCBR, que corria termos no 2.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por J(...), Lda, para pagamento de € 3.776,41; - Proc. n.º 434/10.2TJCBR, que corria termos no 1.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por L(...), Lda, para pagamento de € 12.651,24; - Proc. n.º 70/10.3TBARC, que corria termos no Tribunal Judicial de Arouca, Secção única, Execução Comum, instaurada por M(...), Lda, para pagamento de € 8.518,98; - Proc. n.º 2248/09.3TJCBR, que corria termos no 5.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por H(...), Lda, para pagamento de € 39.191,00; - Proc. n.º 728/10.7TJCBR, que corria termos no 4.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por N(...), SA, para pagamento de € 8.295,56; - Proc. n.º 572/10.1TJCBR, que corria termos no 1.º Juízo Cível de Coimbra, Execução Comum, instaurada por O(...), S.A., para pagamento de €1.208,06; - Proc n.º 767/07.5TBPCV, que corria termos no Tribunal Judicial de Penacova, Secção Única, Acção de Processo Sumaríssimo, para pagamento de 1.516,36 € (alínea G) dos factos assentes).

  7. O passivo da insolvente ascende a mais de € 3.800.000,00 (alínea H) dos factos assentes).

  8. Em 18 de Janeiro de 2010, foi registado na respectiva conservatória um aumento de capital no valor de € 1.000.000,00, em dinheiro, subscrito pelo sócio B(...) , para a criação de uma nova quota (alínea I) dos factos assentes).

  9. Este aumento de capital não foi concretizado (alínea J) dos factos assentes).

  10. Em 20 de Janeiro de 2010, os sócios venderam a P(...), que comprou, todas as quotas, passando, em consequência, esta a ser a titular da totalidade do seu capital social (alínea K) dos factos assentes).

  11. C(...) foi por esta nomeado gerente da sociedade por deliberação de 20 de Janeiro de 2010, qualidade que foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial em 22 de Janeiro de 2010 (alínea L) dos factos assentes).

  12. C(...) pediu aos anteriores gerentes a escrita e os elementos contabilísticos da sociedade (resposta ao quesito 1.º).

  13. A anterior gerência não lhe forneceu a totalidade dos elementos da contabilidade da insolvente (resposta ao quesito 2.º).

    * * * * * III – Fundamentação de Direito Versam os presentes autos/incidente sobre a qualificação da insolvência da A(...) , Lda. como culposa (cfr. art. 185.º e ss. do CIRE).

    A sentença recorrida, analisando os fundamentos expostos pela Sr.ª Administradora, considerou o seguinte: Quanto à alínea a) do art. 186º/3 do CIRE: “ (…) nas situações previstas n.º 3 do art. 186.º apenas se estabelece uma presunção de que os administradores...

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