Acórdão nº 1919/12.1TBGDM-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1919/12.1TBGDM-A.P1 (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Gondomar (1.º Juízo Cível) Apelante: B… Apelado: C… Sumário: O direito à utilização da casa de morada de família por parte do ex-membro da união de facto sofre lesão grave e dificilmente reparável se o outro ex-membro da união de facto manda cortar os serviços de abastecimento de luz, água e gás.

O restabelecimento desses serviços constitui providência adequada a assegurar as condições de habitabilidade da casa de morada de família, bem como o efeito útil da ação principal onde é pedida a sua atribuição.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO B… intentou procedimento cautelar comum contra C… pedindo que, sem audiência prévia do requerido, este seja “condenado a repor os serviços de luz, água e gás relativos ao imóvel sito na Rua …, n.º … - .º Dtº, Apart. .., …, Gondomar, casa de morada de família e assim ser proferida sentença para esse efeito.” Em síntese, alegou que, desde 2002 até maio de 2011, viveu em união de facto com o requerido na morada acima referida, propriedade do requerido, que a adquiriu mediante um empréstimo bancário, embora a conta bancária inerente ao empréstimo tenha sido aberta em conjunto.

Após a separação de facto, a requerente ficou a habitar a casa de morada de família, continuando o requerido a pagar as mensalidades do empréstimo.

No mês de agosto de 2011, o requerido solicitou-lhe a entrega da casa, o que esta não fez por ser a casa onde reside.

Em setembro de 2011, requerente e requerido acordaram no seguinte: a requerente continuava a habitar a casa, pagando ambos, na proporção de metade, a prestação bancária e IMI, pagando a requerente as despesas de água, luz, gás e TV cabo, já que tais serviços só por si eram usados.

Também acordaram na divisão da quantia que tinham na conta bancária acima referida (€3.000,00), na proporção de metade para cada um.

Não obstante o acordado, o requerido, no mês de dezembro de 2011, não efetuou o pagamento de metade das despesas que se comprometeu pagar, nem procedeu ao depósito de qualquer quantia, pelo que a prestação foi paga com dinheiro da requerente que se encontrava à ordem na referida conta bancária.

Em 26/12/2011, a requerente ao entrar em casa constatou que não tinha luz, água, gás e TV cabo, por o requerido, sem a avisar previamente, ter mandado cortar aqueles serviços junto das entidades fornecedoras.

Desde essa data, usa um petromax, carrega garrafões de água para uso na casa de banho e fazer comida e, à noite, ilumina-se “à luz da vela”. Também não vê televisão, nem ouve rádio e está limitada na realização de qualquer ato que dependa desses serviços.

Entende que lhe assiste o direito de através do presente procedimento cautelar, obter a condenação do requerido na reposição dos referidos serviços, pois é “titular do direito à casa de morada de família ao abrigo da alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11/05, existindo concretamente pelos factos alegados, lesão concreta no exercício e receio fundado doutro tipo de lesão”.

Juntou documentos e arrolou testemunhas Foi ordenada a citação do requerido, por o contraditório não fazer perigar a eficácia da providência (fls. 35).

Na oposição deduzida a fls. 72 e seguintes, o requerido pronunciou-se pelo indeferimento do pedido, alegando, em síntese, que tinha acordado com a requerente que esta lhe entregava a casa em agosto de 2011, para que fosse vendida e paga a dívida existente. Como a requerida se recusou a sair, estabeleceram o acordo mencionado pela requerente.

Porém, desde dezembro de 2011, a requerente não paga metade da prestação ao Banco, nem as despesas dos consumos domésticos, tendo o requerido pago a totalidade da prestação daquele mês, bem como os consumos domésticos referentes às faturas vencidas em dezembro de 2011 e janeiro de 2012.

Mais alega que não tem capacidade económica para suportar as despesas dos consumos domésticos da requerente e que esta, desde setembro de 2011, não habita a casa, só lá mantém algumas roupas, ali se deslocando esporadicamente.

Concluiu no sentido da requerente não ser titular do direito à casa de morada de família, nem sequer ter direito a ser arrendatária da mesma, já que a instituição bancária que concedeu o empréstimo não o permite.

Juntou documentos e arrolou testemunhas.

A requerente apresentou o requerimento de fls. 72 e seguintes, reiterando o pedido de decretamento da providência solicitada.

Foi realizada audiência final, após inquirição das testemunhas arroladas.

Em 07/07/2012, foi proferida sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar comum.

Inconformada, apelou a requerente apresentado as conclusões que abaixo se transcrevem.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por ofício de fls. 83, foi solicitada a remessa do procedimento cautelar para ser apensado ao processo n.º 1919/12.1TBGDM, o que foi ordenado a fls. 120.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 129, como apelação, com subida imediata e efeito suspensivo.

Conclusões da apelação: I - Entende a Requerente do presente procedimento cautelar comum, que a Meritíssima Juíza do tribunal “a quo” não aplicou bem o direito à situação de facto peticionada, pelo que julgou mal a presente providência cautelar, como adiante se demonstrara.

II - O tribunal “a quo” considerou como provados os seguintes factos, citámos: (…)[1] IV - O facto descrito em 4º resultou apurado com base no teor das cópias das inscrições matricial e predial juntas a fls. 13 a 15.

V - Os factos descritos em 2º, 7º, 12º, 13º e 14º da matéria de facto indiciariamente provada resultaram apurados com base no teor das declarações das testemunhas D… (irmão da Requerente), E… (amiga da Requerente) que confirmaram as circunstâncias em que a Requerente e Requerido resolveram adquirir a casa de habitação em causa, bem como a rutura da união de facto, e a saída do Requerido da casa de morada de família.

VI - A testemunha D… ainda atestou o modo como a Requerente tem vindo a usar a casa em questão desde que foram cortados os serviços de abastecimento de água, luz e gás, asseverando ainda que a Requerente ainda não abandonou a habitação. Quanto ao facto descrito em 16º, muito embora não tenha sido alegado, resultou o mesmo apurado no decurso da discussão em causa, tendo o tribunal ponderou a confissão da Requerente sobre essa matéria.

VII - Apesar de terem sido considerados provados os factos supra referidos, mormente o facto da Requerente e Requerido coabitaram o mesmo teto, em comunhão de mesa e habitação, e partilharam todas as despesas da casa e da vida corrente, como se de marido e mulher se tratasse, desde o ano de 2002 a 2011, e que no mês de Dezembro de 2011, o Requerido mandou cortar os serviços de luz, água, gás e TV Cabo, junto das entidades respetivas, a Meritíssima Juíza “a quo”, não considerou existir qualquer direito tutelado ou interesse juridicamente protegido já existente ou a ser reconhecido em decisão a proferir em ação constitutiva por parte da Requerente que lhe permitisse a procedência da presente providência cautelar.

VIII - O que com salvo e todo o devido respeito julgou mal.

IX - A Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio atualizada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, na alínea a) do art.º 3º, prevê o direito à proteção da casa de morada de família às pessoas que vivem em união de facto, nas condições previstas nesta disposição legal e a aplica-se portanto à situação “sub...

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