Acórdão nº 270/12.1T2OBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | EDUARDO MARTINS |
Data da Resolução | 12 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório: No âmbito do processo de contra-ordenação n.º 270/12.1T2OBR, da Comarca do Baixo Vouga, Oliveira do Bairro – Juízo de Instância Criminal, o arguido A...
foi condenado, por decisão de 26/4/2012, nos mesmos termos em que o havia sido por decisão de entidade administrativa, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 21.º, n.º 1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto-Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, apenas com a alteração consistente na suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir aplicada, por um período de um ano.
**** O Ministério Público, não se conformando com tal decisão, veio interpor recurso, em 7/5/2012, defendendo a sua revogação e substituição por outra que mantenha, na íntegra, a decisão da autoridade administrativa, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos, vinha o arguido A... acusado pela prática de uma contra-ordenação muito grave, sancionada com coima e com sanção acessória de proibição de conduzir, nos termos dos artigos 136.º, 138.º e 146.º, al. n), do Código da Estrada.
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Na douta sentença proferida em sede destes autos, jugou-se provado, designadamente, que: o arguido A... “no dia 01.05.2010, pelas 15h40, conduzia um tractor agrícola, com a matrícula … , na Rua … .
No dia e hora referidos, o arguido não respeitou a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – paragem obrigatória na intersecção (sinal de STOP).
O arguido, ao actuar da forma descrita, fê-lo sem proceder ao cuidado a que estava obrigado.
O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima (…)”.
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O Tribunal qualificou os factos descritos como integrando a prática de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada, pelo que decidiu suspender a execução da sanção de inibição de conduzir pelo período de 1 ano, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
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É com a qualificação jurídica da contra-ordenação dos factos julgados como provados que o Ministério Público discorda e dela vem recorrer, nos seguintes termos: 5. Conforme consta do auto de notícia e nos factos julgados como provados, o arguido não obedeceu à ordem dada pelo sinal de cedência de passagem B2.
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O artigo 21.º do Regulamento da sinalização de trânsito define o sinal B2 como aquele que determina a “paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar”.
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Ora, com todo o respeito que o Tribunal nos merece, parece-nos que os factos julgados como provados, e uma vez que o arguido desrespeitou o sinal B2, de paragem obrigatória, qualificam-se como sendo uma contra-ordenação muito grave, prevista no artigo 146.º, al. n), do Código da Estrada.
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É que o sinal de cedência de passagem encontra-se previsto no artigo 21.º do Regulamento da sinalização de trânsito como B1: “cedência de passagem: indicação que o condutor deve ceder passagem a todos os veículos que transitem na via que se aproxima”, e o desrespeito à ordem dada a este sinal constitui a contra-ordenação p. e p. pelo artigo 145.º, al. f), do Código da Estrada; mas não é este o caso, atenta a factualidade julgada como provada.
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Conforme resulta dos factos julgados provados, o arguido não desrespeitou a ordem dada pelo sinal B1 (que obriga à cedência de passagem) mas o sinal B2 (que determina a paragem obrigatória). O desrespeito ao sinal de paragem obrigatória constitui, então, uma contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 146.º, al. n), do Código da Estrada.
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Tratando-se, pois, de uma contra-ordenação muito grave, a mesma não admite suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do Código da Estrada.a contrario.
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Ao decidir da forma descrita, violou assim a sentença recorrida o disposto nos artigos 146.º, al. n) e 141.º, n.º 1, do Código da Estrada.
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Pelo que, revogando a decisão recorrida e mantendo a decisão da autoridade administrativa que, no que ora releva, condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, nos termos dos artigos 133.º, 138.º, n.º 1, 139.º, 140.º e 147.º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada, V.ªs Ex.ªs farão Justiça.
**** O arguido respondeu ao recurso, em 12/6/2012, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. Ficou provado que o arguido não tem averbado no registo individual de condutor qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, que é condutor respeitador das regras estradais, prudente e atento.
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Ficou igualmente provado que necessita de carta de condução para a sua vida profissional, porque vive exclusivamente da sua profissão de manobrador de máquinas agrícolas.
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O arguido efectuou o pagamento voluntário da coima pelo mínimo legal.
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A contra-ordenação imputada ao arguido é considerada grave (e não muito grave, conforme incorre em lapso a decisão administrativa), nos termos conjugados dos artigos 137.º, n.º 1 e 146.º, al. f), do Código da Estrada, pois, 5. Na verdade, a medida da sanção determina-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, e da situação económica do infractor, tendo ainda em conta os seus antecedentes relativamente ao cumprimento das leis e regulamentos sobre o trânsito – artigo 140.º, do Código da Estrada, e 6. O Tribunal a quo, face às condições de vida do arguido e ao facto de necessitar da carta de condução para a sua actividade profissional, sendo habitualmente um condutor prudente e cuidadoso e não ter resultado qualquer consequência negativa do seu comportamento, bem decidiu suspender a sanção da inibição de conduzir, pelo período de um ano.
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A Ex.ma Juíza a quo fez a melhor interpretação e aplicação da lei aos factos apurados e a Decisão Proferida mostrou-se proporcional e adequada aos factos dados como provados.
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A suspensão da execução da inibição de conduzir é suficiente para demover o arguido da prática de qualquer outra infracção grave ou muito grave, pois a simples ameaça da inibição de conduzir é suficiente para garantir as exigências da prevenção geral e da prevenção especial.
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Verificaram-se todos os requisitos previstos no artigo 141.º, n.º 3 do C. E. para o Tribunal suspender a sanção de inibição de conduzir, pelo que a Sentença ora recorrida não violou o disposto nos artigos 146.º e 141.º, n.º 1 do C. E., não merecendo a mesma qualquer reparo.
Mais acresce que 10. O Código da Estrada sanciona a prática de qualquer contra-ordenação com coima, artigo 137.º, e, nos termos do disposto pelo artigo 138.º, sancionando as contra-ordenações graves e muito graves com sanção acessória de inibição de conduzir, 11. Dispondo expressamente o artigo 141.º do C. E. que pode ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir relativamente às contra-ordenações graves.
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Nada diz acerca da possibilidade de suspender a execução da sanção acessória relativamente às contra-ordenações muito graves.
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Analisada a sistemática do C. E., o facto deste não fazer qualquer referência quanto à possibilidade de suspensão da inibição de conduzir aplicada pela prática das contra-ordenações muito graves, entende o ora respondente que tal constitui uma omissão do legislador, suprível apenas com recurso ao direito subsidiário, neste particular, o Código Penal, nos termos do disposto pelo artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82.
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Atendendo a que nos termos expressos pelo Código Penal, aqui aplicável subsidiariamente, são passíveis de ser suspensas as penas de prisão não superiores a três anos, da mesma forma que não existe naquele normativo legal qualquer impedimento à suspensão da inibição de conduzir, aplicável nos temos do disposto pelo artigo 69.º, do Código Penal, como sanção acessória de inibição de conduzir, relativa às contra-ordenações muito graves, determinaria uma clara violação dos princípios da adequação e proporcionalidade consagrados nos termos do disposto pelo artigo 18.º da CRP.
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A ser correcto o entendimento perfilhado pela Digna Magistrada do Ministério Público, facilmente estaríamos perante situações em que, na prática, estaria afastada a possibilidade de recurso aos Tribunais Judiciais como instância de recurso das decisões proferidas pelas entidades administrativas.
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Situação que configuraria o afastamento de uma instância de recurso para os Tribunais Judiciais, através de uma norma do C. E., com violação dos princípios consagrados no artigo 18.º, da CRP.
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Não faz qualquer sentido que o legislador tenha querido criar uma norma cega, de aplicação automática e, face ao anteriormente exposto, sem recurso, punindo de igual forma situações diferentes.
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A Sentença em apreço valorou correctamente os factos provados e os não provados e decidiu em conformidade com a lei, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.
**** O recurso foi, em 19/6/2012, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em 26/10/2012, no sentido da procedência do recurso, acompanhando a argumentação exposta no recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
**** II. Decisão Recorrida: “I – RELATÓRIO: 1. Nos presentes autos de Recurso de contra-ordenação, o recorrente A..., operador de máquinas agrícolas, e residente na Rua … , encontra-se acusado, por no dia 01.05.2010, pelas 15h40m, na Rua … , conduzindo o tractor agrícola, com a matrícula … , não cumpriu a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – paragem obrigatório na intersecção (STOP), cometendo a contra-ordenação prevista no artigo 21º, nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01.10.
Tal contra-ordenação...
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